Institucional

'A ciência tem dado respostas à pandemia', avalia Sandra Goulart Almeida

Em entrevista, reitora afirma que a atuação da UFMG na crise alcança pesquisa, cultura e sociedade

Sandra Goulart durante a visita do ministro Marcos Pontes à UFMG, em abril:
Sandra Goulart durante visita do ministro Marcos Pontes à UFMG, em abril: ciência ganhou visibilidadeMarcílio Lana / UFMG

Para esta quinta-feira, 7 de março, a UFMG organizou um conjunto de atividades e ações que integram a programação regional em apoio à Marcha Virtual pela Ciência 2020, promovida nacionalmente pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Em entrevista ao Portal UFMG, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida afirmou que a Marcha é um movimento essencial para fortalecer o papel da educação e da ciência na sociedade. Ela também avaliou o cenário da pandemia do novo coronavírus e seus reflexos na Universidade e defendeu a retomada dos investimentos públicos na educação.

Antes da pandemia da Covid-19, a ciência vinha sendo atacada de forma dura, no Brasil e no exterior. Com a proliferação, em escala global, do novo coronavírus, a ciência saiu do lugar de "vilã" e tornou-se protagonista? O que aconteceu?
Sandra - Não creio que tenha havido uma mudança. A ciência vem sendo apresentada como "vilã" em contextos muito específicos e cenários políticos particulares. Estamos diante de um momento histórico complexo, de muita polarização, e temos que ser cautelosos para não simplificar a questão dessa maneira. Enfrentamos um movimento, protagonizado por certos grupos ideológicos e endossado por algumas autoridades governamentais, não apenas no Brasil, mas em várias partes do mundo, de negação do conhecimento científico e de questões ligadas, por exemplo, ao meio ambiente, à saúde, como a mobilização antivacinas. Essa postura é, sem dúvida, muito preocupante. Por outro lado, há dados que nos informam que a maioria da população do Brasil tem uma percepção muito positiva da ciência. Refiro-me à pesquisa que analisou a percepção pública da ciência e da tecnologia, estudo realizado em 2019 pelo CGE [Centro de Gestão e Estudos Estratégicos], ligado ao MCTIC, com participação de pesquisadores da UFMG e da SBPC. Essa pesquisa revelou que 73% dos entrevistados avaliam que a ciência traz benefícios, 60% deles têm interesse na ciência e 90% defendem mais investimentos em educação.

Então, em sua avaliação, não houve uma mudança de percepção. Mas por que setores e mesmo autoridades passaram a defender a ciência?
Sandra - Não creio que setores que caminhavam em direção da negação da ciência mudaram de repente de posição. O que está ocorrendo, me parece, é que alcançamos uma grande visibilidade neste momento, pois a ciência, como seria esperado, tem apresentado respostas para o enfrentamento da pandemia. Setores que negavam o papel da ciência continuam negando e o fazem em razão de posições ideológicas. Há um movimento contra o isolamento, continua existindo o movimento que nega o impacto do novo coronavírus e as evidências científicas. Muitas fake news continuam circulando. O que tem mudado – e os dados mostram isso – é que um maior número de pessoas estão se informando pelos canais devidos – sites e mídias das universidades e institutos científicos, jornais e revistas científicas – e percebem que as respostas para o que está acontecendo vêm e virão, como sempre vieram, do estudo, do conhecimento e da pesquisa. A resistência à ciência, protagonizada por certos segmentos da sociedade, ainda se mantém. Mas é importante notar também que algumas autoridades, principalmente no campo da saúde, têm procurado ter acesso à ciência, ao conhecimento produzido pelas Universidades e institutos de pesquisa para definir protocolos e tomar decisões.

CT Vacinas, no BH-TEC, é uma das instalações da UFMG envolvidas no enfrentamento da pandemia
CT Vacinas, no BH-TEC, é uma das instalações da UFMG envolvidas no enfrentamento da pandemia Marcílio Lana / UFMG

A senhora acredita, então, que, após este período, a ciência continuará sendo percebida como uma aliada da vida, como uma aliada da sociedade?
Sandra - É preciso ressaltar que nós, universidades públicas, sempre mobilizamos esforços para enfrentar problemas em diversas áreas da vida. Um exemplo da UFMG é o da mobilização da Instituição quando ocorreram os rompimentos das barragens da Vale, em Mariana e Brumadinho. A nossa mobilização foi reconhecida em todo o país. Avalio que a situação da nossa visibilidade mudou: perante a sociedade, diante da mídia, para o poder público de um modo geral. No Brasil, as universidades e outras instituições públicas têm papel muito importante, respondendo por 95% das pesquisas científicas. Só que isso parece não ser muito claro para as pessoas. A universidade sempre será aliada da vida, sempre será uma aliada da sociedade, em todo o mundo. A questão central das universidades públicas é que elas têm que ter qualidade e têm que ter relevância. Relevância quer dizer o quê? Quer dizer que as universidades públicas precisam atender às demandas da sociedade. O tripé das universidades é formado por ensino, pesquisa e extensão. Vamos além de ensinar uma profissão. Fazemos pesquisa e extensão, que é essa interface com a sociedade. Essa é a base da educação, está em nossa Constituição, está em todos os nossos regimentos. Essa sempre foi e sempre será a missão da nossa Instituição.

A universidade sempre será aliada da vida, sempre será uma aliada da sociedade, em todo o mundo.

Na sua avaliação, o que este momento traz de aprendizado para as universidades brasileiras, para a ciência?
Sandra - O que necessitamos continuar fazendo é assegurar visibilidade para o que realizamos. O estudo que citei [Percepção pública da ciência] mostrou que há grande interesse em algumas áreas específicas. A primeira é medicina e saúde. Isso se coaduna com o que está acontecendo neste momento crítico. As pessoas estão em busca de informações qualificadas. E essas informações estão nas pesquisas científicas. Isso, de alguma forma, sempre aconteceu. No entanto, o mesmo estudo demonstra que há muito desconhecimento sobre a ciência de um modo geral. Eis aí um papel importante que a UFMG, as universidades e a SBPC devem exercer: fazer divulgação da ciência de maneira esclarecedora para esse público que tem grande interesse em conhecer mais. E, neste momento, esse movimento de interesse, de busca de informação chega a um patamar bem mais elevado em razão da gravidade da crise. O segundo item de maior interesse é o meio ambiente, que também está, de alguma forma, relacionado com o que estamos vivendo. Outro dado muito interessante é que os cientistas de universidades e institutos públicos estão entre os profissionais mais confiáveis. Só ficam atrás dos médicos. Ou seja, há confiança da sociedade nos cientistas. O que se espera é que toda essa mobilização da sociedade, que procura obter conhecimento por meio das universidades, continue. E que o poder público – esta talvez seja a grande diferença – conte mais com as universidades. Os governos estaduais e municipais e a própria União voltaram-se para as universidades em busca de soluções, de reflexões sobre como tentar resolver esta crise, seja por meio de dados sobre as taxas de transmissão do vírus ou de soluções como os medicamentos e vacinas. Temos fornecido subsídios para que o poder público possa tomar decisões. Nesse aspecto, realmente, houve uma mudança. Há, sim, um reconhecimento, por parte do poder público e da sociedade.

A ciência e as universidades no Brasil passaram, então, a ser consideradas capazes de oferecer respostas para a crise. Mas e os investimentos? Os cortes e contingenciamentos permanecem, sobretudo em áreas nas quais, a princípio, a contribuição para o enfrentamento é colocada em segundo plano, como as ciências sociais aplicadas, humanas e artes? Como reverter e como a Marcha é fundamental nesse sentido?
Sandra - A Marcha pela Ciência é um movimento fundamental para que possamos fazer a defesa da ciência, da vida, da importância do investimento em educação, ciência e tecnologia. Temos chamado a atenção para essa questão, que há anos é um dos gargalos no Brasil. O investimento em ciência, tecnologia e educação tem diminuído muito, e essa é uma enorme preocupação para todos nós. Não se faz ciência sem investimento, e o investimento não pode ser pontual. Ele tem que ser permanente, de forma a assegurar sustentabilidade às instituições de fomento, de pesquisa e às universidades.

Não se faz ciência sem investimento, e o investimento não pode ser pontual. Ele tem que ser permanente, assegurando sustentabilidade para as instituições de fomento, de pesquisa e para as universidades.
Sandra em visita ao hospital de campanha, que está sendo construído em Belo Horizonte
Sandra em visita ao hospital de campanha, em construção em BHTacyana Arce / UFMG

As universidades têm realizado pesquisas e outras ações. Como é possível fazer isso?
Sandra - Nós somente temos condições de pensar numa possível vacina contra a Covid-19 porque, no passado, houve aporte adequado de recursos. Para pensar em pesquisa aplicada para, por exemplo, a busca por uma vacina, precisamos pensar em pesquisa básica. E esse é um investimento, um movimento de longo prazo. Não é possível, portanto, interromper os investimentos. Com os cortes, são interrompidos os ciclos das pesquisas, os ciclos de aprendizado. E essas rupturas são extremamente danosas para a ciência; em alguns casos, os prejuízos são irreversíveis. Essa é a nossa grande preocupação. Entendemos que estamos em um momento de crise, mas é justamente em momentos de crise que devemos investir maciçamente em educação, em ciência e tecnologia. Foi isso que os países que atravessaram crises fizeram, e é isso que o Brasil precisa fazer. É isso que os nossos dirigentes ainda não compreenderam.

Mas houve aporte de recursos neste momento?
Sandra - Tem havido um esforço para destinar recursos para as pesquisas relacionadas ao enfrentamento da Covid-19. A UFMG foi contemplada com uma verba de R$ 21,5 milhões da Secretaria de Educação Superior do MEC para implementar ações que a própria comunidade universitária estruturou: testagem, produção de equipamentos de proteção individual para profissionais da saúde, produção de álcool em gel e inúmeras outras iniciativas. Houve ainda chamadas para projetos de pesquisa da Capes, Fapemig, CNPq. Mas temos percebido que há uma falta de entendimento com relação ao que está envolvido quando se pensa em soluções para a pandemia. Todas as áreas do conhecimento são importantes. Claro que algumas estão na linha de frente, com resultados imediatamente aplicáveis. É o caso das áreas de desenvolvimento de vacinas, da produção de álcool em gel, da estatística, dos testes de diagnóstico. Mas todas as áreas são importantes. Cientistas de todas as áreas estão trabalhando – e muito – para dar conforto às pessoas, procurando atender àqueles que foram afetados pela pandemia de diversas maneiras, que estão enfrentando dificuldades decorrentes do isolamento social. Integrantes de nossa comunidade têm atuado para transmitir informações para a sociedade sobre como agir. Pessoas ligadas à área da cultura estão desenvolvendo ações, espetáculos para que as pessoas se sintam ainda mais motivadas a ficar em casa. Todas essas ações são fundamentais. É um erro direcionar recursos apenas para uma área. Espero que hoje, com esta Marcha que estamos realizando, possamos mostrar para as pessoas que a vida tem muitas dimensões e que as universidades atuam em todas elas.

Cientistas de todas as áreas estão trabalhando – e muito – para dar conforto às pessoas, procurando atender àqueles que foram afetados pela pandemia de diversas maneiras.

Por fim, a pandemia exigiu de todos uma mudança drástica, uma migração importante para os ambientes virtuais. A própria Marcha é virtual. Tudo isso também deve impactar as universidades?
Sandra - Não há dúvida. Haverá, sim, uma mudança, mas não apenas as universidades serão afetadas. A relação entre as pessoas será modificada, mas o contato pessoal sempre será essencial, principalmente na relação entre docentes e discentes. Como instituição universitária, temos várias preocupações. Estamos preocupados principalmente com a inclusão digital. Vivemos em um país desigual, onde cerca de um terço dos domicílios não têm acesso regular à internet, segundo dados do IBGE. Para ofertar atividades em que a mediação das tecnologias da informação e da comunicação é crucial, necessitamos de investimentos significativos. É preciso que asseguremos a todos e todas as mesmas condições de acesso. Esse é um direito que precisa ser respeitado, uma obrigação. Todas as leis, por exemplo, que tratam da educação remota, da educação a distância, deixam muito claro que é responsabilidade da instituição prover e promover o acesso. É um direito do estudante. Precisamos atuar com muita clareza e serenidade. Por outro lado, é uma oportunidade de conexão de forma diferente a ser considerada. Por exemplo, realizamos, na semana passada, um websimpósio que alcançou cerca de quatro mil pessoas. Isso seria impensável em um evento convencional. Há, portanto, um potencial importante, que precisa ser desenvolvido, inclusive, para que possamos dar visibilidade ao maravilhoso trabalho feito na UFMG e em todas as outras universidades públicas e centros de pesquisa.

Marcílio Lana