Pesquisa e Inovação

Grupo de Brasil e México aborda transmissão do coronavírus pela rede de transporte aéreo

Modelo matemático gera previsões alarmantes, e autores afirmam que soluções devem ser baseadas em protocolos severos de controle

...
Controle sanitário no aeroporto de Salvador: duas ondas de contaminação pela rede aéreaLeonardo Rattes / Governo da Bahia

Grupo de pesquisadores do Brasil e do México, com participação de três professores da UFMG, acaba de divulgar estudo sobre o papel da rede de transporte aéreo na disseminação do novo coronavírus no Brasil. Os autores, que desenvolveram um modelo matemático capaz de descrever a dinâmica da transmissão do Sars-CoV-2 por meio dos deslocamentos de avião, afirmam que as previsões geradas pelo modelo são alarmantes, mas indicam soluções que passam pela implementação de protocolo severo de vigilância de entrada nos terminais e monitoramento das pessoas oriundas de regiões de risco. A adoção imediata de medidas como essas, segundo os cientistas, pode proteger os povos indígenas da Amazônia.

O grupo, composto de virologistas, geneticistas, microbiologistas, físicos e ecólogos, tem a participação dos professores Aristóteles Góes-Neto, Geraldo Wilson Fernandes e Vasco Ariston de Azevedo, todos do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.

O estudo demonstra que a falta de rígido controle sanitário aeroportuário tornou o Brasil mais vulnerável do que outros países tropicais. “A rede aeroportuária brasileira tem forte capilaridade e possibilita disseminação rápida de doenças. Representa, portanto, ponto nevrálgico a ser controlado”, afirmam os autores, em texto de divulgação do estudo.

A concentração do transporte aéreo nas capitais e grandes cidades da região Sudeste provocará, segundo os cientistas, dinâmica exponencial de infecção em várias cidades ao mesmo tempo. “Se não forem tomadas providências de forma síncrona, a maioria das grandes cidades das regiões leste e do sul poderá estar amplamente infectada por volta do dia 50 e tornar-se contaminante das demais cidades, conectadas pela complexa rede de aeroportos. Esse padrão causaria o colapso dos serviços de saúde nas cidades que possuem os hospitais mais bem equipados”, alertam.

O trabalho prevê que a estrutura da rede aérea causaria duas ondas de contaminação, com rápida disseminação da doença no país entre os dias 1 de abril e 16 de maio. A primeira onda seria representada pelo grande aumento diário da doença após 50 dias nas cidades mais densamente conectadas, por volta de 16 de abril. A segunda onda se daria após 90 dias (26 de maio), atingindo áreas como a Amazônia e os estados do Centro-Oeste. “A boa notícia é que haveria mais tempo de organizar uma resposta sanitária para estas que também são as regiões mais vulneráveis do ponto de vista de saúde pública”, dizem os pesquisadores.

Parte do artigo que apresenta as conclusões do estudo é dedicada à Amazônia. De acordo com os autores, a cidade de Manaus pode se constituir no centro de espalhamento do novo coronavírus pelas partes mais remotas da região amazônica, o que exporia, em pouco tempo, grande quantidade de populações indígenas. “A Covid-19 pode ser ainda mais devastadora para esses grupos étnicos, que são geralmente mais suscetíveis a doenças não nativas. Da mesma forma, cidades e vilas remotas também são as mais expostas a serviços públicos de saúde precários”, afirmam os pesquisadores. “Assim, ainda há tempo para reverter essa situação de vulnerabilidade ao Sars-Cov-2 no Brasil, pelo menos para as populações das regiões mais remotas do país.”

O artigo Severe airport sanitarian control could slow down the spreading of Covid-19 pandemics in Brazil está em processo de revisão por pares para a revista PeerJ e pode ser acessado em preprint

Itamar Rigueira Jr. / Com assessoria do estudo