Institucional

[Artigo] 'Um nascer a toda hora': 91 anos da UFMG

Reitora Sandra Goulart Almeida defende compromisso com o Estado democrático de direito e com o progresso científico e social

Brasão contém a mensagem que simboliza o compromisso da UFMG com a transformação
Brasão da UFMG: compromisso com a transformação Rafael Motta / UFMG

INFUNDE VIDA NOVA disseram os nossos fundadores há 91 anos, em 7 de setembro de 1927, quando definiram o lema da instituição, cravado no brasão que simboliza a UFMG e seu inarredável compromisso com a renovação e a transformação.

A caminho do seu centenário, a UFMG continua fiel ao legado histórico desta Casa. Uma herança cuja crença se sustenta no indispensável papel da UFMG na produção e disseminação de conhecimento de qualidade e excelência. É também um legado de defesa da Universidade pública, gratuita e necessariamente diversa, como meio imprescindível para a construção de uma sociedade mais democrática, ética e justa, e de um país melhor para se viver.

Uma Universidade do seu tempo – como a UFMG deve se caracterizar– é aquela que se posiciona firmemente no espaço que habita, vislumbrando soluções e construindo projetos transformadores, mesmo diante dos momentos de adversidade e de grandes desafios, como aqueles enfrentados em seu passado recente e que certamente nos aguardam neste momento crítico que o país atravessa.

No mundo todo, as universidades cumprem uma plêiade de missões forjadas ao longo dos séculos em que se engendraram os mecanismos de funcionamento das sociedades contemporâneas, com novas tarefas assumidas mais recentemente, em grande medida decorrentes da escalada de complexidade que se tornou visível nas duas últimas décadas e que hoje se acelera, sugerindo que estamos apenas no início de um processo ainda por ser compreendido.

Talvez a missão fundacional das universidades seja a de constituir um espaço de produção e disseminação de conhecimentos multifários e de interação com outros saberes, estabelecido em uma forma figurativa e literalmente viva nas gerações que aqui se sucedem. A esse escopo se acrescenta a imprescindível missão de reflexão crítica na formação de cidadãs e cidadãos imbuídos de espírito sempre crítico e comprometidos com a comunidade que se associa com a Universidade. 

Essa transmutação na dimensão da formação de pessoas vem necessariamente acompanhada de outras ressignificações das missões da Universidade contemporânea com a decorrente percepção de que se faz necessária uma interação mais intensa com a sociedade e com as demandas que dela emanam nos diversos campos do saber. Em um mundo em que as diferenças emergem a cada instante, faz-se fundamental a comunicação, o intercâmbio, a experiência no entrelugar, a ponte entre as culturas – condição indispensável para a própria legitimidade do exercício da função da Universidade.

A essas missões sobrevém para a Universidade uma nova tarefa que se situa em um limiar entre um esforço e uma disputa, evidenciando por vezes a fragilidade dos futuros possíveis. Vivemos momentos difíceis, de grave crise institucional. Entendimento e respeito são palavras raras no vocabulário corrente. Entendimento entre pessoas a despeito das diferenças e da diversidade de opiniões e crenças. Respeito a pessoas, a instituições que moldaram a nossa história e a de tantas outras universidades. Se essas circunstâncias mostram as dificuldades para a gestão das universidades públicas, os elementos de natureza política caracterizam a crise que se instala no Estado e na sociedade brasileira, no campo da correlação de forças, da perda do respeito aos direitos fundamentais e da violência que acaba por imperar.

Como Universidade pública, temos que representar uma aposta na direção contrária: o nosso compromisso com a justiça, com o Estado democrático de direito e com os direitos humanos; a aposta no desenvolvimento científico, tecnológico, cultural, social; a crença desimpedida em um país soberano e próspero. Presenciamos momentos nos quais deve sobressair a elaboração de estratégias para resistir a uma disputa orquestrada, que opera no campo material, do estrangulamento do financiamento das universidades públicas, e no campo simbólico, mais insidioso e grave, de tentar minar o apoio, a autonomia e a legitimidade social de que goza a Universidade. 

Para além dessa dimensão externa, é importante destacar que na UFMG há toda uma agenda interna, de enorme alcance, que cabe a todos nós pautar e conduzir. Nossa Universidade, historicamente uma das maiores de nosso país, cresceu quantitativa e qualitativamente. Encontra-se em pleno curso outro processo de crescimento: o de sua diversidade e de sua complexidade. Uma diversidade de novos sujeitos aqui se faz presente, e sua inserção requer esforço para reconhecer e acolher novas identidades, novas coletividades, novas demandas, para ouvir e ressoar novas vozes. Políticas que, indo além da igualdade formal, coloquem o olhar sobre os sujeitos, sobre as suas histórias, sobre os seus pontos de enunciação, sobre as suas aspirações, como direitos, forjando um ambiente no qual a questão da articulação de um mundo de iguais, construído precisamente sobre as diferenças e sobre a diversidade, seja uma preocupação de cada um e um projeto de todos. 

Uma complexidade de novos campos de saber e de interação das mais diversas disciplinas, emoldurando recortes cada vez mais inter e transdisciplinares, abre-se, como imperiosa tarefa, a toda comunidade. Na complexidade e diversidade de áreas do conhecimento que aqui abrigamos, a pesquisa, o ensino e a extensão vão efetivamente se articulando, produzindo a síntese entre a referência e a qualidade acadêmica e a relevância social, singularizando cada vez mais a contribuição específica desta instituição para a sociedade.

A UFMG completa 91 anos de existência ciente de que todo “aniversário é um nascer a toda hora”, como escreveu um dos seus filhos mais ilustres, o poeta Carlos Drummond de Andrade. E cabe à instituição prosseguir com a tarefa e o desafio que o momento atual nos apresenta, como universidade viva e altiva, a buscar caminhos para sua expressão como patrimônio de seu povo e a abrir perspectivas para a nossa cidade, para o nosso Estado e para o nosso país, sempre de forma inovadora e transformadora. É Santo Agostinho que nos inspira no caminho a trilhar: “A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; e a coragem a mudá-las”. Essa deve ser a inspiração a guiar a UFMG rumo a seu centenário, com a esperança de tempos mais alvissareiros e melhores e com a indignação e a coragem que moldaram sua história de luta e resistência.

Sandra Regina Goulart Almeida / reitora da UFMG