Arte e Cultura

Em debate, participantes reafirmam essência política do carnaval

Roda de conversa do Festival de Verão discutiu a visibilidade dos corpos em desfiles de escolas de samba do Rio e dos blocos de BH

Lira e Anderson (de camisa verde):
Lira Ribas e Anderson Ferreira (de camisa azul): "corpos que agora falam e escutam"Raphaella Dias / UFMG

O Centro de Referência da Juventude (CRJ) sediou, na tarde desta quinta-feira, dia 5, uma roda de conversa sobre o tema Corpos, cidade e carnaval: narrativas visuais e políticas, encontro em que se debateu o crescente caráter político dos desfiles dos últimos anos das escolas de samba do Rio de Janeiro (em particular, o desfile da Paraíso do Tuiuti, em 2018, e o da Mangueira, em 2019) e dos desfiles dos blocos de rua belo-horizontinos (com destaque para os blocos Corte Devassa e Magnólia, fundados em 2012 e 2014, respectivamente).

No encontro, Lira Ribas, que é atriz, diretora e figurinista da Corte Devassa e do Magnólia, retomou a história recente do carnaval belo-horizontino para falar sobre a trajetória da intencionalidade política dos dois blocos – particularmente, sobre como tem sido necessário revisar essa intencionalidade ano a ano, para que ela não transite da geração de visibilidade para certos corpos e culturas ao apagamento de outros corpos e culturas igualmente periféricos.

“Quando se fala em carnaval político, a gente sempre pensa na ideia de um carnaval de esquerda, nas políticas públicas”, ela introduziu, lembrando a trajetória recente de retomada do carnaval belo-horizontino, que teve no enfrentamento ao governo municipal um de seus principais combustíveis há cerca de uma década. “Contudo, quando falo aqui em carnaval político, eu estou pensando, por exemplo, nos tradicionais blocos pretos de Salvador também como grupos políticos”, disse.

Trazendo essa reflexão para a realidade belo-horizontina, Lira lembrou que a natureza política dos blocos da cidade diretamente ligada à ancestralidade africana, como no caso do Angola Janga, situa-se antes de qualquer manifestação mais explícita que torne esta ou aquela bandeira progressista. “Temos tentado tomar cuidado para que essas bandeiras [mais explícitas] que levantamos não invisibilizem outros movimentos que já existem [e que são políticos por si]", afirmou.

“Em Belo Horizonte, vive-se o momento de se começar a entender o que são esses corpos ocupando o espaço público. Aqui, os corpos e as ‘corpas’ travestis, pretos e pretas, sempre estiveram muito escondidos no espaço público, sempre muito limitados a determinados lugares. Agora, na medida da sua exposição, começamos a compreender o que é essa ocupação do espaço público, o que ela significa”, disse, listando uma série de questões que estão sendo repensadas no âmbito dos blocos que produz, como a necessidade de se atentar para situações em que uma encenação de origem crítica (como a ridicularização que a Corte Devassa busca fazer da pompa da aristocracia europeia de séculos passados) possa, em dado momento, ser tomada e consumida como elogio ou endosso.

Da margem ao centro
O debate sobre o desfile das escolas de samba cariocas, por sua vez, foi mediado e provocado pelo ator, pesquisador e figurinista Anderson Ferreira, mestrando do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG.

Na esteira das reflexões de Lira, o pesquisador fez questão de demarcar, de saída, tomando como objeto as escolas de samba cariocas, que o carnaval é, em si mesmo, “um movimento político” e “uma manifestação cultural negra afro-brasileira” – um lugar em que “corpos deixados mais à margem agora falam e são escutados, chamam a atenção”.

Para Anderson, “brincar [carnaval], nos dias de hoje, é uma atitude em si mesma política”, e, nesse sentido, ele buscou discutir, no encontro, a forma “como os corpos se expressam no carnaval com base em seus vieses artísticos, nas fantasias, nas músicas, nos comportamentos e nos temas insurgentes que reverberam”. Ele chamou a atenção para o fato de que a percepção pública da festa pode se deturpar, a ponto de um enredo ter tido sua nota reduzida por conter "excesso” de palavras de origem banto, na avaliação dos jurados.

Encerramento
A programação do evento, que é toda gratuita, segue até esta quinta-feira, dia 6, no Centro Cultural UFMG e no Centro de Referência da Juventude (CRJ).

Na festa de encerramento do 14º Festival de Verão UFMG, a arena do CRJ receberá, nesta quinta, às 20h, a performance A urgência da ineficiência – o corpo disponível, do bailarino e coreógrafo Tuca Pinheiro e do núcleo de pesquisa em artes cênicas Corpolítico, e o evento-competição Verão vogue bailão, que celebra a cultura Ballroom e as festas-refúgio que, desde meados do século 20, ocorrem pelo mundo como espaços seguros para a população LGBTI+.