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Cinco anos sem Ferreira Gullar: especialista na obra do autor analisa seu legado

‘Um intelectual muito fiel ao que pensa. Ele nunca teve medo de se expor’, afirma Viviane Santos, pesquisadora que se dedicou a estudar o escritor por mais de 10 anos

Gullar morreu no dia 4 de dezembro de 2016, aos 86 anos, no Rio de Janeiro
Gullar morreu no dia 4 de dezembro de 2016, aos 86 anos, no Rio de Janeiro Domínio público

“A arte existe porque a vida não basta”. A afirmação icônica é de Ferreira Gullar, escritor, poeta, crítico de arte, memorialista e ensaísta que nos deixou há 5 anos, no dia 4 de dezembro de 2016. Gullar nasceu em São Luís do Maranhão em 1930. Desde jovem, ele já tinha grande interesse pela poesia, e aos 19 anos, após ser introduzido à poesia moderna, aderiu ao movimento e passou a buscar um estilo único como poeta experimental radical. Em 1954, já morando no Rio de Janeiro, lançou o livro A luta corporal, um dos mais discutidos de sua geração, que aproximou o autor à vertente concretista nos anos seguintes. No começo dos anos 1960, o intelectual rompeu com as vanguardas e encontrou sua própria forma de expressão em uma literatura focada nas lutas sociais e políticas. O maranhense é reverenciado como um dos maiores escritores brasileiros de sua geração, sendo eleito em 2014 como imortal na Academia Brasileira de Letras, na cadeira 37.

Para relembrar e celebrar a vida e obra de Ferreira Gullar, o programa Universo Literário desta sexta, 3, teve como convidada a doutora em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora Viviane Aparecida Santos Franco, especialista em Gullar. Durante sua trajetória acadêmica, ela estudou o autor por mais de 10 anos, sobretudo a sua poesia dos anos 1960 e 1970. A pesquisadora esmiuçou a carreira do maranhense, desde A luta corporal, obra em que já é possível notar uma crítica à domesticação da linguagem e uma luta com a palavra, por isso o título, uma vez que seu processo literário não se enquadrava nos moldes modernistas. Com sua permanente inquietação, como contou a docente, Gullar se aproximou do movimento concretista e depois se tornou um expoente do neoconcretismo.

A professora detalhou o período de exílio do escritor durante a ditadura militar, entre 1971 e 1977, quando ele era membro do Partido Comunista, passando por países da Europa e da América do Sul. Conforme a entrevistada, o poeta se sentiu muito ameaçado, pensando que poderia desaparecer a qualquer momento, agarrando-se à poesia como forma de sobrevivência. São desse período dois de seus livros mais engajados: Dentro da noite veloz (1975) e Poema sujo (1976). A pesquisadora lembrou que Gullar disse, certa vez, que esse último não existiria se ele não tivesse sido exilado. Santos explicou que o exílio tem um forte componente de desterritorialização, sendo a palavra escrita o único recurso para lutar contra esse sentimento. Quando o intelectual pensa em sua cidade e passa para o papel é como se houvesse um reencontro.

A convidada abordou seu interesse pela obra de Ferreira Gullar, à qual ela estudou durante a graduação, na iniciação científica, o mestrado e o doutorado. Ela destacou o legado que o escritor maranhense deixa 5 anos após sua morte. “É o legado de um intelectual muito fiel ao que pensa. Ferreira Gullar nunca teve medo de se expor, nunca teve medo de mostrar quem ele é e como ele é naquele momento. Se formos analisar a trajetória dele, percebemos que há uma mudança muito grande. Ele se coloca de uma forma quando é mais jovem, tem toda a atuação política dele como intelectual de esquerda, principalmente, e com o passar do tempo a gente vê que ele muda de lado, digamos assim. Ele foi bastante criticado por conta dessa mudança, mas o que é mais visível nisso tudo é que ele é fiel àquilo que pensa. Sempre teve convicção, seus argumentos e sabia se colocar como intelectual. O maior legado dele foi construir uma poesia que, mesmo depois de tantos anos, ainda consegue ser atual”, defendeu.

Ouça a entrevista completa pelo Soundcloud.

Viviane Aparecida Santos Franco estudou Ferreira Gullar no mestrado em Teoria Literária e Crítica da Cultura na Universidade Federal de São João Del-Rei com a dissertação Do ressentimento à cicatriz: memória e exílio em Ferreira Gullar, defendida em 2010, e também no doutorado em Estudos Literários na Universidade Federal de Juiz de Fora, com a tese E a carne se faz verbo em Ferreira Gullar: memória, engajamento e resistência em prosa e verso, defendida em 2016.

Produção: Alexandre Miranda e Nicolle Teixeira, sob orientação de Alessandra Dantas e Luiza Glória
Publicação: Alessandra Dantas