Extensão

Desastre em Brumadinho é tema de seminário em Montes Claros

Promovido pela UFMG e pela Unimontes, evento reunirá pesquisadores e movimentos sociais

Impactos sobre o Rio Doce estão entre os assuntos do seminário
Impactos sobre o Rio Doce estão entre os assuntos do seminário Agência Brasil

Pesquisadores e representantes de movimentos sociais estarão reunidos em Montes Claros nesta terça, 30, para discutir impactos do desastre causado pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho. O seminário Análise do crime ambiental da Vale em Brumadinho (MG) será das 8h às 12h30, na Unimontes, que promove o evento com o Instituto de Ciências Agrárias, campus da UFMG em Montes Claros.

Na primeira parte da programação, especialistas vão analisar o crime ambiental ocorrido em 26 de janeiro deste ano e que provocou a morte de 233 pessoas (37 seguem desaparecidas), acarretando também graves impactos ambientais, sociais e econômicos à região. O evento é aberto ao público, sem necessidade de inscrições prévias.

Participarão desse debate a professora da UFMG Andréa Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta), o pesquisador Neison Freire, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), e Carine Guedes, que integra a coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens. A mesa será coordenada pela professora Ana Thé, da Unimontes.

A segunda parte do evento terá representantes das comunidades atingidas pela Vale, em plenária com participação do público. A mesa será composta de representantes das comunidades do município de Pompéu, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil e do Quilombo da Lapinha, localizado no município de Matias Cardoso. O debate será coordenado pela Comissão Pastoral da Terra.

De acordo com a professora Ana Thé, uma das organizadoras do seminário, um dos objetivos é dar visibilidade ao tema na Região Norte de Minas. “O crime ambiental da Vale em Brumadinho, que destruiu completamente o Rio Paraobepa, matou centenas de pessoas e acabou com a possibilidade de reprodução econômica de diversas famílias que, de alguma forma, dependiam desses recursos hídricos, situação provavelmente irreversível”, comentou. Os efeitos do desastre sobre a bacia do São Francisco também estarão na pauta dos debates.

Desastres em continuidade
Um dos pontos que serão enfocados por Andréa Zhouri é a recorrência desse tipo de desastre ocasionado por empreendimentos minerários no estado. “O que aconteceu em Brumadinho não foi um incidente, nem um acidente. Não foi uma coisa fortuita, fora da curva, inesperada e única. O desastre é um processo que vai além do evento do rompimento da barragem. É um processo que se inicia antes desse momento crítico e se desdobra para além dele, com repercussões no tempo e no espaço”, explica a coordenadora do Gesta.

Um exemplo, segundo ela, é a tragédia que atinge o Rio Doce. Em novembro de 2015, o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, da mineradora Samarco, soterrou o distrito rural de Bento Rodrigues, em Mariana, desencadeando uma série de consequências, como a morte imediata de 19 pessoas, a contaminação de afluentes e do próprio Rio Doce, além das interferências na rotina econômica e social das populações da região até a foz no Espírito Santo. A professora defende que o desastre no Rio Doce ainda está em curso, com as dificuldades de negociação e de definições concretas das ações para reparação dos prejuízos aos atingidos e à região.

“Três anos e meio após o rompimento, as pessoas não tiveram suas vidas reconstituídas. As empresas operam sob a lógica econômica da rentabilidade, que não é abandonada num contexto de desastre, pois diminuir os custos ainda é o mote principal refletido na minoração e subestimação do alcance das afetações. O universo de quem é atingido ainda está em disputa. Mariana é um exemplo de que o desastre é continuado no tempo e no espaço, sem definições de encaminhamento”, destacou Zhouri.

A professora enfatiza que o rompimento da barragem é um momento crítico no processo do desastre, que se inicia durante a implementação do empreendimento de mineração e persiste nas escolhas tecnológicas, no funcionamento e no andamento das operações, assim como na reparação dos danos, posterior à criticidade do rompimento. De acordo com Zhouri, é um processo crônico que tem origem em falhas da governança.

Outro ponto que será discutido durante o encontro é a atuação do poder público, marcado pelo que a professora chama de “desmonte” do licenciamento ambiental que vem acontecendo nas últimas décadas.

Articulação em rede
A professora da Unimontes Ana Thé destaca que outro objetivo do evento é a construção de uma rede formada por movimentos sociais e pesquisadores acadêmicos que trabalham nesse campo. “É preciso planejar ações para a execução de estudos e monitoramentos comunitários das alterações no ambiente pelos rejeitos da Vale, a fim de subsidiar tanto o reconhecimento das populações que forem atingidas na Bacia do São Francisco quanto medidas efetivas de reparação e de recuperação ambiental”, explicou.

Com o desenvolvimento de pesquisas específicas em diferentes áreas – ciências sociais, saúde, engenharia e biologia, entre outras – e também atuação in loco com projetos de extensão, as universidades estão desempenhando papel importante no contexto minerário em Minas Gerais, com debates e ações que extrapolam os muros institucionais e vão ao encontro das demandas sociais.

“A universidade, sobretudo a pública, é o espaço da liberdade de cátedra e tem um compromisso com a sociedade. É na universidade que temas críticos, que remetem aos riscos sociais, humanos e ambientais dos empreendimentos econômicos, por exemplo, são desenvolvidos com autonomia de pensamento e de atuação, algo que é assegurado pela Constituição do nosso país, defende Andrea Zhouri.

De acordo com a professora, além da produção acadêmica, o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais fomenta os debates visando alcançar diferentes públicos. Foram elaborados relatórios técnicos, cartilhas e outros materiais que estão disponíveis na página do grupo. No caso específico do desastre em Mariana, Andrea explica que um dos resultados da atuação do grupo foi a revisão do Cadastro de identificação dos atingidos previsto pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), acordo entre o Ministério Público e a empresa no município.

“Através de interlocuções e análises técnicas do instrumento de identificação dos atingidos, contribuímos para uma revisão daquele documento.  Em Mariana, outro cadastro foi elaborado”, disse.

O Seminário Análise do Crime Ambiental da Vale em Brumadinho (MG) é promovido pelo Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território (PPGSAT), curso que associa a UFMG e a Unimontes, e pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social da Unimontes (PPGDS), em parceria com a Frente Brasil Popular Norte de Minas, o Movimento Atingidos por Barragens e a Comissão Pastoral da Terra.

O evento conta com o apoio do Quarta na Pós (PPGDS/Unimontes), Articulação Vazanteiros e Quilombolas em Movimento, Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais e Conselho Pastoral dos Pescadores.

O seminário terá lugar no auditório do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), prédio 6 da Unimontes, que fica na Avenida Professor Rui Braga, s/nº, Vila Mauriceia, Montes Claros.

Amanda Lelis / Cedecom Montes Claros