Arte e Cultura

Em palestra, ativista defende reforma urbana para 'devolver a terra a quem produz'

Primeiro ciclo de debates do Festival de Verão também recebeu a diretora de grupo de teatro formado por mulheres da ocupação Carolina Maria de Jesus

O ativista Leonardo Péricles e a diretora de teatro Cristina Tolentino expuseram aspectos da realidade das populações de rua de Belo Horizonte
O ativista Manoel Vieira e a diretora de teatro Cristina Tolentino expuseram aspectos da realidade das populações de rua de Belo Horizonte Heloísa Nascimento

“Por que o povo não tem onde morar? Devemos nos questionar o tempo todo sobre isso”, advertiu o ativista Manoel Inácio Moreira Vieira, em sua participação, na manhã desta terça-feira, dia 12, no ciclo de debates População de rua, ocupações, arte e cultura, que integra a programação do Festival de Verão da UFMG.

Em uma explanação que sensibilizou o público que compareceu ao Conservatório UFMG, Manoel Vieira, integrante da coordenação nacional do Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB), criticou a lógica capitalista que rege a posse de terras rurais e urbanas no Brasil. “Como os portugueses se tornaram donos das terras no Brasil? Durante a colonização, eles não as compraram dos indígenas, então não faz sentido dizer que pretendemos [grupos que reivindicam as reformas urbana e agrária] ‘tomar as terras dos outros’. Trata-se de devolver a terra a quem produz”, argumentou.

Ainda sobre o legado histórico de exploração dos mais pobres, Vieira disse que a abolição da escravatura transformou os negros em escravos modernos. “Desde o Império, o Brasil é dividido entre explorados e exploradores. No contexto de hoje, quando falamos de reforma urbana e agrária, não dá para desconsiderar o que aconteceu há 500 anos. Quando foi assinada a lei da abolição, ganhamos uma carta dizendo que éramos livres, mas a única coisa que possuíamos era a nossa força de trabalho. Passamos então a ser 'escravos assalariados', sem terra para trabalhar”, destacou o líder do MLB.

Já no atual cenário de carência habitacional, o ativista lembrou que há muitos pedreiros que moram em ocupações urbanas. “Essas pessoas construíram casas durante suas vidas inteiras, mas não possuem a própria casa. Ou seja, elas não têm direito sobre o que produziram”, afirma.

As alternativas anunciadas pelo poder público para amenizar a situação dos moradores de rua também foram criticadas por Manoel Vieira. Segundo ele, estudos recentes revelam que há 4,5 mil pessoas sem teto em Belo Horizonte. “A prefeitura informou que, em 2020, as vagas em abrigos chegarão a 500. Isso não muda muita coisa”, afirmou o ativista.

Para o líder do MLB, é essencial a destinação de imóveis vazios na capital mineira para a reforma urbana, especialmente aqueles que “há décadas estão em situação irregular com a prefeitura, no que se refere ao pagamento do IPTU”. “Nada acontece porque insistem em proteger a propriedade privada”, lamentou o ativista.

Vozes potencializadas
A diretora Cristina Tolentino também participou do debate, com o relato da trajetória do coletivo que ajudou a fundar: o Grupo de Teatro Mulheres de Luta, integrado por mulheres da ocupação Carolina Maria de Jesus.

Nascida em setembro de 2017, a ocupação recebeu esse nome em homenagem a uma das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil. A princípio, instalou-se em um prédio na Avenida Afonso Pena, fechado havia cinco anos, e abrigou 200 famílias.

“Foi uma das primeiras ocupações da cidade em que não ocorreu despejo”, orgulha-se Cristina Tolentino. A diretora de teatro revelou que foi sua aproximação com as crianças da comunidade que acabou dando origem ao Mulheres de Luta. “Logo nos primeiros dias da ocupação, fiz com as crianças alguns jogos teatrais, de forma lúdica, e elas não me largaram mais”, relatou.

A brincadeira, segundo Tolentino, gerou a criação da cena Quem vai salvar a ocupação Carolina Maria de Jesus?, título dado pelas próprias crianças. “Elas montaram a peça, cujo enredo abordou desde o momento em que os personagens moravam na rua, passando pelo dia em que encontraram um imóvel abandonado e organizaram a ocupação, passando pela chegada dos policiais para cumprir a ação de despejo e culminando com as ações de resistência”, detalhou a diretora.

Conforme contou a diretora, o grupo de teatro foi formado com as mães dessas crianças. O projeto iniciou-se com a montagem da peça Todas as vozes, todas elas, que será encenada nesta noite durante a programação do Festival de Verão. “No coletivo, elas passaram a trocar experiências, num espaço de escuta e afeto, tendo o teatro como meio de potencializar suas vozes, corpos e lutas. A gente começou sem pretensões, mas causamos grande comoção desde a primeira apresentação. Com o tempo, entendi que essas mulheres, com suas vozes altivas, antes imperceptíveis, demonstravam orgulho de dizer seus nomes e contar suas histórias. Isso toca as pessoas em algum lugar profundo”, relatou Cristina Tolentino.

Saiba mais sobre o espetáculo neste vídeo da TV UFMG:

Enquanto aguardam o término das obras e a regularização de moradias na região do Barreiro, integrantes da ocupação Carolina Maria de Jesus vivem, em sistema de comodato, em um prédio na Rua Rio de Janeiro, 

Com o tema Desaplanando horizontes, o 13º Festival de Verão segue até quinta-feira, 14 de fevereiro. As atividades são realizadas no Centro Cultural, no Espaço do Conhecimento e no Conservatório UFMG.

Matheus Espíndola