Saúde

Em webinar, especialistas da UFMG avaliam seis meses de pandemia

Como as projeções indicam que as vacinas não serão esterilizantes, desafio é construir consensos sobre os ajustes necessários para garantir um retorno planejado, gradual e seguro

Cinco membros do Comitê participaram do webinar
Cinco integrantes do Comitê participaram do webinar Raphaella Dias/UFMG

Seis meses após a suspensão das atividades presenciais por causa da pandemia de covid-19, a UFMG reconhece que algumas atividades, anteriormente fora do rol das essenciais, que não se adaptam à execução remota precisam ser planejadas e receber investimentos adequados para seu retorno planejado e gradual, em cumprimento ao relevante papel social que exercem.

A afirmação foi feita pela professora da Faculdade de Medicina Cristina Alvim, coordenadora do Comitê de Enfrentamento ao Novo Coronavírus da UFMG, durante o webinar Como estamos após seis meses do início da pandemia?, realizado nesta sexta-feira, dia 18. A apresentação foi transmitida pelo canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) no You Tube, onde continua disponível.

“Sabemos que a ciência não pode ser apressada e precisa de tempo para propor soluções, como a vacina contra o novo coronavírus. Portanto, enquanto uma vacina eficaz não chega para toda a população, precisamos manter o compromisso com a vida e com a segurança, com discussões permanentes e abertas e com a divulgação responsável do conhecimento científico, para que sua apropriação pela sociedade torne possível o entendimento para o enfrentamento conjunto da pandemia”, afirmou.

O professor da Faculdade de Medicina Unaí Tupinambás defendeu que as escolas da educação básica sejam consideradas atividades essenciais. Ele citou estudos que mostram que milhares de crianças no Brasil e no mundo são vítimas da violência doméstica e sofrem com a redução do suporte nutricional, de saúde e de amparo oferecido pelas escolas.  

Unaí Tupinambás:
Unaí Tupinambás: "escolas devem ser consideradas atividades essenciais" Raphaella Dias | UFMG

"Apenas uma vacina eficaz, esterilizante, como a do sarampo, por exemplo, seria capaz de conter esta pandemia. Como as projeções indicam que as vacinas em desenvolvimento oferecerão 70% de proteção, mas não serão esterilizantes – o que significa que teremos de conviver com ondas de contaminação pelo Sars-Cov-2 –, então não podemos ficar na caverna, esperando essa vacina. Temos que construir, agora, um consenso sobre as readequações possíveis para um retorno planejado, gradual e seguro", defendeu o infectologista, que integra o comitê de monitoramento do coronavírus instituído pela Prefeitura de Belo Horizonte

Portanto, o "quando retornar", explica Tupinambás, está condicionado à adoção de mecanismos para impedir o avanço da doença na comunidade e nas escolas. Ele apresentou métricas divulgadas pelo CDC [Centers for Disease Control and Prevention, dos EUA), que considera válidas e essenciais para esse planejamento do retorno às atividades presenciais.

Cinco estratégias
Entre elas, o infectologista destacou a capacidade de as escolas implantarem cinco estratégias de mitigação ao contágio da covid-19: uso de máscara, distanciamento social, higiene das mãos e etiqueta respiratória, limpeza de banheiros, onde comprovadamente há grande risco de contágio, e capacidade de rastrear parceiros nos serviços locais. “Acredito que, se todas essas medidas forem implementadas, em associação com os indicadores secundários, já usados pela Prefeitura de Belo Horizonte, como números de novos casos, número de leitos ocupados e ocupação de leitos de CTI, poderemos trabalhar com a perspectiva de risco baixo a moderado no retorno”, afirmou.

Tupinambás também mencionou estudos realizados na Inglaterra e Alemanha que revelam o registro de novos casos, entre jovens com menos de 20 anos e em crianças, abaixo do número de novos casos entre os estudantes que não retornaram às aulas presenciais.  

Unaí Tupinambás também apresentou sugestão, baseada no protocolo de biossegurança proposto pelo Comitê Central da UFMG, para o retorno presencial. "Da experiência com o combate ao HIV, podemos tomar emprestadas as medidas de prevenção não farmacológicas combinadas. No caso da covid-19, a manutenção do distanciamento social, o uso de máscara e higienização das mãos", exemplifica.

Esses protocolos sanitários, reiterou o professor, devem ser estabelecidos desde já, sempre respeitando as individualidades, como resposta imediata para conter novos surtos e definição de um consenso, pelo menos no que diz respeito ao enfrentamento da covid-19, sobre a necessidade de investimentos em educação, saúde e transporte público. "Por isso, a derrubada da Emenda Constitucional 95, que limita investimentos nessas áreas, é fundamental”, defendeu.

Autoavaliação

Enfermeira Catarina Coelho orienta autoavaliação
Catarina Coelho: quatro perguntas fundamentaisRaphaella Dias | UFMG

Para a enfermeira Catarina Coelho, integrante da equipe de direção do Departamento de Assistência à Saúde do Trabalhador (Dast), ao se pensar em retornar às atividades presenciais, a primeira coisa a fazer é saber identificar o que é um caso suspeito da doença, com base nas recomendações das organizações de saúde. Segundo ela, o protocolo de biossegurança da UFMG recomenda o exercício da autoavaliação, baseado em respostas a quatro perguntas fundamentais: no momento, apresento sintomas de covid-19 ou de outra doença infecciosa? Apresentei doença ou sintomas sugestivos de covid-19 há menos de 14 dias? Apresento condição de vulnerabilidade, como idade superior a 60 anos, doença crônica, como cardiopatias, hipertensão, diabetes, gravidez? Alguém de meu convívio teve diagnóstico de covid-19 confirmado há menos de 14 dias?  

Se a resposta for afirmativa para uma das perguntas, a recomendação é de que a pessoa permaneça em casa, protegendo outras pessoas com o isolamento social, usando máscara e fazendo constante higienização das mãos. Ela também deve recorrer aos serviços de saúde caso tenha sintomas mais graves. Se for servidora da UFMG, deve comunicar à chefia imediata, que oficialmente comunicará ao Dast.

A enfermeira enfatizou que essa notificação oficial, conforme orienta o ofício circular 21, de 8 de julho de 2020, é fundamental para que a Universidade tenha dados para monitorar sua comunidade acadêmica.

Segundo Catarina Coelho, o serviço de telemedicina oferecido pelo Sast registrou, de abril até agosto, 389 atendimentos, com registro de 65 casos de covid-19 confirmados. Desses servidores, 75% eram do sexo feminino e 65% estavam acima de 40 anos de idade. A maioria dos casos foi registrada entre os servidores da área de enfermagem, lotados no Hospital das Clínicas.

Notificação
Do levantamento, Catarina destacou algumas "curiosidades”, que, segundo ela, revelam a importância da notificação ao Sast, para que se possa fazer planejamento e acompanhamento adequados dos serviços de saúde.

De acordo com os dados da telemedicina, 66% dos servidores afirmaram ter contato com pacientes ou colegas com casos confirmados, mais de 50% negaram ter tido contato com outras pessoas em casa, e mais de 70% afirmaram ter tomado vacina contra a influenza.

Na perícia médica oficial, que registrou 579 atendimentos, 20% dos afastamentos no período foram por causa de doença respiratória, mas 14% se ausentaram do trabalho em razão de transtornos mental e comportamental. “Esse dado é relevante para planejarmos nossa política de saúde, com foco também na saúde mental, que nos últimos anos tem-se mantido como a segunda causa de afastamentos dos servidores”, observou.

Testes diagnósticos

Flávio Fonseca explicou os tipos de testes e para quem são indicados
Flávio Fonseca explicou os tipos de testes e suas particularidadesRaphaella Dias | UFMG

O professor do ICB Flávio Guimarães da Fonseca, pesquisador do Centro de Tecnologia em Vacinas (CT-Vacinas), reiterou a importância dos testes diagnósticos para o monitoramento da covid-19. Mas ele chamou a atenção para a necessidade de elaborar perguntas adequadas para serem respondidas pelos dois grupos de testes disponíveis.

Segundo Flávio Fonseca, um grupo de testes detecta, pela metodologia PCR, vírus ou partículas virais. Esse modalidade vale-se do método de coleta pelo swab (espécie de cotonete longo que é introduzido na boca e garganta), requer análise em laboratório e cerca de 12 horas para emissão do resultado. Esse tipo de teste responde a perguntas como: Estou infectado? Represento risco para outras pessoas?

O segundo grupo de testes detecta a presença de anticorpos produzidos pelo organismo exposto ao vírus e é importante para o monitoramento de uma comunidade. Os de caráter sorológico, como o Elisa, analisam amostra de sangue do paciente, e o teste rápido tem grande probabilidade de gerar resultados falsos negativos. Eles respondem às perguntas: Já fui contaminado? Estou imune? Estou apto a trabalhar em condições de risco?

O professor destacou ainda a importância de saber para quem o teste é indicado e como testar. Em caso de retorno de atividades presenciais na UFMG, ele afirmou que os sete laboratórios que integraram a rede de diagnóstico dos serviços de saúde de Minas Gerais deverão fazer o monitoramento da comunidade. “Em razão da logística e da própria capacidade de análise, inicialmente apenas as pessoas sintomáticas serão testadas”, ponderou.

 Rede hospitalar

Alexandre Ferreira da Faculdade de Medicina: desafios para rede hospitalar
Alexandre Ferreira, da Faculdade de Medicina: desafios para rede hospitalar Raphaella Dias | UFMG

O professor da Faculdade de Medicina Alexandre Rodrigues Ferreira expôs as ações adotadas pelo Hospital das Clínicas e pela rede hospitalar do SUS, que em pouco tempo se adequaram ao atendimento dos pacientes com covid-19.

Segundo ele, desde abril o desafio posto foi a preparação para a chegada do pico da pandemia, que se deu entre junho e julho. Esse trabalho envolveu desde a separação do fluxo dos pacientes até o cancelamento das consultas e cirurgias eletivas, passando pela aquisição de EPIs, treinamento e remanejamento de equipes e atendimento humanizado dos pacientes e familiares.

A estruturação da rede, segundo o professor, é um processo permanente, necessário para atender à demanda tanto de pacientes com covid-19 quanto de doenças crônicas, urgências e emergências.

Um desafio que também permanece, na avaliação de Alexandre Ferreira, é a defasagem no quadro de servidores, que atingiu 30% no período do pico da curva e atualmente se encontra em 20%, devido a afastamentos causados pela própria doença e pelo pertencimento ao grupo de risco. A revisão semanal de planos de contingenciamento e de protocolos, a realocação e recomposição de equipes, a necessidade de retomar atividades eletivas, inclusive nos ambulatórios, continuam sendo fatores de preocupação.

Quanto ao ensino na área da saúde, o professor afirma que é necessário redimensionar espaços, escalonar equipes, manter educação continuada para prevenção. Estágios em clínica, cirurgia e terapia intensiva e atendimento de pacientes sem uso de máscara –como nas consultas ao otorrinolaringologista – exigem planejamento conjunto com a comunidade para identificar surtos e ajustar rotinas no campo de estágios.

Teresa Sanches