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Estudo da UFMG aponta falhas nas políticas do governo federal no combate à Covid-19

Ausência de coordenação política nas ações de prevenção do contágio é apontada como um dos maiores desafios enfrentados pelo país

Pesquisa do Cedeplar analisou medidas de combate à pandemia tomadas pelo governo federal até 15 de abril
Pesquisa do Cedeplar analisou medidas de combate à pandemia tomadas pelo governo federal até 15 de abril Carolina Antunes/PR / FotosPublicas CC BY-NC 2.0

O presidente Jair Bolsonaro confirmou neste último fim de semana que o governo passou a adotar uma nova sistemática para prestar informações sobre o avanço da pandemia do novo coronavírus no país. Em uma rede social, o presidente informou que "o Ministério da Saúde adequou a divulgação dos dados sobre casos e mortes relacionados à Covid-19." Uma das mudanças é que o boletim diário do ministério, passou a trazer apenas o número de recuperados, novos casos e mortes registrados nas últimas 24 horas. Antes, o quadro apresentava também os números totais, registrados desde o início da pandemia. Outra alteração é que o boletim passou a ser divulgado pelo ministério por volta das 10 da noite. Inicialmente, essa divulgação ocorria às 5 da tarde e que, depois passou para 7 da noite. Essas mudanças foram recebidas com severas críticas. Para muitos especialistas, essa atitude mostra o desejo do governo Bolsonaro maquiar dos números oficiais de Covid-19 no Brasil. 

Várias outras ações do governo federal na luta contra o coronavírus estão sendo questionadas. Um estudo do Cedeplar, Centro de Desenvolvimento e Planejamento, da UFMG, analisou as principais políticas do governo federal adotadas para o enfrentamento ao nova Covid-19 e aponta falhas para conter a transmissão e o achatamento da curva de transmissão. A pesquisa, intitulada “Análise das primeiras respostas políticas do Governo Brasileiro para o enfrentamento da COVID-19 disponíveis no Repositório Global Polimap” mapeou as medidas tomadas pelo governo federal a partir do fim de 2019, quando a China anunciou à Organização Mundial de Saúde a descoberta da nova doença, até o dia 15 de abril. 

Neste período, foram registradas 200 medidas, implementadas pelo governo brasileiro, relacionadas ao combate à pandemia. Segundo a coordenadora do estudo, a professora do departamento de ciências econômicas da UFMG, Fernanda Cimini, esse número é alto, quando comparado aos de outros governos da América Latina. Em entrevista à Rádio UFMG Educativa, a professora apontou que essa quantidade está relacionada a uma falta de assertividade por parte do poder executivo federal em suas políticas: “O governo não busca dar continuidade na regulamentação de muitas políticas relacionadas ao combate à pandemia. Assim, percebemos um grande número de medidas, mas elas não são intensas no seu cumprimento”, defende a pesquisadora. 

O estudo do Cedeplar analisou as medidas de combate à pandemia tomadas em diferentes frentes, com destaque para as políticas de: prevenção do contágio, mitigação dos efeitos sociais e econômicos da crise, e fortalecimento do Sistema de Saúde. Esta última foi uma preocupação do governo com o início dos casos do novo coronavírus no país, como explica a pesquisadora Fernanda Cimini: “No começo da crise o Brasil tinha o sistema de saúde bem consolidado como uma vantagem no enfrentamento da Covid-19, e houve uma série de medidas para expandir esse sistema. O problema é que no momento que você se prepara para uma crise como essa, você também tem que conciliar medidas de contenção do contágio, e isso não ocorreu: a capacidade estava sendo construída sem que houvesse uma prevenção associada”, explicou Cimini. Para a professora, a ausência de ações nesse sentido culminou na crise que vivemos: “O Brasil conseguiu perder a vantagem e se tornar o maior epicentro no mundo, desperdiçamos a oportunidade de controlar essa crise no momento inicial”, lamenta.

A ausência de uma política nacional coordenada para a contenção da transmissão do vírus é apontada pelo estudo como um dos principais desafios enfrentados no governo Bolsonaro. Nesse sentido, a União deixou as medidas de distanciamento social a critério de estados e municípios. Cimini avalia que a autonomia dos governos locais está prevista na constituição, mas o governo federal deveria ter feito mais: “O problema é que o Estado não buscou construir critérios compartilhados com os estados e municípios, deixando a cargo dos gestores locais a tomada de decisão, que envolve um alto custo político”. Cimini explicou à Rádio UFMG Educativa que medidas relacionadas ao distanciamento social enfrentam certa resistência da sociedade, por conta dos efeitos econômicos sentidos pela população, e portanto, sua efetividade depende de respaldo do governo federal.

A professora Fernanda Cimini ressalta que, além de não amparar os gestores locais em relação às medidas de prevenção de contágio do novo coronavírus, o presidente cria disputas e controvérsias nesta questão: “Bolsonaro criou um conflito explícito, ao afirmar, em pronunciamento em cadeia nacional, que os governos que adotaram as políticas recomendadas para contenção do vírus estariam politizando a questão”, aponta a pesquisadora. Segundo Cimini, “esses conflitos dificultam o gerenciamento dessa crise, que já é repleta de incertezas”. 

Falta de transparência também prejudica o combate
Como o recorte da análise foi definido com base nas medidas tomadas pelo governo até o dia 15 de abril, o estudo do Cedeplar não chegou a analisar a recente ação da União em alterar a forma de repasse de informações sobre o novo coronavírus no país. Os pesquisadores seguem acompanhando as medidas tomadas até o presente momento, mas segundo a professora Fernanda Cimini, a falta de transparência do governo no combate à pandemia não é uma novidade. “Desde o primeiro mês da pandemia no país, era perceptível que o sistema de governança e transparência estava muito frágil: não foram criadas políticas que orientassem o compartilhamento de informações, ou comitês de decisões que envolvessem a sociedade civil. As coletivas de imprensa também deixaram de ser informativas. Sempre houve indisposição por parte do governo no sentido de realizar uma gestão mais transparente, o que só piora ao longo do tempo”, afirmou a pesquisadora Fernanda Cimini em entrevista para o programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa.

Ouça a conversa com Luíza Glória

Você pode acessar a “Nota Técnica: Análise das primeiras respostas políticas do Governo Brasileiro para o enfrentamento da COVID-19 disponíveis no Repositório Global Polimap” na íntegra pelo site do Cedeplar.

Produção de Arthur Bugre