Pesquisa e Inovação

Estudo global revela perda de biodiversidade em rios urbanos

Professores do ICB e do IGC participaram da avaliação e sugerem medidas de recuperação

Vista aérea do Rio Negro, na área urbana de Manaus, AM
Vista aérea do Rio Negro, na área urbana de Manaus, no AmazonasTeresa Sanches | UFMG

Os rios urbanos sofrem perda de biodiversidade, em níveis alarmantes, em diversos países. Embora os dados de avaliação biológica disponíveis não sejam suficientes para retratar a realidade de todo o planeta, sabe-se que o risco de extinção de peixes chega a 70% das espécies no Japão e a 42% na Nova Zelândia. 

E o mais preocupante é que os poucos esforços de reabilitação existentes limitam-se, em geral, a um segmento de rio, e os projetos não incluem monitoramento contínuo. Esses fatores são amplificados pela escassez de dados e graves restrições políticas e financeiras.

Essa avaliação é resultado do estudo Avaliação biológica e reabilitação de rios no mundo: uma visão geral, publicado na revista Water e assinado por 29 pesquisadores de 16 países dos seis continentes. Os professores da UFMG Marcos Callisto, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), e Diego Rodrigues Macedo, do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (IGC), integram a equipe liderada pela pesquisadora Maria João Feio, da Universidade de Coimbra.

A soma de esforços entre instituições internacionais resultou nesse levantamento inédito, que, pela primeira vez, analisou conjuntamente os dados de avaliação biológica e dos projetos de reabilitação em vigor em 82 países.

Mapa representa os 82 países do mundo que integram estudo sobre avaliação biológica dos rios
Mapa representa os 82 países do mundo que integram estudo sobre avaliação biológica dos rios Diego Macedo/UFMG

A avaliação biológica de rios, que teve início nos anos de 1990, consiste em abordagem transdisciplinar e transinstitucional para diagnosticar a integridade da saúde de ecossistemas aquáticos. Em alguns países, a avaliação tem base legal e utiliza metodologias padronizadas e bioindicadores de qualidade de água, como a presença de peixes, algas e organismos sensíveis ou resistentes à poluição, como larvas de insetos aquáticos. Estudos realizados em diferentes extensões espaciais somam abordagens geográficas e de engenharia hidráulica, em que são investigados aspectos de uso da terra, integridade de matas ciliares, habitat físico, qualidade de água e vida aquática.

Reabilitação x recuperação
O estudo revela que, nas últimas duas, três décadas, as condições de vida para peixes e invertebrados, como insetos aquáticos, tornaram-se ruins em 50% dos cursos fluviais na Europa, 44% nos Estados Unidos, 25% na Coreia do Sul e 30% na Austrália. Na Nova Zelândia, 42% das espécies de peixes correm risco de extinção, enquanto no Japão o índice de risco já alcança 70% das espécies de peixes.

Segundo o professor Marcos Callisto, outro dado importante revelado pelo levantamento é “que não foram encontrados projetos de completa restauração de rios e riachos, mas um conjunto de ações para reconstruir e recuperar apenas alguns dos aspectos de estrutura, função, diversidade e dinâmica de ecossistemas, insuficientes para corrigir plenamente as severas alterações que vêm sendo impostas à dinâmica ecológica de águas urbanas". Apesar disso, essas medidas de reabilitação são eficientes na melhoria da qualidade ambiental, conforme a experiência internacional.

Desafios transnacionais
Na avaliação do professor Diego Macedo, o cenário é preocupante, uma vez que os desafios – tanto quanto os cursos de muitos rios na América do Sul e na Europa – são transnacionais. Assim, os esforços de recuperação demandam ações conjuntas e unificadas. “É essencial a soma de esforços entre governos e sociedade, com bases legais amplamente discutidas, metodologias únicas e padronizadas e monitoramentos de longo prazo", defende.

Diante de tantos desafios, os pesquisadores recomendam elencar prioridades, que passam pela gestão de políticas e parcerias institucionais: atuação política e pública na definição de necessidades e prioridades ecológicas em um arcabouço de manejo e políticas públicas, financiamentos específicos à implementação de programas de restauração fluvial – coordenados e associados à estrutura governamental e em parceria com universidades e centros de pesquisa para contínuo desenvolvimento e suporte –, definição de objetivos claros (específicos, mensuráveis, com bancos de dados atualizados em tempo real), de longo prazo e factíveis com a realidade e tempo disponíveis nos contextos local e nacional.

“A participação de comunidades ribeirinhas, empresários, escolas e outros segmentos sociais, como no projeto de ciência cidadã em Minas Gerais, é fundamental”, avalia Macedo.  

Marcos Callisto sugere: “A utilização de metodologias padronizadas e atuais, com respaldo científico e base em evidências divulgadas para a sociedade, e de ferramentas biológicas como exigência de lei complementariam o monitoramento de parâmetros abióticos em rios urbanos".

Córrego Nossa Senhora da Piedade, em Belo Horizonte, após saneamento do Programa Drenurbs/Nascentes
Córrego Nossa Senhora da Piedade, em Belo Horizonte, após Programa Drenurbs/Nascentes Diego Macedo | UFMG

Legislação
O estudo apresenta o resultado das análises organizadas em capítulos sobre a Ásia, América Central e do Sul, Europa, América do Norte e Oceania.

Na América do Sul, os pesquisadores destacam programas bem estruturados e de monitoramentos consolidados, apoiados em parâmetros químicos, físicos e microbiológicos, em países como Brasil, Peru e Uruguai.  

No campo da legislação, o Brasil destaca-se, por exemplo, pela Resolução 357/2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), focada em águas para uso humano, uso de organismos aquáticos para avaliar a saúde de corpos d'água e a importância de manutenção da vegetação ribeirinha para proteger a biodiversidade aquática e conservar os serviços ecossistêmicos. 

No plano estadual, a Resolução Normativa Conjunta 1/2008, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais (CERH-MG), estabelece que os ambientes aquáticos devem ser avaliados por indicadores biológicos com a determinação de áreas de referência, métodos de avaliação de bioindicadores, incluindo os grupos de peixes e invertebrados bentônicos (que vivem no fundo ou nos sedimentos de cursos d’água).

Em outros países, as diretrizes legais são bem definidas, mas não há qualquer iniciativa nacional; em outros ainda, como Venezuela, Suriname e Guiana, não há sequer perspectivas de monitoramento.

Saneamento e recuperação das áreas de preservação
Os pesquisadores sugerem que o primeiro passo para os países sul-americanos recuperarem seus rios seria a implantação de saneamento total em bacias urbanas (coleta de esgoto, resíduos sólidos, implantação de drenagem pluvial), como ocorre em cursos d´água urbanos de Belo Horizonte: Baleares, Primeiro de Maio e Nossa Senhora da Piedade, beneficiados pelo Programa Drenurbs, da prefeitura. Eles foram alvo de ações de saneamento e construção de parques lineares em seus entornos. Em relação aos rios em áreas rurais, os especialistas propõem implantação efetiva do Código Florestal, visando à recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs).

O estudo também recomenda monitoramento regular, adoção de programas em longa extensão, de medidas de reabilitação para reduzir espécies invasoras não nativas, de ações de educação ambiental e de conscientização em relação à importância de ecossistemas fluviais e de seus serviços ecossistêmicos, de métodos e padrão de detalhamento de requisitos técnicos para projetos de sucesso, além do exercício de efetiva liderança do poder público no desenvolvimento dessas ações.

Teresa Sanches