Pesquisa e Inovação

Estudo identifica prevalência elevada de dor de dente em vítimas da barragem de Fundão

Tese defendida na Faculdade de Medicina estabelece associação inédita entre a tragédia e a saúde bucal e mental das comunidades afetadas

Estudo associa saúde bucal ao bem-estar geral do indivíduo
Estudo correlaciona saúde bucal à saúde geral do indivíduo Engin Akyurt | Pixabay

O rompimento da barragem de rejeitos da Samarco no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, que completa cinco anos nesta quinta-feira, dia 5, tornou vulnerável a saúde dos atingidos, com relatos de doenças de pele, respiratórias e mentais. Agora, um estudo também indica, como consequência da tragédia, a prevalência elevada de dor de dente entre as vítimas. 

É a primeira vez que um trabalho associa saúde mental, desastres e saúde bucal, usando a dor nos dentes como variável de interesse. “As evidências sugerem uma inter-relação entre saúde bucal, mental e geral. Os indivíduos afetados por desastres são mais propensos a desenvolver distúrbios mentais e doenças bucais. Além disso, estudos anteriores sugerem que a saúde bucal está associada à percepção geral da saúde, autoestima e qualidade de vida", contextualiza a autora do estudo, a pesquisadora e cirurgiã-dentista Paula Mendes.

A conclusão está na tese de doutorado que Paula Mendes defendeu no Programa de Pós-graduação em Neurociências da UFMG, sob a orientação da professora da Faculdade de Medicina Maila de Castro Lourenço Neves, que coordena, com Frederico Duarte Garcia, a Pesquisa sobre a saúde mental das famílias atingidas pelo rompimento da Barragem do Fundão em Mariana (Prismma). Garcia foi coorientador da tese, com a professora Ana Cristina de Oliveira.

“Descobrimos que os atingidos pelo desastre de Mariana apresentavam uma prevalência elevada de dor nos dentes quando comparada com a população geral brasileira. E esse sintoma bucal estava associado com a insatisfação dentária, transtorno de ansiedade generalizada e suporte social”, resume a cirurgiã.

Os dados foram colhidos, em novembro de 2017, de 225 indivíduos, de 18 a 90 anos, afetados ou diretamente expostos ao desastre. Relatos de queixas de dor nos dentes foram correlacionados com as demais variáveis de saúde bucal e mental apresentadas no questionário aplicado. “A dor nos dentes foi encontrada em 17% da população avaliada, porcentagem maior que as médias nacional e regional, incluindo o Sudeste", conta a pesquisadora.

Metodologia
O questionário usado na pesquisa abordou variáveis como características demográficas, histórico médico e tratamentos atuais de doenças clínicas, questões sobre diagnóstico de distúrbios de saúde mental, percepção de suporte social, impacto do evento e avaliação da saúde bucal. Os instrumentos de pesquisa foram previamente validados para a população brasileira e apresentados em linguagem acessível aos entrevistados, considerando seus diferentes níveis de escolaridade.

“A dor nos dentes, independentemente de estar associada à insatisfação com a aparência bucal, do diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada e da satisfação com o suporte social na análise multivariada, foi estatisticamente significativa. Atingidos insatisfeitos com a aparência dos dentes estavam 3,2 vezes mais propensos a apresentar dor nos dentes”, afirma Paula Mendes.

A cirurgiã dentista acrescenta que as pessoas que sobreviveram ao rompimento da barragem e foram diagnosticadas com transtorno de ansiedade generalizada estavam 2,5 vezes mais propensas a apresentar dor nos dentes. E a chance de apresentar dor nos dentes após o desastre aumentou 4% para cada ponto na escala de insatisfação com o suporte social.

Para a recém-doutora, os dados poderiam ser ainda mais contundentes se o estudo tivesse sido feito imediatamente após o rompimento da barragem. Ainda assim, afirma a pesquisadora, o resultado é relevante por comprovar que a assistência tanto em saúde geral quanto odontológica era insatisfatória. “Não deve haver segregação entre saúde geral e saúde bucal, uma vez que a boca faz parte do sujeito. Ele deve ser assistido em sua integralidade”, defende.

O impacto da saúde da boca
A pesquisadora defende a presença do dentista na equipe de suporte das famílias sobreviventes de desastres. Uma cavidade bucal saudável, lembra ela, possibilita que as pessoas comam, durmam, falem e socializem sem sofrimento, desconforto ou constrangimento. “A dor nos dentes é a experiência aguda mais prevalente na região orofacial que afeta os dentes e os tecidos circundantes. Na gestão da saúde bucal após um desastre, a prevalência dessa dor associa-se ao sofrimento após a fase aguda. As doenças bucais são relevantes para a saúde física e mental”, insiste a autora do estudo.

Paula Mendes também defende que estudos longitudinais realizados para auxiliar na avaliação de políticas públicas adotadas em situações emergenciais de desastres incluam a avaliação da saúde bucal. “O acompanhamento humanizado e multidisciplinar do indivíduo atingido por desastres é de fundamental importância para sua qualidade de vida. Nossos dados contribuem para demonstrar a situação de vulnerabilidade dessa população" acredita.

Dentes e pandemia
A pesquisadora acredita que fenômenos de grande impacto como a pandemia de covid-19 podem desencadear sintomas parecidos com os que identificou em sua pesquisa com as comunidades de Mariana. “A pandemia é um estressor coletivo, assim como foi o desastre de Fundão. Dessa forma, é preciso que tanto os psiquiatras quanto os dentistas avaliem a integralidade do sujeito, uma vez que há associação entre dor nos dentes, transtornos de ansiedade e agentes estressores de grandes magnitudes”, reitera Paula Mendes.

Tese: Fatores associados à dor nos dentes dos indivíduos atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão-Mariana-MG
Autora: Paula Carolina Mendes Santos
Programa: Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG
Orientadora: Maila de Castro Lourenço Neves
Coorientadores: Frederico Duarte Garcia e Ana Cristina Borges de Oliveira

Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina