Pesquisa e Inovação

Retinopatia pode indicar gravidade da febre amarela

Pesquisa da Faculdade de Medicina identificou alterações nos olhos associadas à doença

Oclusões microvasculares são as alterações mais comuns entre os pacientes com retinopatia decorrente da febre amarela
Oclusões microvasculares são as alterações mais comuns entre os pacientes com retinopatia decorrente da febre amarela Acervo do Setor de Uveíte do Hospital São Geraldo / HC-UFMG

A coloração bem amarelada da parte branca dos olhos, indicando icterícia, é um dos sintomas da febre amarela, doença infeciosa grave transmitida por mosquitos. Mas, além de uma simples mudança de cor, os olhos podem revelar muito mais sobre essa enfermidade. É o que mostrou pesquisa da Faculdade de Medicina, que identificou e caracterizou alterações na retina associadas à febre amarela, até então desconhecidas, e que podem indicar a gravidade da doença.

Os resultados do estudo, coordenado pelo professor Daniel Vitor Vasconcelos Santos, do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFMG, foram descritos, no mês passado, em periódico da Associação Médica Americana, JAMA Ophthalmology. Devido à sua relevância, o estudo também foi tema de editorial da publicação e de entrevista com o editor-chefe.

Para a pesquisa, foram coletados dados de 94 pacientes com suspeita de febre amarela transferidos do interior de Minas ou da Região Metropolitana para o Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte. A instituição é referência em doenças infeciosas em Minas Gerais e no país. A análise foi feita após dois recentes surtos da doença. Somente de julho de 2017 a junho de 2018, o Ministério da Saúde registrou 1376 casos de febre amarela e 483 mortes.

Os pacientes foram submetidos a avaliação do fundo de olho como parte do exame oftalmológico. De acordo com o professor Daniel Vasconcelos, o exame é relativamente simples, exigindo dilatação das pupilas para observação da retina. Essa delicada membrana de tecido nervoso capta a luz e a transforma em estímulo elétrico, que é transmitido pelo nervo óptico até o cérebro. Do total de pacientes com suspeita da doença, 64 receberam diagnóstico confirmado de febre amarela. “Os outros 30 pacientes em que a enfermidade foi descartada acabaram formando um grupo controle interessante para a pesquisa, possibilitando a comparação dos resultados”, observa o professor.

Professor Daniel Vasconcelos examina paciente que participou do estudo
Professor Daniel Vasconcelos examina paciente que participou do estudo Carol Morena / UFMG

Lesões retinianas
O estudo mostrou que 20% dos pacientes tiveram lesões na retina, caracterizando a chamada retinopatia. “Até aquela época, para nossa surpresa, não havia caracterização sistemática de manifestações oculares relacionadas à febre amarela. Isso nos causava estranheza, uma vez que outras doenças virais transmitidas por mosquitos, como dengue, zika e chikungunya, resultaram em frequentes manifestações oculares”, comenta Vasconcelos.

A maior parte das lesões poupava a parte central da retina, chamada mácula, a mais importante para a visão. Por isso, nenhum dos pacientes relatou sintomas visuais atribuíveis à retinopatia. No entanto, essas lesões estavam associadas a alguns biomarcadores laboratoriais, como número mais baixo de plaquetas, aumento de bilirrubina, creatinina, lactato e até da aspartato aminotransferase, enzima produzida no fígado. Todas estão relacionadas à doença sistêmica mais grave. “Vimos que a presença da retinopatia nos pacientes era indicador da gravidade da febre amarela”, explica o professor Daniel Vitor.

Sintomas
Os primeiros sintomas da febre amarela são febre alta, cansaço, calafrio, dores na cabeça e no corpo, náuseas e vômitos, que geralmente persistem por três a quatro dias. Parte dos pacientes, entretanto, evolui para a forma mais grave da doença, com insuficiências hepática e renal, icterícia e manifestações hemorrágicas. Nos olhos, a pesquisa mostrou que as alterações mais comuns entre os pacientes com retinopatia foram oclusões microvasculares, resultando em infartos da camada de fibras nervosas da retina. Também foram observadas hemorragias superficiais e outras lesões retinianas mais profundas.

“Acredita-se que muitas das complicações viscerais da febre amarela estão relacionadas a uma resposta inflamatória que leva a dano do endotélio dos vasos sanguíneos, causando sua obstrução e isquemia de órgãos vitais”, avalia o professor da Faculdade de Medicina.

De acordo com o professor, o trabalho representa um pontapé inicial para ampliar o entendimento sobre o possível papel dessas alterações oculares como biomarcadores da doença. “A ideia é trazer o oftalmologista para a equipe de cuidado desses pacientes. O exame de fundo de olho é relativamente simples e não invasivo e pode auxiliar a compreender melhor o impacto da doença no organismo. A indicação de doença mais grave, por exemplo, pode orientar o encaminhamento mais rápido do paciente para o tratamento adequado”, conclui Daniel Vítor Vasconcelos.

Karla Scarmigliat / Jornalista da Faculdade de Medicina da UFMG