Coberturas especiais

Legalização e tratamento: ativistas discutem drogas e suas implicações

Relação das mulheres com consumo e tráfico também foi abordada em roda de conversa

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Para os participantes, situação das mulheres e das populações negras, indígenas e trans merece especial atenção 
Foto: Foca Lisboa / UFMG

O debate sobre legalização muitas vezes é desqualificado, principalmente pela mídia, ao ser confundido com a liberação das drogas. O alerta foi dado pelo ativista Domiciano Siqueira, que atua no movimento Redução de Danos em vários estados brasileiros, durante a roda de conversa Resistir e existir, realizada na tarde desta quarta-feira, dia 16, durante a 6ª Semana de Saúde Mental e Inclusão Social da UFMG.

“Não se trata de liberar o comércio em qualquer esquina. A legalização visa a regulamentar a venda, a compra e o transporte das substâncias”, argumentou Domiciano, salientando que o consumo de drogas sempre fez parte do desenvolvimento da sociedade, mas passou a gerar problemas “de 150 anos pra cá, quando começou a ser proibido”.

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Domiciano Siqueira: problemas surgiram com a proibiçãoFoto: Foca Lisboa / UFMG

O tratamento de qualidade, segundo Domiciano, deve ser um direito assegurado ao dependente, e não implica, necessariamente, a imposição imediata da abstinência. “Esse é um grande problema da maioria dos métodos de tratamento. Deve-se ter em mente que a abstinência é o ‘objetivo do tratamento’ e não a ‘porta de entrada’. Buscar o tratamento de qualidade significa discutir esse aspecto”, argumentou.

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Renato Filev: capitalismo estimula uso de drogasFoto: Foca Lisboa / UFMG

Tratamento com maconha
Segundo o biomédico Renato Filev, que também participou da roda de conversa, a terapia com cannabis, testada em experiência com dependentes de crack no âmbito do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), vinculado ao Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foi capaz de reduzir a vontade de consumir a droga. “Dos participantes dessa pesquisa, 68% largaram o crack e todos também abandonaram a maconha após um ano. Outros experimentos ainda serão testados a fim de se demonstrar que a maconha pode ser eficaz, não como droga substitutiva, mas como instrumento para o tratamento”, explicou Renato, que é pós-doutorando em Neurociências.

Uma perspectiva behaviorista, que leve em conta as influências originadas nos modos de vida típicos da sociedade capitalista, deve, em sua opinião, suplantar a “visão reducionista biológica” que atualmente orienta as discussões sobre a dependência química. “Estudos historiográficos apontaram que o recurso às drogas pode ser associado às pressões do livre mercado e do mercantilismo extremo, que caracterizam o hipercapitalismo”, defendeu Renato, que é ativista da Marcha da Maconha.

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Júnia: droga é remédio para muitas mulheres vítimas de violência
Foto: Foca Lisboa / UFMG

Abuso e preconceito
As ruas são o espaço onde muitas mulheres, oprimidas e abusadas desde seus primeiros anos de vida, buscam viver com liberdade e autonomia. Mas lá também encontram regras severas e violência, tanto de companheiros quanto da polícia. “Com repercussões psicológicas devastadoras que tiveram início ainda na fase infantil e na adolescência, essas mulheres encontram na droga a única fonte de prazer e o remédio para suas dores”, comentou a ativista Júnia Vanessa Costa, do Consultório de Rua e do Coletivo Maria Fumaça. “Nesse contexto, o tráfico passa a ser sua mais viável possibilidade de trabalho”, completou.

Segundo a ativista, que atua como enfermeira de rua em locais de Belo Horizonte frequentados por usuários de drogas (como a Pedreira Prado Lopes e o viaduto do bairro Lagoinha), são frequentes, nesses locais, casos de estupros e outros tipos de humilhação. “É necessário que se criem políticas de proteção e desenvolvimento de autoestima para essas mulheres. Isso passa pelo crescimento feminino na política; hoje, os assuntos de interesse das mulheres são decididos sem participação delas”, avaliou.

'Eliminação dos corpos'
No caso das populações negras e indígenas e dos transexuais, é ainda mais grave a ameaça de sofrimento e o comprometimento da dignidade humana. “A ‘eliminação dos corpos considerados anormais’ é uma triste característica da formação da nossa nação”, disse o professor Rodrigo Ednilson, pró-reitor adjunto de Assuntos Estudantis da UFMG.

Decorrente do que chamou de "racismo estrutural", a "distribuição assimétrica de vantagens e desvantagens", segundo Rodrigo Ednilson, tem impacto na sensação de pertencimento daquelas minorias e orienta ações dos sujeitos, gerando violência. “As imagens dos corpos, que aparecem como ‘perigosos’, muitas vezes vão direcionar a expedição de mandados de prisão preventiva. Para aquelas populações, infelizmente, não há como existir sem resistir”, analisou o professor.

A programação da Semana segue até sábado (19).

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Rodrigo Ednilson: distribuição assimétrica de vantagensFoto: Foca Lisboa / UFMG

Matheus Espíndola