Pesquisa e Inovação

Livro analisa participação brasileira em projeto editorial para a América Latina

Editora mexicana Fondo de Cultura Económica publicou obras de áreas diversas nas décadas de 1930 e 40; Luciano Mendes, da FaE, mostra como esse movimento se articulou

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. Divulgação | Paco Editorial

Cyro dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Caio Prado Júnior e Mario de Andrade aparecem juntos em qualquer lista de nomes fundamentais da literatura e da produção intelectual brasileira. E se reúnem também nas iniciativas da editora mexicana Fondo de Cultura Económica (FCE), que é, desde o início do século passado, uma das mais importantes do mundo. Eles e muitos outros foram protagonistas de projeto abrigado na editora, nos anos 1940 e 1950, cujo propósito foi promover a integração latino-americana por meio da edição, do livro e da formação do leitor.

História e análise desse projeto são oferecidas em Uma brasiliana para a América Hispânica – A editora Fundo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira (décadas de 1940/50), livro do professor Luciano Mendes de Faria Filho, da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG, recém-lançado pela Paco Editorial. No trabalho, Luciano dá vazão a seu interesse pela história da edição e pelas sociabilidades e redes de sociabilidades intelectuais, nesse caso engajadas em um projeto político e cultural.

Primeiro pesquisador brasileiro a ter acesso ao conjunto de obras da FCE e a toda a correspondência trocada entre editores, autores e mediadores do projeto, Luciano Mendes explica que a iniciativa tirou partido da confluência das demandas da editora e do interesse dos autores daqui em mostrar sua produção. “Houve uma relação intensa vinculada à publicação dos brasileiros. Nossos autores passaram a conhecer a FCE, o que os tornou mais receptivos às suas edições, ao mesmo tempo que passaram a ser publicados na América Latina. Esse movimento também abriu o mercado de livros no Brasil para os latino-americanos”, explica o pesquisador, acrescentando que ser publicado pela editora mexicana sempre teve enorme valor simbólico, assim como ter livros dela na biblioteca.

Luciano Mendes:
Luciano Mendes: acesso franqueado aos acervos da editoraAcervo pessoal

Uma brasiliana para a América Hispânica... dedica atenção especial às duas coleções mais importantes de que participaram os escritores e intelectuais brasileiros. A Biblioteca americana reuniu dezenas de obras de autores do século 17 ao século 20, e pela Tierra firme foram publicados autores então vivos. “Não se tratava de mera reunião de obras, as escolhas eram orientadas pela ideia de debates consistentes”, conta Luciano Mendes. Ele diz que acabou indo ao prelo apenas uma fração pequena dos livros que estavam nos planos da FCE. “Mas foram obras importantes. Algumas foram publicadas no México e no Brasil; outras, embora encomendadas pela editora, foram lançadas só aqui, como foi o caso de Formação econômica do Brasil, do Caio Prado”, completa Mendes.

Livros e correspondência
O professor da FaE esteve na Cidade do México em 2018, para um semestre de  docência, estudos e pesquisas na Universidad Pedagógica Nacional (UPN). Seu objetivo era identificar e analisar representações do Brasil nos livros didáticos mexicanos da primeira metade do século 20. Em sua estada na UPN, dada a proximidade entre as sedes da universidade e da editora, Luciano retomou seu interesse pela participação da Fondo de Cultura Económica – e de autores brasileiros – num grande esforço em prol da integração latino-americana. “A biblioteca da editora tem todos os livros publicados, e o arquivo também é completo. A correspondência me foi franqueada, e tive acesso a todo o debate que permeou a construção do projeto e a seleção das obras”, conta Luciano Mendes. Ele completou a pesquisa nos arquivos do Itamaraty, no Rio de Janeiro, o que foi crucial para compreender o papel da diplomacia brasileira, que financiou edições e distribuía livros de autores daqui para os países da América de língua espanhola.

Em 1942, foi publicado o primeiro livro de autor brasileiro pela FCE, como parte do projeto de integração: Sociología de la educación, de Fernando Azevedo (1894–1974), um dos expoentes do movimento Escola Nova. A partir dali, integraram-se ao catálogo da editora mexicana obras como Apresentação da poesia brasileira, de Manuel Bandeira, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Foram publicados também, entre outros, Lucia Miguel Pereira, crítica literária e biógrafa de Machado de Assis, o sociólogo Gilberto Freyre e o escritor mineiro Cyro dos Anjos. Astrojildo Pereira, um dos principais intelectuais de esquerda da primeira metade do século 20, teve papel fundamental na mediação entre a intelectualidade brasileira e a editora mexicana.

Obra de Fernando Azevedo foi a primeira de autor brasileiro
Obra de Fernando Azevedo foi a primeira de autor brasileiro Divulgação | FCE

Ao longo dos oito capítulos do seu livro, Luciano Mendes de Faria Filho aborda a fundação da editora, em 1934, o projeto de sua expansão cultural, política e comercial para a América Latina, a tradução e publicação de livros brasileiros, as principais coleções e o conjunto de obras beneficiadas pelo investimento do Estado brasileiro, como parte de política de divulgação da história, do pensamento e da cultura do país.

A investigação empreendida pelo professor e pesquisador da UFMG, que não estava planejada, integra-se perfeitamente à sua trajetória. “Essa pesquisa alargou as perspectivas dos estudos que tenho feito, como o que culminou no livro Edição e sociabilidades intelectuais, da Editora UFMG, sobre a publicação das obras completas de Ruy Barbosa no período de 1930 a 1949. Nessa fase, descobri os intelectuais que se envolviam com edição. O tema das redes e sociabilidades intelectuais está entre minhas principais preocupações ao longo da última década”, diz Luciano Mendes.


Livro: Uma brasiliana para a América Hispânica – A editora Fundo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira (décadas de 1940/50)
Autor: Luciano Mendes de Faria Filho
Editora: Paco Editorial
481 páginas | R$ 56,61 (no site da editora)

Itamar Rigueira Jr.