Pesquisa e Inovação

Luiz Costa Lima: ‘Informação é socializada por redes que estimulam a mediocridade'

Principal teórico da literatura brasileiro em atividade chega a Belo Horizonte para falar em colóquio sobre mito, modernidade e religião

Luiz Costa Lima: no atual momento político, universidades devem ser 'bastião da resistência'
No atual momento político, universidades devem ser 'bastião da resistência', defende Luiz Costa LimaFoto: ©Bel Pedrosa

O crítico literário Luiz Costa Lima, considerado o mais importante teórico da literatura em atividade no Brasil, está em Belo Horizonte para participar, nesta segunda-feira, 20, de colóquio sobre o tema Mito, modernidade e religião, organizado pela UFMG e PUC Minas (leia mais aqui). Em entrevista ao Portal UFMG, o intelectual falou sobre a atual conjuntura política e artística do país e adiantou aspectos de sua comunicação. 

Professor emérito da PUC-Rio, Costa Lima lamenta a ausência de uma efetiva esfera pública de debates no país e acusa as grandes redes mediáticas de estimular a mediocridade, instrumentalizando a socialização da informação. “Fora da resistência, não há lugar para o crítico ou interessado em questões não imediatamente pragmáticas”, afirma o teórico, para quem a instituição universitária deve se comportar como “bastião da resistência” diante dessa conjuntura. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, realizada por e-mail.

A sua participação no colóquio terá o tema “mito, entre antigos e modernos”. De que o senhor vai tratar especificamente?
Do ponto de vista das disciplinas estabelecidas, o mito é objeto de estudo na antropologia e nos estudos clássicos. Outro ponto de vista consiste em ver o mito interdisciplinarmente, ou seja, como objeto que não se esgota no exame das disciplinas. O mito, tanto na antropologia como nos estudos clássicos, pode ser visto como algo em constante metamorfose, em interminável transformação – o que não o impede, na antropologia, de ser o instrumento para o estabelecimento de uma função social. Já interdisciplinarmente, esse seu caráter metamórfico ou dá lugar a desenvolvimentos não previstos pelas disciplinas acima mencionadas, ou vem ao mundo contemporâneo. Duas possibilidades então se abrem: ou o mito se torna o meio para o embuste, a ser consagrado sobretudo pela TV (e o melhor exemplo seria a cobertura feita de nosso momento político pela Rede Globo), ou dá lugar ao estudo da ficção literária. Na impossibilidade de uma explicação mais demorada, digamos que a ficção tem como raiz o “como se”.

Em um primeiro momento da modernidade, atravessados pela perspectiva positivista, acreditamos ser possível e profícuo superar os mitos; em um segundo momento, descobrimos a ingenuidade dessa ideia e então sugerimos nos abrir novamente a eles. Qual o lugar do mito (e também das religiões) no mundo de hoje? E qual é o lugar do saber? Onde eles se imbricam?
O desenvolvimento da resposta anterior já tocou nessa resposta. Contemporaneamente, ou o mito é o meio discursivo por excelência para a socialização do embuste, ou supõe algo contra nossa tradição positivista, a saber, o desenvolvimento do que se entende por ficção, que encontra pouco apoio no contexto das disciplinas ensinadas no curso de Letras.

Qual sua opinião sobre o recente imbróglio político-artístico em que o Brasil se meteu após o cancelamento da exposição Queermuseu, em Porto Alegre, em setembro? Como o senhor vê a relação entre arte e política na contemporaneidade?
Política e arte. Por um lado, cortar a dimensão política das artes corresponde a uma amputação – chamada, tecnicamente, de estetização. Por outro lado, sem o desenvolvimento da ideia de ficção, as próprias artes se tornam submissas ao gosto do mercado. Ou seja, advogar o desdobramento da questão do ficcional é uma atitude política.

Quais suas impressões sobre a poesia contemporânea brasileira? Que particularidades a distinguem – se é que é possível demarcá-las – em relação à poesia brasileira produzida no século 20?
Ante a quase absoluta ausência de suplementos [literários, culturais] e a facilidade de impressão, há tamanha avalanche de (pequenos) livros de poesia que não creio que haja alguém que conheça tudo que se tem publicado. Ao menos, eu não sou esse entendido. Sumariamente, diria que a grande maioria do que tenho lido corresponde à exploração do coloquial que, entre nós, encontrou seu auge na década de 1970. Vejo essa exploração tornar-se mais mediocrizante, como todo o ambiente intelectual, no presente milênio. Entretanto, como mostram algumas resenhas que republiquei no livro Mímesis e arredores, lançado neste ano, há poetas que se destacam. Nenhum, entretanto, chega ao nível do concretista, que continua atuante, Augusto de Campos.

Essa baixa qualidade é consequência de um problema estrutural...
Chamo a atenção para o seguinte ponto: ao passo que pequenas editoras lançam (ou são pagas para lançar) inúmeros livros de poesia, não só a herança da vanguarda concreta não encontra continuidade, como nossa rede mediática sequer noticia que Augusto de Campos recebeu recentemente um prêmio internacional de poesia, em Budapeste [Janus Pannonius, de 2017, considerado um dos principais reconhecimentos internacionais a poetas vivos]. Tudo isso, assim dito toscamente, mostra como se cava entre nós um abismo entre a produção intelectual – não só poética como ensaística – de qualidade e sua divulgação. Assim, se esta entrevista tiver sentido, será menos no destaque deste ou daquele poeta novo do que na observação de que a desgraça política que vivemos é paralela ao que se passa no campo da produção intelectual – ainda que esse fenômeno não seja propriedade dos tempos de agora.

Correndo o risco de estar pedindo que um teórico faça predições, em vez de teoria: quais caminhos a literatura brasileira tende a percorrer nas primeiras décadas do século 21? É possível apontar tendências, suspeitar propensões, acusar riscos?
O risco da previsão é grande e há de ser evitado. Mas confesso-lhe: ou nos depararemos com uma enorme descontinuidade, ou caminharemos para uma sociedade dividida entre uma margem crescente de analfabetos e outra não menos crescente de alfabetizados inalfabetos.

Que lugar ocupa o crítico literário no Brasil de hoje, um país que segue lendo pouca literatura e, ao que parece, cada vez mais notícias de jornal, textos de internet e mensagens de celular?
A pergunta traz consigo sua resposta. Fora da resistência contra o clima que vivemos, não há lugar para o crítico ou o interessado em questões não imediatamente pragmáticas.

Que fatores têm influenciado essa aparente renúncia ao pensamento que se radicaliza no Brasil? Como combatê-la? Por um lado, a nossa esfera pública de debate foi-se perdendo gradativamente no decorrer da segunda metade do século 20; por outro, em certa medida, algum tipo de “debate” voltou a ocorrer com ímpeto no trânsito entre os mundos virtual e real, após junho de 2013. É possível que, nessa vereda, o Brasil caminhe para se tornar um país diferente daquele que se revelou em oposição ao pensamento intelectual, à reflexão, ao empenho de energias no trabalho com a teoria?
A resposta positiva, mas distante de concretização, seria mesmo o incremento da esfera pública de debates. Mas como tê-la, se a socialização da informação está nas mãos das redes mediáticas que estimulam a própria mediocridade? Não cabe justamente às universidades ser o bastião da resistência? Como gostaria que o sopro de ânimo que você mostra no final de sua pergunta fosse verdadeiro. Esperemos que seja. Não me demoro na resposta porque creio que nosso empenho, no momento, deva ser em favor do próprio incremento do espaço público. Quem sabe se, na discussão, depois da fala, possamos concretizar o que não cabe aqui?

Que caminho o senhor indicaria ao estudante de letras interessado em entrar em contato com o seu postulado teórico sobre a mímesis? Por quais obras ou textos começar? Mímesis e arredores, o seu último livro sobre o assunto, seria aquele que ataca mais diretamente o aspecto estritamente teórico da questão? Em sua opinião, há um itinerário ideal?
Não, não há itinerário ideal. Mímesis e arredores contém meus ensaios mais agudos sobre a questão. Acrescento: o ostracismo da questão da mímesis está longe de ser reservado aos trópicos. Diria até: o fato de sermos uma sociedade periférica talvez favoreça que questões “esquecidas” ou tratadas insuficientemente lá fora sejam aqui tratadas com a atenção desejada. Como não gosto de autobiografismos, muito menos de atenção sobre mim mesmo, apenas acrescento que o referido livro supõe uma longa trajetória, começada ainda em 1980, com Mímesis: desafio ao pensamento.

Ewerton Martins Ribeiro