Internacional

Mesa do SciBioSus discute relação entre saberes tradicionais e biodiversidade

Evento internacional com foco em sustentabilidade termina nesta quarta-feira, 7 de junho

Da esquerda para a direita, Tânia Alves, Eduardo Neves, Karenina Andrade e Elionice Conceição
Da esquerda para a direita, Tânia Alves, Eduardo Neves, Karenina Andrade e Elionice Conceição Foto: Raphaella Dias | UFMG

Os mestres de saberes tradicionais têm ocupado os espaços abertos pela academia nos últimos anos não por precisarem de sua validação, mas por entenderem que as políticas públicas, no Brasil, são pautadas pelas discussões que ocorrem no meio acadêmico. Essa é a avaliação da mestra Elionice Conceição Sacramento, uma das componentes da mesa Biodiversidade, cultura e conhecimento tradicional, realizada na tarde dessa terça-feira, 6 de junho, em atividade do 2° Congresso internacional de ciência, biodiversidade e sustentabilidade (SciBioSus), realizada no CAD 3, campus Pampulha.

Natural do quilombo pesqueiro Conceição de Salinas, na Bahia, Elionice Conceição destacou que esse espaço, localizado no encontro das águas da Bahia de Todos os Santos com o Rio Paraguaçu, “região muito rica, justifica muito da nossa luta e defesa do nosso território, do nosso modo de vida e da nossa tradição”. Nessa tradição, segundo ela, é preciso reconhecer os múltiplos saberes envolvidos na atividade pesqueira. “Conhecemos o tipo de pescado pelo balançar das águas, conhecemos de tempo e de vento, entendemos de conjuntura como poucas pessoas, porque para se lançar ao mar, você precisa entender muito de conjuntura. A pesca é uma atividade pautada em um conhecimento tradicional e ancestral muito grande”, detalhou.

Elionice Conceição: tradição milenar de conhecimento
Elionice Conceição: tradição milenar de conhecimento Foto: Raphaella Dias | UFMG

Elionice Conceição também destacou, em sua apresentação, quem são os pescadores e as pescadoras do Brasil. “Esse grupo é formado, em sua grande maioria, pelas populações negra e indígena. Somos um povo de tradição milenar e, se a gente olhar para a história do Brasil, com uma tradição de mais de 500 anos. A sociedade brasileira gosta de comer pescado: o que seria, por exemplo, da culinária da Bahia se não fosse a nossa produção? O que seria da moqueca baiana se não fosse nosso trabalho? E é uma produção que você não precisa plantar, que você não precisa regar. Só é preciso estabelecer uma relação respeitosa com a natureza”, refletiu.

Acerca de todo esse conhecimento tradicional, Elionice Conceição lamentou a falta de reconhecimento, pela ciência, dos saberes envolvidos na atividade pesqueira. “Todo esse conhecimento não é reconhecido pela ciência, ou, mais, não é reconhecido como ciência. E a atividade que nós desenvolvemos também é considerada atividade de segunda ou terceira categoria, fruto de uma sociedade que tem um modelo de reconhecimento de ciência que nos nega”, pontuou. “Eu percebo como é complicado para os intelectuais da academia trabalhar com esses conhecimentos tradicionais. Mas, para a gente, dos territórios, também há um desconforto muito grande com todo esse processo. Hoje, a gente até reconhece a importância da academia, porque a política pública se pauta por ela, então a gente reconhece a importância de ocupar o espaço da academia e temos feito isso a fim de estabelecer alianças estratégicas”, completou.

Conhecimento indígena 
A mesa, que contou com mediação do pró-reitor adjunto de Pós-graduação da UFMG, Eduardo Soares Neves Silva, teve também participação da professora Karenina Vieira Andrade, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG. A antropóloga apresentou um panorama do conhecimento tradicional de povos originários, ancorado em dados da exposição exposição Mundos indígenas, em cartaz no Espaço do Conhecimento UFMG. 

Em exibição desde dezembro de 2019, a mostra une os olhares de curadoras e curadores indígenas dos povos Yanomami, Ye’kwana, Xakriabá, Tikmῦ’ῦn (Maxakali) e Pataxoop. Segundo a pesquisadora, ao ser definida pelo olhar indígena, a mostra carrega o conceito de não tradução, pensando nos riscos de uma tradução inadequada desses olhares. Para ela, é possível perceber, em todas as perspectivas, a defesa de que é possível, ao ser humano, “coexistir em harmonia” com a biodiversidade. 

Diálogos na área da saúde
Completou a mesa a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz Tânia Maria de Almeida Alves, que fez uma breve apresentação sobre as relações estabelecidas por pesquisadores da entidade com seres detentores de conhecimentos tradicionais. Tânia Alves também elencou livros e outras publicações na área da saúde que unem a ciência feita na academia à ciência produzida por mestres dos povos negros e indígenas.

Tânia Alves aproveitou o momento para, em consonância com os demais componentes da mesa, defender a necessidade de “descolonizar as metodologias” adotadas pela academia. Segundo ela, a “organização eurocêntrica” que guia os fazeres das universidades e instituições de ensino, adotada inclusive na organização do congresso e das mesas, “deve ser questionada a todo momento.”

Programação e encerramento
A programação do SciBioSus prossegue ao longo desta quarta-feira, 7 de junho, com atividades no CAD 3. O último dia do evento também conta com apresentação cultural, às 12h30, na Praça de Serviços, que recebe show da Geraes Big Band

Às 14h30, ocorrerá a premiação dos melhores pôsteres e apresentações orais do evento. A cerimônia de encerramento terá início às 15h30, também no CAD 3. Outras informações sobre o SciBioSus podem ser consultados no site do congresso.

Hugo Rafael