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Morre a professora Marília Ottoni Pereira, do Departamento de Química

Primeira mulher brasileira a pesquisar a química de produtos naturais e síntese orgânica, ela inovou o ensino na área e foi a primeira coordenadora do programa de pós-graduação

O Departamento de  Química do Instituto de Ciências Exatas da UFMG se despediu hoje de uma de suas pioneiras: a professora Marília Ottoni da Silva Pereira, 88 anos, carinhosamente conhecida como dona Marília. A primeira mulher brasileira a pesquisar a química de produtos naturais e a síntese orgânica e uma das primeiras químicas brasileiras a produzir pesquisa nos Estados Unidos, Marília trouxe de lá inovações importantes para o ensino da química orgânica. Foi ainda uma das fundadoras e a primeira coordenadora do Programa de Pós-graduação em Química da UFMG.

Durante a cerimônia de outorga do título de professora emérita para sua colega de departamento, Heloiza Schor. Na foto, com o professor Cláudio Donnici
Marília Ottoni com o colega Claudio Donnici, durante a cerimônia em que Heloiza Schor recebeu o título de professora eméritaArquivo pessoal

O chefe do Departamento de Química, professor Rubén Dario Sinisterra, destaca "o espírito  aguerrido, o comprometimento institucional e a preocupação com a excelência acadêmica” da professora Marília, bem como seu papel no desenvolvimento da química orgânica na Universidade.

Marília Ottoni Pereira vinculou-se ao Departamento de Química quando ele ainda era atrelado à Faculdade de Filosofia, com sede na rua Carangola. No final da década de 1950, quando ainda era raro que as mulheres fizessem estágio em outros países, passou uma temporada nos Estados Unidos, que resultou na implantação de novas metodologias de ensino de química após seu retorno à UFMG. 

Na década seguinte, juntamente com o professor Herbert Magalhães, seu companheiro de departamento, foi responsável por trazer Otto Gottlieb para atuar como professor visitante da UFMG – Marília chegou a hospedá-lo em sua casa, devido à escassez de recursos à época. O químico Otto Richard Gottlieb, tcheco de origem judaica e naturalizado brasileiro, foi indicado para o Nobel de Química em 1999, por estudos sobre a estrutura química das plantas, que possibilitam analisar o estado de preservação de ecossistemas.

A vinda de Otto Gottlieb incentivou a implantação, na UFMG, da pesquisa em produtos naturais, tema sobre o qual Marília Ottoni Pereira conduziu seu doutorado. Na década de 1970, com a criação da Fundação de Desenvolvimento à Pesquisa (Fundep), ela tornou-se uma das coordenadoras de convênio com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) que foi crucial para a consolidação da pesquisa no Departamento de Química. 

Fazendo alusão ao mineiro Guimarães Rosa, a sua orientadora e a colegas de departamento, Dorila Piló Veloso escreveu: “‘As pessoas não morrem, ficam encantadas'. Então o encanto de Marília Ottoni, nossa querida mestra e mulher pioneira na pesquisa em Química de Produtos Naturais e em Síntese Orgânica, agora permanecerá para sempre calado em nós”. O texto de homenagem e despedida do Departamento de Química pode ser conferido, na íntegra, abaixo.

Marília Ottoni foi casada com o professor do Departamento de Bioquímica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) Aníbal Antônio da Silva Pereira, já falecido. Era mãe de Rodrigo, Taciana, Juliana e Melânia, também já falecida.

Homenagem
"A UFMG e particularmente o Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas lamentam hoje a perda da professora Marília Ottoni da Silva Pereira. Dona Marília, como era carinhosamente chamada. A pedido da Chefia do Departamento, a professora Dorila Piló Veloso escreveu o texto a seguir para relembrarmos seu trabalho e sua vida.

As pessoas não morrem, ficam encantadas. Então, o encanto de Marília Ottoni, nossa querida mestra e mulher pioneira na pesquisa em Química de Produtos Naturais e na Síntese Orgânica, agora permanecerá para sempre calado em nós. Como minha orientadora no doutorado e eterna amiga, sempre foi meu espelho de vida na academia.

Arrojada e visionária, foi das primeiras brasileiras a fazer pesquisa nos EUA, de onde trouxe grandes novidades para o ensino da Química Orgânica na UFMG. Assim que retornou, implantou novas metodologias no ensino e foi, juntamente com Herbert Magalhães, responsável pela vinda de Otto Gottlieb, como Professor Visitante, ao Departamento de Química, ainda na Faculdade de Filosofia, na rua Carangola. 

Frente às dificuldades da época, ainda o hospedava em sua casa, nas vindas quinzenais do professor a BH. Assim, implantando a pesquisa em Produtos Naturais na UFMG, Marília, com sua energia e tenacidade, fez seu doutorado com o professor Otto e, concomitantemente, batalhou para a criação da pós-graduação no DQ, sendo sua primeira coordenadora. 

Quando o professor José Israel Vargas implantou a Fundep na UFMG, ela era uma das coordenadoras do convênio com a Finep, base para a consolidação da pesquisa no nosso DQ.

Na época do PADCT, batalhou, juntamente com Eucler Paniago, para trazer recursos para nossa pesquisa, sendo coordenadora do Programa Nacional de Espectrometria de Massas, o qual  nos propiciou consolidar nossos serviços nessa área.

Com seu jeito animado e visionário, foi também grande incentivadora de Fernando Carazza na implantação da Carboquímica no DQ, dando lhe imenso apoio científico nos projetos desenvolvidos com a Acesita.

Sua história se mescla com o desenvolvimento da pesquisa e a grande qualidade do ensino da Química Orgânica na UFMG.

Além de todas as qualidades acadêmicas, era afável e generosa. Cuidava carinhosamente de nossas ajudantes de laboratório, em especial, nossa D. Elza , coordenando o mutirão da construção de sua moradia.

Gostava muito de reunir as pessoas e a família. Sempre, juntamente com as professoras Romilda Racquel Soares da Silva e Yeda Sander Mansur, comandava jantares de confraternização do DQ, para nossa alegria. Ainda, frequentemente, promovia almoços e reuniões em sua residência, recebendo a todos com o maior carinho.

Viveu intensamente sua caminhada entre nós.

Olhando para seu passado, percebo que tive o privilégio de participar de várias de suas etapas e sinto imensa gratidão à vida por essa convivência. Ela viverá para sempre impregnada na essência do DQ.'

O Departamento de Química comunica à UFMG essa perda dolorosa, leva à família enlutada seus mais profundos sentimentos, ao mesmo tempo que celebra a vida digna e profícua de Dona Marília e agradece o inestimável trabalho que ela realizou aqui."