Pesquisa e Inovação

Mutação genética de origem africana predispõe mulheres à obesidade

Grupo da UFMG investigou variante em 6,4 mil indivíduos, inclusive homens, e observou que estes não têm seu IMC afetado pelo fenômeno

O IMC (Índice de Massa Corporal) é uma ferramenta usada para detectar casos de obesidade ou desnutrição, principalmente em estudos que envolvem grandes populações. Seu cálculo é obtido  usando a seguinte fórmula matemática: Peso ÷ (altura x altura)
O IMC (Índice de Massa Corporal), que pode revelar casos de obesidade ou desnutrição, é usado principalmente em estudos que envolvem grandes populações; seu cálculo é obtido pela seguinte fórmula: peso ÷ (altura x altura) Wilson Dias | Agência Brasil

Segundo os resultados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE, realizada em 2019, aumentou a prevalência do sobrepeso e da obesidade em adultos brasileiros. De acordo com os dados coletados, 96 milhões de pessoas, o equivalente a 60,3% da população adulta no Brasil, apresentam Índice de Massa Corporal (IMC) maior que 25, o que equivale ao chamado sobrepeso. A obesidade, representada por IMC maior que 30, atinge 22,8% dos homens e 30,2% das mulheres que vivem no país. Esses dados são preocupantes, uma vez que a condição pode estar relacionada à maior predisposição a doenças cardiovasculares e a outros problemas de saúde. 

Para entender melhor como a obesidade se manifesta nos brasileiros, um grupo de pesquisadores da UFMG acaba de publicar o artigo Admixture/fine-mapping in Brazilians reveals a West African associated potential regulatory variant (rs114066381) with a strong female-specific effect on body mass- and fat mass-indexes. No trabalho, o grupo liderado pelo professor Eduardo Tarazona Santos, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), decidiu investigar os genomas dos brasileiros miscigenados que têm predisposição à obesidade. “Como o genoma brasileiro é um mosaico de fragmentos de origens africanas, indígenas e europeias, decidimos explorar os genomas para entender se algumas de suas partes poderiam estar associadas à obesidade”, conta.

As amostras analisadas foram coletadas em 6.487 indivíduos dos municípios de Salvador, na Bahia, Bambuí, em Minas Gerais, e Pelotas, no Rio Grande do Sul, por meio do Projeto Epidemiologia Genômica de Coortes Brasileiras, o Epigen-Brasil, maior iniciativa em genômica populacional e epidemiologia genética da América Latina. Ao analisar as amostras, o grupo da UFMG encontrou uma variante genética de origem africana que contribui para um aumento considerável do IMC. Chamada de rs114066381, a variante foi observada em homens e mulheres adultos miscigenados. Ficou constatado que ela só apresenta efeito no índice de massa corporal das mulheres.

“Essa mutação é uma das que mais influencia o índice de massa corporal entre as mais de 200 atualmente conhecidas. Como a maior parte das variantes genéticas que favorecem a obesidade foram descobertas em indivíduos de origem europeia, que já são os mais estudados pelos cientistas, é muito relevante a descoberta de uma variante africana presente em nossa população”, diz Tarazona.

Segundo o professor, o estudo gerou algumas descobertas inesperadas. A primeira refere-se ao fato de que a variante genética mais presente em fragmentos dos indivíduos de origem africana foi encontrada inicialmente no Sul do Brasil, região que apresenta mulheres miscigenadas, mas predominantemente europeias. “A população do sul do Brasil estudada tem uma contribuição europeia de aproximadamente 70%, mas, mesmo assim, o gene africano aparece por lá, ou seja, os brancos brasileiros de origem europeia têm esses pedaços do genoma africano. Isso mostra que mesmo esses indivíduos podem fornecer informações importantes sobre a genética de doenças nas populações africanas ou naquelas miscigenadas com populações africanas", argumenta Tarazona.

Eduardo Tarazona: estudos genômicos não devem ficar restritos às comunidades europeias
Eduardo Tarazona: estudos genômicos não devem ficar restritos às comunidades europeias Arquivo pessoal

O segundo fator de destaque da pesquisa, segundo o professor do ICB, refere-se ao fato de que a variante genética descoberta atua somente em mulheres adultas miscigenadas. “Isso pode ter relação com a evolução biológica das mulheres, uma vez que já são conhecidas outras variantes genéticas que fazem as mulheres acumular mais gordura que os homens. Apesar de sabermos que a obesidade está relacionada à alimentação e aos hábitos das pessoas, já são conhecidas mais de 200 variantes genéticas que influenciam na predisposição genética para obesidade. Por isso, o fator genético precisa ser levado em conta na formulação de políticas públicas que visam combater a obesidade.”

Caçadores de genes
Os geneticistas que se dedicam à identificação de genes que podem ser associados às doenças costumam ser chamados de gene-hunters (caçadores de genes). A descoberta da variante africana da obesidade foi feita por meio do mapeamento por miscigenação. “Inicialmente, descobrimos a origem africana, europeia ou indígena de cada fragmento do genoma de cada pessoa. Depois, observamos que algumas regiões do genoma, como uma do cromossomo 13, tendiam a ser africanas nas mulheres mais obesas. Na última etapa dos estudos, investigamos as variantes genéticas que estavam nesses pedacinhos africanos”, explica a pesquisadora Marília Scliar. 

No artigo, o grupo mostra que a variante rs114066381 tem frequência de aproximadamente 1% na população geral, mas entre as mulheres com obesidade mórbida (o maior nível de obesidade) do Sul e Sudeste do Brasil ela chega a 10%. Segundo Scliar, a descoberta ressalta a importância de estudos sobre populações não europeias. “Grande parte dos estudos genômicos mundiais ocorre em populações europeias, o que é muito restritivo. É importante que tenhamos descoberto uma variante de origem africana com grande efeito sobre a obesidade em populações não muito estudadas.”

Marília Scliar salienta ainda que a sequência de passos da pesquisa desenvolvida pelo grupo favorecerá o estudo de outras doenças associadas aos genomas. “O passo a passo que criamos pode ser usado em pesquisas sobre como diversas variantes genéticas predispõem os indivíduos a um número grande de doenças”, conclui a pesquisadora.

Infográfico elaborado pelo grupo de pesquisa exemplifica a miscigenação do genoma brasileiro
Esquema elaborado pelo grupo de pesquisa exemplifica a miscigenação do genoma brasileiro Divulgação

Parcerias
O estudo liderado pelos pesquisadores da UFMG integra o trabalho de grupos de 22 instituições, 11 brasileiras e 11 de Estados Unidos, Peru, África do Sul, Gana e Austrália. Houve ainda uma parceria com grupo da Universidade de São Paulo (USP), liderado pelas professoras Mayana Zatz e Yeda Duarte, que acabavam de fazer o sequenciamento completo de 1,2 mil genomas de idosas de São Paulo do estudo SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento), o que possibilitou replicar o resultado obtido no estudo inicial.

O Projeto Epidemiologia Genômica de Coortes Brasileiras (Epigen-Brasil), financiado pelo Ministério de Saúde, investiga como a miscigenação e a ancestralidade dos brasileiros influenciam a epidemiologia de várias doenças, como a hipertensão e a asma, por exemplo. Os estudos incluem a epidemiologia genômica de três das principais coortes brasileiras: Salvador, coordenada pelo professor Mauricio Barreto, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Bambuí, coordenada pela professora Maria Fernanda Lima-Costa, do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas), e Pelotas, coordenada pelo professor Bernardo Horta, da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel).

Artigo: Admixture/fine-mapping in Brazilians reveals a West African associated potential regulatory variant (rs114066381) with a strong female-specific effect on body mass- and fat mass-indexes
Publicação: International Journal of Obesity, em 26 de fevereiro de 2021; leia.

Luana Macieira