Pesquisa e Inovação

Novo método identifica substâncias psicoativas de forma rápida e barata

Grupo da Química atua em parceria com as polícias Federal e Civil; UFMG depositou pedido de patente para processo que foca nas NBOHs, da classe das feniletilaminas

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Teste de identificação preliminar leva meia hora e custa 20 centavos de realAcervo da pesquisa

Dez novas drogas sintéticas ilegais surgem a cada semana, no mundo. O objetivo do tráfico de entorpecentes, ao imprimir ritmo frenético à elaboração de novas substâncias psicoativas, é burlar a lei, contando com a demora das autoridades em identificar essas drogas e atualizar a legislação que proíbe seu comércio e seu uso. Essa situação exige também que as forças policiais estejam preparadas para testar as substâncias de forma ágil e provar crimes relacionados a elas.

Uma invenção de pesquisadores do Departamento de Química da UFMG vai contribuir para o trabalho da Polícia Federal e das Polícias Civis, no Brasil. Eles desenvolveram um método que identifica e quantifica rapidamente e a custo muito baixo as NBOHs, substâncias da classe das feniletilaminas, alucinógenos que são comercializados na forma de selos, como o LSD, mas têm maior potencial de levar o usuário à morte. A grande vantagem desse método é que ele pode ser usado por policiais em campo, no momento da apreensão da droga, o que possibilita caracterizar o flagrante e deter imediatamente os suspeitos. O pedido de patente já foi depositado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG (CTIT).

Clésia Nascentes: valor judicial para o flagrante
Clésia Nascentes: valor judicial para o flagrante Foca Lisboa | UFMG

“Como não existiam métodos colorimétricos para essa classe de substâncias, a identificação das NBOHs depende ainda de análise instrumental, em procedimentos sofisticados, caros e muito mais demorados. Laboratórios e equipamentos com essa finalidade existem, em geral, apenas nas capitais, e o novo método vai dar mais eficácia ao trabalho de policiais em regiões com menor infraestrutura”, explica a professora Clésia Cristina Nascentes, uma das coordenadoras dos estudos, ao lado do professor Ângelo de Fátima. Ela acrescenta que o processo, de caráter presuntivo, é válido judicialmente para o flagrante, mas deve ser combinado à análise por meio de técnicas instrumentais para confirmação e produção de prova definitiva, segundo normas internacionais.

Roxo, em 30 minutos
O processo é simples e utiliza, como solvente, metanol ou etanol. O procedimento consiste em extrair a substância investigada do selo com o solvente, agitar e depositar algumas gotas da solução resultante numa placa. Adiciona-se então o reagente colorimétrico, e, se após 30 minutos, a mistura apresentar a cor roxa, está feita a confirmação preliminar da presença de uma NBOH. Segundo os pesquisadores, o custo estimado de cada teste é de 20 centavos de real.

Ângelo de Fátima:
Ângelo de Fátima: programa no celularAcervo pessoal

De acordo com os pesquisadores, as NBOHs são uma variação das NBOMes, resultado da retirada da metila. Essas últimas foram incluídas na lista de substâncias proscritas pela Anvisa em 2014; as NBOHs, em 2018.

As NBOHs têm alta atividade serotoninérgica, ou seja, são estimulantes e alucinógenas, e surgiram recentemente como alternativa legal às drogas recreativas já proscritas pelos órgãos responsáveis, como a dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e as NBOMes. Isso é preocupante, informam os pesquisadores, já que os efeitos farmacológicos e a toxicidade dessas substâncias são muito pouco conhecidos. “Essa classe de substâncias pode ser caracterizada incorretamente por meio de cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa (CG-EM), devido a processos de degradação nas amostras, o que pode prejudicar a credibilidade dos relatórios de análise”, informa Ângelo de Fátima.

O objetivo, em curto ou médio prazo, é agregar ao processo um aplicativo para smartphone capaz de submeter a cor resultante à comparação em um banco de dados de referência. Os professores da UFMG lembram que a noção de cor tem algo de pessoal, e esse dispositivo eliminaria o caráter de subjetividade da avaliação das amostras em campo e nas delegacias.

Contribuição de graduando
A pesquisa que resultou no processo de identificação rápida das feniletilaminas teve participação ainda de Marcelo Queiroz, então integrante de programa de Iniciação Científica – e que recém-ingressou no Programa de Pós-graduação em Química –, Leonardo Silva Neto, pós-doutorando, e Wellington Alves de Barros, aluno de mestrado. Os dois primeiros têm seus nomes incluídos no pedido de patente – Wellington não chegou a participar da parte final dos estudos, que conduziu ao teste colorimétrico.

Marcelo Queiroz: ideia do estudante deu origem ao estudo
Marcelo Queiroz, então graduando, teve papel importanteAcervo pessoal

Clésia Nascentes e Ângelo de Fátima ressaltam que o novo método foi elaborado com contribuição fundamental de Marcelo Queiroz. “Testamos muitos reagentes, mas não quaisquer moléculas, isso não é aleatório. A escolha dos reagentes colorimétricos para os experimentos foi baseada no conhecimento de química orgânica, das reações e dos mecanismos que as regem. É, portanto, uma estratégia fortemente apoiada na ciência básica”, Ângelo enfatiza.

Ciências forenses
Desde 2008, Clésia Nascentes pesquisa temas relacionados à área forense, em colaboração com a Polícia Civil de Minas Gerais. Em 2014, um edital da Capes passou a apoiar pesquisas nas ciências forenses, e um dos objetivos era alocar recursos para o esforço de combate às novas drogas sintéticas, sobretudo por meio da elaboração de testes rápidos. “Outro importante marco foi a criação, em 2017, da Rede Mineira de Ciências Forenses, que é financiada pela Fapemig e possibilita estudos em áreas como química, genética e computação – sempre aplicadas às necessidades de investigação policial”, conta a professora, que coordena a Rede.

A iniciativa formaliza a colaboração entre o meio acadêmico e as polícias, salienta o perito criminal Washington Xavier, vinculado à Polícia Civil de Minas. “Temos muitas dificuldades relacionadas ao exame preliminar das NBOMes e das NBOHs, e o método inventado na UFMG será de grande valia para a identificação segura dessas últimas”, diz o perito. “A Rede Mineira vai nos ajudar a acompanhar mais de perto a evolução das drogas psicoativas sintéticas, do ponto de vista da investigação e da criminalização dos traficantes.” A Rede é formada pelas Polícias Federal e Civil de Minas Gerais, pela UFMG e pelas universidades federais de Uberlândia, de Viçosa, de São João del-Rei, Lavras e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Washington Xavier é subcoordenador da Rede.

O grupo da UFMG considera a possibilidade de a indústria se interessar pela produção de kits para a aplicação do processo de identificação e quantificação rápida das NBOHs, visando aos mercados nacional e global.

Itamar Rigueira Jr.