Arte e Cultura

‘Teatro é tentativa de criar experiências coletivas’, define Grace Passô

Em conferência do Festival de Inverno, atriz disserta sobre a importância da interação com o público e outros aspectos da interpretação

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Para Grace Passô, o ator deve afetar e ser afetado por seus espectadores
Foto: Foca Lisboa / UFMG

Ao forjar uma narrativa detalhada da premiada peça Vaga Carne, de sua autoria, a diretora, dramaturga e atriz Grace Passô intentou transmitir ao público do Festival de Inverno várias das nuances que compõem o universo da interpretação teatral. Em conferência realizada na noite desta terça-feira, 24, no Conservatório UFMG, ela definiu o teatro como “uma metáfora da vida”, na medida em que o ator, em cena, cumpre a “incansável tarefa de afetar e ser afetado”. “O teatro representa a tentativa de criar experiências coletivas. Para isso, o artista utiliza técnicas e estratégias que levam em conta a mobilização da presença dos atores e do público”, comenta.

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Grace Passô: teatro é lugar de se viver experiênciasFoto: Foca Lisboa / UFMG

Reproduzir no palco, de maneira muito sutil, ritmos e gestos detectados nas pessoas da plateia é uma das ferramentas, segundo Grace Passô, usadas para explicitar para o público a importância de seus corpos no ato teatral. “Não se trata apenas de um lugar para ver, mas também para viver experiências”, pontua. Em uma das cenas descritas pela atriz, ela toca e chega a sustentar o próprio corpo sobre um dos espectadores. “É um meio de alternar o foco do espetáculo. O que está em evidência pode ser a cena, o lugar ou o olhar do público”, observa. A artista revela que um de seus desejos constantes é minar a noção de que o teatro é “algo de mármore, ou seja, para poucos”.

Nesse sentido, Grace Passô salienta que em torno dos grupos de teatro costumam ser criadas comunidades, por indivíduos que acompanham o trabalho. “Ao longo das apresentações, é muito comum identificar determinados códigos que já estão desenvolvidos sobre uma peça criada anos atrás”, observa. A atriz relatou que, desde seus primeiros trabalhos, tem buscado transportar para os textos e para a cena alguns desses códigos que, normalmente, ficam despercebidos. “Somos permeados por sinais que estruturam nosso encontro. Uma de minhas obsessões é colocar o público cada vez mais distante da passividade.”

Relação com a escrita
“Adoro ver poetas declamando seus textos; é como ter acesso a um segredo”, introduziu Grace Passô, sobre a maneira com a qual a intimidade dos autores é remontada nas obras. Tal aspecto, segundo ela, diz muito sobre sua própria relação com a escrita. “Comecei a escrever porque me sentia distante dos personagens que interpretava. Muitas coisas eram difíceis de representar, pois não faziam parte do meu universo simbólico, desde o figurino até as falas”, relembra.

Ao dramatizar um texto de autoria própria, segundo a artista, é favorecida a simbolização de seu imaginário na cena. “Passar a escrever me ajudou a entender essa relação entre texto e fala. Ao falar o próprio texto, os processos de apropriação das palavras e a realização da imagem para o outro são otimizados", aponta.

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Grace Passô entende que a escrita é um retrato da intimidade do autor
Foto: Foca Lisboa / UFMG

O espetáculo Vaga Carne foi agraciado como melhor texto do ano nos prêmios Shell e Cesgranrio, em 2016. O enredo acompanha uma voz errante que invade o corpo de uma mulher à procura de significados. Num jogo performático de palavras, são evocados vários raciocínios sobre estereótipos e pertencimento.

Grace Passô também atua nas peças Krum e Preto, ambas da Companhia Brasileira de Teatro, e em espetáculos do Espanca!, grupo mineiro que fundou e no qual permaneceu por dez anos. É autora de seis de peças teatrais e publicou textos em francês, espanhol, mandarim, inglês e polonês.

A programação do Festival de Inverno da UFMG segue até 28 de julho.

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O público da conferência foi composto principalmente de atores e aspirantes ao teatroFoto: Foca Lisboa / UFMG

Matheus Espíndola