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Políticas de ações afirmativas mudaram perfil de cursos de graduação

Tese defendida na FaE avalia efeitos do Sisu e da Lei de Cotas no acesso à Universidade

Bréscia Nonato trabalhou com dados de 2012 e 2016
Bréscia Nonato trabalhou com dados de 2012 e 2016 Júlia Duarte / UFMG

Os efeitos do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e da Lei de Cotas variam entre os cursos, de acordo com seu prestígio social, conclui a pedagoga Bréscia Nonato, em tese de doutorado defendida neste ano na Faculdade de Educação. Um dos aspectos analisados no trabalho foi o perfil de alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Direito e Pedagogia da UFMG, antes e depois da adesão ao Sisu e da implementação da Lei Federal 12.711, que estabeleceu a política de cotas.

Segundo a pesquisadora, na UFMG, a Lei de Cotas tem ­tornado menos desigual o acesso aos diferentes cursos e alterado significativamente a configuração dos mais seletivos, como Medicina: “Mesmo com um perfil de estudante ainda muito diferente daquele encontrado na Enfermagem, por exemplo, o de Medicina está mais heterogêneo, se analisado pelos critérios sociorraciais”, comenta. Além disso, acrescenta a pesquisadora, percebe-se também uma migração de estudantes de origem social mais elevada para cursos historicamente menos elitizados, como é o caso das licenciaturas.

Movimento semelhante ocorreu no Direito e, em menor medida, na Pedagogia, na relação entre os cursos diurno e noturno. “Podemos dizer que, entre os aprovados, existe um movimento de estudantes de padrão socioeconômico mais elevado para cursos considerados de menor prestígio social”, analisa. Sua hipótese é que, com a Lei de Cotas, candidatos de nível mais elevado começaram a ter mais dificuldades para ingressar nos cursos mais seletivos e de maior status social e, por isso, passaram a disputar vagas nas formações menos concorridas e de menor prestígio, “restringindo a possibilidade de candidatos de níveis social e escolar mais baixos”, acrescenta a pesquisadora, que é editora-chefe da Revista Docência no Ensino Superior, da UFMG.

Questionários
Bréscia Nonato trabalhou com dados de 2012 e 2016 – último ano antes do Sisu, ainda sob a vigência do bônus, e primeiro ano após a implementação dos 50% de cotas, respectivamente. Ela utilizou informações recolhidas pela UFMG no ato de matrícula e em questionário próprio aplicado a 1.156 ingressantes nesses mesmos anos, dos quatro cursos avaliados.

A pesquisadora ressalta a relevância das cotas e do próprio Sisu para a democratização do acesso ao ensino superior, mas afirma que ambas as políticas precisam ser aperfeiçoadas para viabilizar uma maior inclusão social. Professora da rede pública municipal de Belo Horizonte, Bréscia comenta que as cotas têm concepção muito diferente do bônus, política de ação afirmativa adotada pela UFMG de 2009 a 2012 que concedia acréscimo na nota de estudantes de escolas públicas segundo critérios previamente estabelecidos.

A autora comenta que, antes das cotas, o bônus propiciou mudanças significativas no perfil dos estudantes de alguns cursos, sobretudo nos menos seletivos. “É válido o argumento de que o bônus já tinha suprido parte relevante das desigualdades nesses cursos. Por isso, provavelmente, na análise comparativa dos anos 2012 e 2016, a mudança de perfil geral do estudante da UFMG  não tenha sido tão expressiva”, argumenta.

Entre cursos
De acordo com a pesquisadora, o curso de Direito diurno se tornou mais acessível a estudantes provenientes de escolas ­públicas, essencialmente as federais, efeito que parece advir, em grande medida, da Lei de Cotas. “O Direito noturno, que já recebia grande número de estudantes de escolas públicas, sofreu uma elitização do perfil do público atendido, provavelmente devido ao Sisu”, afirma.

No curso de Pedagogia, foram observadas alterações no perfil etário, aumento da proporção do número de estudantes homens e significativa ampliação do percentual de estudantes graduados em outros cursos superiores. “Todos esses pontos precisariam ser observados em pesquisas futuras, para sua melhor compreensão”, defende.
Na comparação entre os cotistas de Direito e de Pedagogia, as diferenças ficaram ainda maiores. Bréscia Nonato observou que os estudantes de Pedagogia – cotistas e de ampla concorrência – “apresentaram características sociorraciais de grupos vulneráveis que, comumente, acumulam desvantagens nas relações sociais: mulheres, negras e de baixa renda”. 

Segundo a pesquisadora, nos cursos de Direito e Medicina, os estudantes cotistas tendem a ter o perfil sociofamiliar e escolar diferente daquele característico de seus grupos sociais de origem – muitos frequentaram escolas públicas de melhor qualidade, apresentaram melhor condição socioeconômica, e seus pais concluíram o curso superior. “Isso reforça a necessidade de ampliação de vagas e de políticas de ações afirmativas em alguns cursos”, argumenta a doutora.

Bréscia Nonato explica que seu trabalho integrou conjunto de estudos sobre educação superior desenvolvido na UFMG, com financiamento da Fapemig, que gerou vários artigos, outra tese – sobre acesso ao curso de Medicina – e duas dissertações: uma abordou a presença de mulheres nas ciências exatas, e a outra tratou da demanda por cursos de licenciatura no âmbito do Sisu.

TeseLei de Cotas e Sisu: análise dos processos de escolha dos cursos superiores e do perfil dos estudantes da UFMG antes e após as mudanças na forma de acesso às instituições federais
Autora: Bréscia Nonato
Orientador: Cláudio Marques Martins Nogueira
Defesa: junho de 2018

Ana Rita Araújo / Boletim 2042