Pesquisa e Inovação

Professor do DCC cria método para garantir integridade e sigilo à urna eletrônica

Sistema baseia-se em fórmula matemática de verificação dos resultados eleitorais; criptografia provê transparência e publicidade ao processo

fabb
Sistema híbrido é defendido há duas décadas por Jeroen van de Graaf: combinação de velocidade e segurança
Edilson Rodrigues | Agência Senado

Tema que vem provocando debates no cenário político brasileiro nos últimos anos, a segurança da urna eletrônica brasileira é alvo de estudos do professor Jeroen van de Graaf, do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, há pelo menos duas décadas. Em parceria com pesquisadores de instituições do Chile e de Luxemburgo, ele acaba de desenvolver um processo capaz, segundo ele, de garantir integridade, anonimato e transparência em eleições e consultas afins. O método combina voto eletrônico com a impressão em cédula de papel.

A patente da inovação foi depositada pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG. “Há 20 anos, comecei a propor sistemas híbridos: o computador provê velocidade ao processo, e a cédula de papel garante a segurança”, argumenta van de Graaf. Seu método é fundamentado nos princípios das verificabilidades individual e universal e da impossibilidade de rastreamento. Os demais autores da patente são os pesquisadores Alejandro Hevia, da Universidade do Chile, Rui Filipe Lopes Joaquim e Peter Ryan, da Universidade de Luxemburgo.

Voto, impressão e documentação
Sob a orientação de van de Graaf, o mestrando Gabriel Gaspar, do Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação, está desenvolvendo uma aplicação para o método adaptada para o contexto brasileiro. Sua pesquisa trata de um sistema de votação que assegura a integridade dos resultados por meio da verificação de uma equação matemática específica, ao mesmo tempo que resguarda o sigilo do voto individual.

A proposta inclui uma impressora acoplada à máquina de votação. Ela imprime uma cédula de papel, dividida em três partes destacáveis. A primeira carrega um código de segurança, na forma de QRCode, que deve ser separado e depositado em urna própria. A segunda parte contém o voto legível, sem identificação, a ser depositado em outra urna. O último fragmento da cédula contém um recibo, também em QRCode, que fica de posse do eleitor.

Como explica Gabriel Gaspar, o registro legível impresso possibilita ao eleitor certificar-se de que o sistema gerou o voto conforme sua escolha – algo que o atual sistema do TSE não assegura. “O código de segurança, por sua vez, é usado na equação matemática de verificação da integridade, ao mesmo tempo que protege o sigilo do voto. Já o recibo é a garantia de que o voto foi incluído na totalização final”, completa.

De acordo com a proposta, após o término da votação, as urnas convencionais são abertas, e os votos de cada seção eleitoral, contabilizados. Os resultados são publicados no website da Justiça Eleitoral juntamente com as imagens dos recibos escaneados. Assim, o eleitor, ao acessar a página, pode verificar se seu recibo está listado. “Caso não identifique seu comprovante, o eleitor tem uma prova de que seu voto foi indevidamente excluído da totalização”, explica Gabriel Gaspar.

Os dados são públicos, ou seja, qualquer pessoa, a qualquer momento, pode conferir se houve adulteração, recorrendo à relação entre os recibos individuais, os códigos de segurança e os votos individuais registrados. Na avaliação de Gabriel Gaspar, o sistema brasileiro poderia, “com relativa facilidade”, embutir as garantias criptográficas do novo método ao seu processo eleitoral. 

Jeroen
Jeroen van der Graaf: sistema ideal para eleições para cargos com grande número de candidatosFoca Lisboa | UFMG

O professor Jeroen van der Graaf salienta que o método é aplicável em documentos com e sem restrições de formato, trocas de mensagens, licitações, publicações anônimas de documentos, entre outras possibilidades. O sistema seria ideal, também, para casos em que há grande número de candidatos por cargo, algo comum no Brasil, por exemplo, em eleições para assembleias legislativas e câmaras de vereadores e deputados. "Isso porque a codificação dos candidatos é possível com apenas um ciframento, o que confere agilidade à criptografia. Na configuração atual, em que os candidatos são codificados com muitos algarismos, a criptografia não é factível", diferencia.

O mito da urna
Em 2018, Jeroen van de Graaf lançou o livro O mito da urna, em que indica falhas do sistema de votação eletrônica, apresenta alternativas e revela que a opção brasileira é considerada ultrapassada em diversos países – ao contrário do que costuma ser divulgado. “A afirmação de que o sistema adotado no Brasil é invejado no resto do mundo serve apenas para consumo doméstico. Na verdade, inexiste um diálogo aberto e racional entre o TSE e a sociedade sobre a segurança do processo eleitoral”, enfatiza o professor, que participou, na semana passada, de audiência pública na Câmara dos Deputados sobre cédulas físicas para plebiscitos.

Como explica Gabriel Gaspar, o sistema criado na UFMG usa protocolos e esquemas criptográficos amplamente reconhecidos e estudados, sem recorrer ao conceito de "segurança por obscuridade" – que, segundo ele, “é lugar comum nas plataformas atuais do TSE”.

“Tal possibilidade representa ganho imenso para a sociedade. Além de ser dotado de muitas características desejáveis, o sistema possibilita ao cidadão verificar a lisura do processo eleitoral, mesmo que ele não tenha conhecimento técnico avançado ou acesso privilegiado a informações”, observa Gaspar.

Matheus Espíndola