Pesquisa e Inovação

Três professores da UFMG farão pesquisas com apoio do Instituto Serrapilheira

Angélica Vieira e Danilo Neves, do ICB, e Fabrício Caxito, do IGC, receberão R$ 100 mil para testarem hipóteses durante um ano

Danilo Neves:
Danilo Neves, na Reserva Biológica de Una (BA): banco de dados sem precedentesArquivo do pesquisador

Os professores e pesquisadores Angélica Thomaz Vieira, Danilo Neves, ambos do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), e Fabrício Caxito, do Instituto de Geociências (IGC), tiveram projetos selecionados e contarão com apoio financeiro do Instituto Serrapilheira. Eles receberão R$ 100 mil, cada, para testarem hipóteses de pesquisa durante um ano.

Angélica, Danilo e Caxito estão entre 23 jovens pesquisadores contemplados, em universidades brasileiras, nas áreas de ciências da vida, geociências, ciência da computação, matemática, física e química. Ao final de um ano, sete deles serão incentivados a dar sequência a suas investigações, contando com mais R$ 1 milhão, cada. Essa é a terceira chamada pública de apoio à ciência lançada pelo Serrapilheira. O professor Alexandre Birbrair pesquisa ambientes tumorais com recursos da primeira chamada do instituto Serrapilheira.

Segundo o Serrapilheira, o processo de seleção privilegiou pesquisadores com perguntas ambiciosas sobre questões fundamentais da ciência, ainda que os projetos envolvessem estratégias de risco. Os selecionados terão acesso a treinamentos, eventos de integração e iniciativas de colaboração, tendo sempre em vista os valores da ciência aberta e da diversidade. Os revisores são cientistas atuantes em diversos países.

Montanhas e vida complexa
A relação entre cadeias de montanhas e o aparecimento de vida complexa na Terra é o foco do projeto do professor Fabrício Caxito selecionado pelo Instituto Serrapilheira. Ele parte do fato de que a primeira grande cadeia – formada pela colisão entre os paleocontinentes que formam hoje a África e a América do Sul – surgiu entre 565 e 510 milhões de anos atrás, mesma época do aparecimento de fósseis que indicam o surgimento de animais complexos nos mares adjacentes a essas bacias sedimentares.

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Caxito, com alunos: épocas coincidentes Acervo do pesquisador

O projeto Mobile (Mountain belts and the inception of complex life on Earth) vai testar a hipótese de influência das cadeias de montanhas no surgimento de formas complexas de vida por meio do exame de três sistemas de feedback: entrega de quantidade sem precedentes de bionutrientes aos oceanos devido à exumação e erosão de grandes volumes de rocha nas áreas de alto relevo; modulação do clima, uma vez que a erosão consome CO2 e teria levado ao resfriamento global e à maior solubilidade de O2 na atmosfera; soterramento de sedimentos contendo carbono orgânico, causando aumento dos níveis atmosféricos de O2.

“Uma cadeia do porte dos Himalaias, formada pela colisão da Índia com a Ásia, existiu nesse período entre o Brasil central e o noroeste da África, e seu soerguimento pode ter tido grande influência no clima, na química e na vida do planeta de então”, afirma Fabrício Caxito, que é vinculado ao Departamento de Geologia do IGC.

Diversidade de plantas
Com o projeto Evolução de nicho em biomas tropicais e suas consequências, o professor Danilo Neves, do Departamento de Botânica do ICB, espera contribuir para aprofundamento dos estudos e do debate sobre os padrões de diversidade de espécies de plantas e os processos que os criaram.

Segundo ele, estudos recentes mostram que espécies filogeneticamente próximas (espécies irmãs) tendem a reter características ecológicas ancestrais e ocupam os mesmos tipos de ambientes. “O conservadorismo filogenético de nicho tem sido observado em grupos de plantas de ambientes semiáridos, como a caatinga. E isso acontece menos em ambientes de clima mais ameno. Esses resultados conflitantes derivam de poucos estudos”, diz Danilo Neves.

A proposta inicial é de criar um banco de dados sem precedentes sobre a composição de espécies nos diversos ecossistemas terrestres na América do Sul, coletar amostras em campo e extrair DNA dessas espécies para gerar árvores filogenéticas que representem relações de parentesco. “O objetivo é quantificar as taxas de evolução de nicho e avaliar como os processos evolutivos influenciam a origem dos padrões de diversidade em ecossistemas tropicais”, informa Neves, acrescentando que os resultados da pesquisa terão implicações diretas sobre estratégias de conservação. “Se for constatada forte influência do conservadorismo filogenético de nicho nos padrões de diversidade, será indício de que maior degradação de um ecossistema representa grande perda de diversidade, porque grupos inteiros de plantas são exclusivos de determinados ecossistemas.”

Angélica:
Angélica: disseminação dos genesAcervo pessoal

Bactérias resistentes
Vinculada ao Departamento de Bioquímica e Microbiologia do ICB, Angélica Vieira parte da hipótese de que alterações na microbiota intestinal contribuem para a seleção e disseminação de bactérias resistentes a antibióticos. Esses microrganismos são responsáveis por infecções hospitalares, mas podem se transformar, em algumas décadas, em causa de morte mais prevalente que o câncer.

“O desequilíbrio da flora é causa de doenças inflamatórias intestinais e neurológicas, entre outras. Acredito que ele pode estar associado também à disseminação dos genes resistentes, já que as bactérias têm a capacidade de transmitir seus genes umas às outras”, explica a pesquisadora. “Vamos induzir a disbiose [desequilíbrio] em camundongos, por meio de dieta pobre em fibras. Os animais serão, então, infectados com bactérias não resistentes que causam pneumonia, e vamos observar se elas se tornam resistentes.”

Angélica Vieira pretende investir os recursos do Serrapilheira em insumos e na contratação do sequenciamento genético, por exemplo. Vencedora, em 2018, do Prêmio Para Mulheres na Ciência, concedido por L’Oreal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências, ela tem defendido também que a má alimentação exerce papel crucial na geração do desequilíbrio da microbiota intestinal. “Acreditava-se que a ameaça das bactérias resistentes a antibióticos estaria neutralizada quando se conseguisse impedir o uso indiscriminado desses medicamentos. Esse uso foi controlado, mas o problema só tem aumentado”, comenta a pesquisadora.

Itamar Rigueira Jr. / Com Instituto Serrapilheira