Institucional

Universidade pode articular vozes emancipatórias, diz João Antonio de Paula

Conferência abriu ciclo de seminários 'Tempos presentes'

Reitora observa João Antonio de Paula, em de ciclo de palestras
Reitora Sandra Almeida e o professor João Antonio de Paula, na abertura do cicloFoca Lisboa / UFMG

Em meio à crise que alcança diversas dimensões da vida social, a universidade tem responsabilidades acrescidas, devido a uma singularidade que a caracteriza: das instituições que têm como objetivo pensar, é aquela que mais livremente pode fazê-lo, afirmou o professor João Antonio de Paula em palestra inaugural do ciclo de conferências e seminários Tempos presentes, na noite desta quarta-feira, 27.

Ao falar das ameaças que pesam hoje sobre a universidade no Brasil, ele destacou a importância de valorizar esse patrimônio, abrindo uma discussão que mostre um pouco de sua história “digna, honrada e altiva”. Apesar da consciência de que há grandes desafios postos à instituição no processo de construção democrática, e de que o tema “tem uma espessura e um tamanho absolutamente inesgotáveis”, João Antonio encerrou suas considerações com otimismo, valendo-se das palavras de Aníbal Machado em Telegrama ao futuro: “De ti esperamos um mundo melhor e te saudamos confiantes”.

Reitora Sandra Goulart Almeida:
Sandra Goulart Almeida: papel propositivoFoca Lisboa / UFMG

A reitora Sandra Regina Goulart Almeida também se mostrou esperançosa e afirmou que “o futuro depende de cada um de nós”. Segundo ela, o ciclo tem o objetivo de promover reflexões sobre o tempo presente, com foco também no futuro. “Vivemos momentos incertos, com muitas disputas de narrativas, e cabe à universidade esse papel propositivo”.

No próximo dia 11, o ciclo Templos presentes trará à UFMG o reitor da Universidade Federal da Bahia, João Carlos Salles, para tratar de perspectivas de atuação da universidade pública.

Crise de lucratividade
O professor do Departamento de Economia explicou que a crise “profunda, extensa e de proporções inéditas” vivida hoje no mundo, e não apenas no Brasil, é estrutural e sistêmica do capitalismo, o que ocorre quando cai a taxa de lucro. “Na tentativa de superá-la, o capital lança mão de um conjunto de mecanismos, que agravam vários aspectos da vida social”, ensina.

Segundo João Antonio de Paula, são fenômenos que “aparecem como spots, piscando aqui e ali”, mas não são aleatórios nem isolados: deslocamentos forçados de populações, xenofobia, regressão democrática, retirada de direitos sociais, informalização e precarização do trabalho, concentração de renda, de riqueza e de patrimônio e destruição ambiental.

A reação é possível, acredita ele, apesar da crise que também afeta as estruturas e as formas tradicionais de fazer política. A grande novidade agora, pondera, é que essas possibilidades se multiplicaram, pois há muito mais instituições, formas e movimentos. Seu otimismo em relação ao futuro provém do surgimento, na política, de novos sujeitos e novas vozes potentes. “É tudo muito novo, muito simbólico. É preciso acreditar, apesar das muitas dificuldades diante do poder global”.

Em sua opinião, a ideia tradicional de classe social pode enlaçar também as questões ambiental, de gênero e outras de natureza identitária. “Eu diria que são perfeitamente compatíveis e podem ser convergentes, desde que sejamos capazes de articular essa polifonia constituída das vozes emancipatórias, com tons e intensidades diferentes”, pondera João Antonio.

'Primeira filha da cidade'

João Antonio:
João Antonio: formação de consciência críticaFoca Lisboa / UFMG

Pesquisador e autor de obras nas áreas de economia política marxista, meio ambiente, história econômica, economia mineira e cidades, João Antonio de Paula traçou um histórico da universidade no mundo e o retrato da UFMG, com suas singularidades e seu papel central na formação de uma consciência crítica em Minas Gerais e no país.

Afirmou que a universidade, nascida há mais de 900 anos, é a “primeira filha da cidade”, como forma de expressão de liberdade dos aglomerados urbanos. Recuperou pontos fundamentais da história dessa instituição, que surgiu autônoma, em Bolonha (Itália) e em Paris (França), falou do século 13 como momento-chave de luta e consolidação da liberdade de pensamento, bem como da relação da Revolução Francesa com a instituição universitária.

João Antonio lembrou que a universidade de Berlim operou, em 1810, aliando ensino e pesquisa. Posteriormente, as instituições inglesas de Oxford e Cambridge criaram a extensão, para levar à população o conhecimento de que a universidade era guardiã. Citou a reforma de Córdoba (Argentina), em 1918, que mobilizou a população da cidade em busca da democratização da gestão universitária. “A partir daí, a universidade não pode mais fechar os olhos para a realidade que a cerca”, alerta o pesquisador. Segundo ele, é na América Latina que a universidade adquire uma face nova, de compromisso com a realidade social e a constatação de que a luta pelo desenvolvimento não se restringe ao crescimento econômico.

Atento ao momento presente, João Antonio afirma que o compromisso fundamental da universidade é com o saber crítico, que estimula a criatividade em todos os campos. “Educar é construir sujeitos autônomos. Somos, antes de tudo, uma escola e temos o papel de educar para um mundo novo, complexo e desafiador”, afirma.

Para ele, a universidade, “por dever de ofício”, deve enfrentar esses desafios de uma maneira diferente de qualquer outra instituição, buscando entender “essa explosão de novidades” que a realidade apresenta, em áreas distintas como economia, tecnologia e relações sociais.

Ana Rita Araújo