Por falta de oportunidades, metade dos jovens brasileiros considera tentar carreiras militares, revela estudo realizado em parceria com a UFMG

Crise social e econômica pode explicar resultados obtidos em pesquisa que une UFMG, Universidade de Oxford, UFPE, UFSCar e Cebrap

No Brasil, 43,9% dos jovens de 16 a 26 anos se declaram propensos a buscar carreiras militares. É o que mostra pesquisa realizada em outubro e novembro de 2021, com aplicação de 2.055 questionários em amostra representativa da população brasileira nessa faixa etária. As respostas mostram que o interesse é maior entre os jovens mais vulneráveis.

O levantamento foi realizado em parceria da Universidade de Oxford (Reino Unido) com as universidades federais de Minas Gerais (UFMG), São Carlos (UFSCar), Pernambuco (UFPE) e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Valéria Cristina de Oliveira, professora da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG e uma das autoras da pesquisa, ressalta que aspectos estruturais relacionados à situação socioeconômica brasileira reduzem as alternativas para os jovens de classes menos favorecidas. “Os resultados indicam que esses fatores têm influência maior que um pensamento conservador e militarista estimulado pelo grupo político atualmente no governo, por exemplo. Mas também estamos interessados em saber mais sobre um possível interesse específico nas carreiras relacionadas à segurança pública”, explica a pesquisadora, que atua  no Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade.

Um questionário composto de 58 itens foi aplicado, via internet. Os jovens participantes são de todas as regiões brasileiras, e o survey tem intervalo de confiança de 95% e erro máximo de 2,2%. As questões são vinculadas a oito categorias de análise: propensão a buscar as carreiras militares, percepções sobre essas carreiras, associação a visões e atitudes conservadoras, habilidades e aspirações de trabalho, percepções do mercado de trabalho, perfil sociodemográfico, contexto familiar e trajetória escolar e na carreira.

Estabilidade e alimentação

A motivação para a realização do estudo está vinculada ao cenário de crescimento da presença militar na sociedade brasileira, segundo Andreza Aruska de Souza Santos, da Oxford School of Global and Area Studies. Ela cita que mais de seis mil cargos comissionados no governo federal eram ocupados por militares em 2021 (18% do total) e que aumentaram não apenas as candidaturas aos parlamentos estaduais e federal, mas, sobretudo, o número de  deputados e senadores eleitos – de 14 para 76 de 2018 para 2020 (442% a mais em 2020).

“Nas pesquisas que realizo, tive a percepção de que, entre classes médias e médias baixas, a carreira militar estava se tornando uma opção importante. Encontrava, por exemplo, jovens que, em vez de buscar uma universidade, começavam fazendo cursos preparatórios para as academias militares”, conta Andreza Santos.

Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, Gabriel Feltran salienta que, de todas as condicionantes que poderiam explicar o interesse nas carreiras militares – fatores ideológicos, questões materiais concretas, geracionais, gênero, raça, classe, entre outras –, os resultados destacam a vulnerabilidade dos jovens. “Apesar do discurso do empreendedorismo que inunda os ambientes onde esses jovens circulam, que valoriza a iniciativa individual em oposição a empregos estáveis, eles estão fazendo escolhas bastante racionais, pois vislumbram nas carreiras militares a possibilidade de estabilidade, crescimento e benefícios como a garantia de alimentação, em um país no qual mais de 33 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar”, afirma.

Os resultados da pesquisa e o detalhamento da metodologia empregada estão descritos no artigo Dataset on the perceptions of Brazilian youth toward a military career post-Covid-19, em revisão por pares. Todos os materiais de replicação (dados originais e scripts computacionais) estão disponíveis para qualquer interessado em reaproveitar as informações em outros projetos de pesquisa.

Andreza Santos, de Oxford, ressalta que os resultados da pesquisa sugerem a necessidade de pensar sobre o tipo de oportunidades que estão sendo criadas para os jovens brasileiros. “Constatamos que 67,3% dos jovens consideram a oferta de empregos em suas cidades como baixa, muito baixa ou nenhuma, e esse número é pior entre aqueles que moram no Nordeste (75,9%), ela informa.

Valéria de Oliveira, da UFMG, afirma que análises preliminares dos dados da pesquisa indicam uma associação inversa entre o interesse pelas carreiras militares e a escolaridade dos pais. Isso reforça, segundo ela, a hipótese dos pesquisadores de que a disposição para ingressar nas Forças Armadas ou na Polícia Militar tem relação com as condições sociais e econômicas das famílias. A professora da FaE participou da elaboração do instrumento de pesquisa, das atividades de campo e da análise dos dados. Segundo Valéria, a pesquisa dialoga com dois de seus temas principais de investigação, a juventude e a segurança pública. Ela diz que não há estudos anteriores sobre o interesse dos jovens brasileiros pelas carreiras militares e anuncia que o trabalho recém-concluído deve inaugurar uma série de estudos sobre esse tema.

A pesquisa integra projeto liderado pela Universidade de Oxford sobre oportunidades para a juventude em tempos de crise econômica.

Assessoria de Imprensa UFMG

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Assessoria de imprensa UFMG