Reitores e parlamentares reunidos na UFMG debateram financiamento da ciência e tecnologia
Impacto da crise financeira na Fapemig foi o tema central de encontro
A UFMG promoveu segunda-feira, 8 de abril, um encontro entre dirigentes de entidades e instituições de ciência, tecnologia e inovação de Minas Gerais e parlamentares. O objetivo, segundo a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, “foi sensibilizar os parlamentares sobre a importância de se investir no setor como solução para a própria crise financeira do Estado”.
“Os parlamentares são nossos aliados e queremos sensibilizá-los sobre os riscos dos cortes financeiros, porque diminuem as chances do próprio Estado sair dessa crise. Os cortes que atingiram a Fapemig nos preocupam, pois impactam diretamente a UFMG, com redução de R$2,5 milhões por ano para bolsas de iniciação científica e R$ 13 milhões em projetos de pesquisa", informou a reitora.
Na avaliação de Sandra Almeida, o corte das bolsas afeta, de imediato, os bolsistas, mas a médio e longo prazos alcançará a própria economia, que sentirá os reflexos da falta de repasses para pesquisa e inovação. “Cada R$ 1 que a UFMG recebe de transferência tecnológica gera R$ 30 para o Estado. Mas, com a descontinuidade dos investimentos, a crise, que já está instalada, vai se agravar. Os parlamentares são os porta-vozes da nossa comunidade, e a união das intuições de pesquisa com o poder político poderá ajudar o Estado a sair dessa crise. Temos de trabalhar juntos para encontrar as soluções”, propôs.
Para o presidente interino da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), professor Paulo Beirão, “a iniciativa da UFMG de colocar o problema em discussão foi excelente, porque não estamos discutindo apenas a situação financeira da Fapemig, mas tratando do futuro do país e de um modelo de desenvolvimento econômico que não deve se prender a commodities, mas encontrar novos modelos, baseados na ciência e na tecnologia”, afirmou.
Segundo Beirão, com os cortes de investimentos pelo Estado, “a Fapemig não teve muita escolha” e optou por cortar as bolsas de iniciação científica que, segundo ele, não afetariam diretamente as pesquisas. “Mas esse corte, que esperamos ser temporário, afeta a categoria de base da pesquisa, pois, como no futebol, é o lugar onde surgem novos talentos”, comparou com pesar.
O reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e presidente do Fórum das Instituições Públicas de Ensino Superior do Estado de Minas Gerais (Foripes), Valder Steffen Júnior, destacou que os cortes de recursos na educação não se restringem a Minas Gerais, mas a todo o pais, especialmente após anúncio do contingenciamento de 47% no orçamento anual do CNPq, na semana passada. “Esses cortes afetam o que temos de mais precioso, a iniciação científica (PBIC Júnior), que recebe bolsas de apenas R$ 100, mas que ajudam a formar as novas gerações de pesquisadores”, acrescentou.
“Precisamos que esse movimento pró-Fapemig e pró-Estado organize uma agenda de curto, médio e longo prazos, com a restituição fundamental dos R$ 20 milhões/ano para a Fapemig. Valor inexpressivo para o Estado, mas responsável por 5.200 bolsas de iniciação científica”, defendeu a diretora regional da Fundação Oswaldo Cruz, Zélia Profeta.
Segundo ela, investir no bolsista significa apostar em educação, na formação do pesquisador, que leva anos e precisa de recursos permanentes. “O impacto dos cortes reflete nas pesquisas sobre doenças como dengue, chagas, gripe, febre amarela, câncer, esquistossomose, mas também na vida dos bolsistas, que dependem desses recursos para sobreviver, como tem defendido a reitora Sandra Almeida. Essa conversa conjunta precisa gerar um modelo de desenvolvimento diferente do atual, onde haja desenvolvimento econômico e transformação social”, acrescentou.
Para a secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Adelina Reis, “nunca houve tempos tão difíceis” para e educação, ciência e tecnologia no país. “Trata-se de um desmonte. Com o corte de 47% do CNPq e a ausência de editais para financiamento da pesquisa, não haverá recursos para manutenção da estrutura e funcionamento de equipamentos para pesquisas”, considerou. Adelina Reis afirmou que “os recursos são tão inexpressivos em relação à Lei Orçamentária, que não chegam a R$ 15 mil por ano, por pesquisador e seus bolsistas. Por isso, deveríamos aumentá-los e não cortá-los. Essa parceria com os parlamentares é fundamental para que fiquemos atentos enquanto está em tempo”, defendeu.
Recorrendo à comparação feita por Paulo Beirão, o professor Mauro Martins Teixeira, do ICB e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências – Regional MG/Centro-Oeste, disse “que as ‘categorias de base' das ciências estão diminuindo e deprimidas, com espírito afetado pela ausência de visão do futuro, causada pela descontinuidade nos investimentos”.
Ele mencionou seus próprios estudos sobre dengue para ilustrar a necessidade de investimento continuado. “Há 15 anos, começamos as pesquisas para tentar uma vacina para dengue. Atualmente, temos 1.200 voluntários vacinados em Belo Horizonte, mas só daqui a cinco anos veremos os resultados”, ponderou.
Universidades
A Universidade Federal de Itajubá, com seis mil alunos no campus de Itajubá e quatro mil em Itabira, é, segundo seu vice-reitor, Marcel Fernandes da Costa Parentoni, exemplo de como a presença da universidade é fundamental para a renda de alguns municípios. “A Unifei é responsável por 5% do PIB de Itajubá. Com a crise da mineração, a necessidade de diversificar o modelo econômico fica mais evidente”, observou.
A reitora da Ufop, Cláudia Marliere, afirmou nunca ter visto situação como essa na história da educação superior no Brasil. “Na década de 90 passamos por grandes dificuldades, mas o governo ainda garantiu certa sustentabilidade. Mas esse atual programa significa desmonte da universidade pública, que afetará toda a sociedade. Não temos perspectivas, e o governo não faz propostas. Todos nós, pesquisadores, estudantes e servidores técnico-administrativos, ficamos desestimulados. Como gestores, não temos como oferecer um mínimo de segurança à comunidade. Isso gera grande frustração”, avaliou.
Na opinião de Marliere, “há grande dificuldade para o diálogo com os governos, que precisam se sensibilizar em relação ao papel das universidades em municípios como Mariana, Ouro Preto e João Monlevade. Elas representam sua maior fonte de recursos”, afirma. Segundo ela, a Ufop, com os cortes da Fapemig, perde 110 bolsas, o equivalente a R$ 500 mil por ano, com impacto nas pesquisas sobre doenças de chagas, leishmaniose, tratamento de resíduos, antibióticos de granjas e outras.
Parlamentares
O debate na UFMG reuniu 21 parlamentares: um senador, cinco deputados estaduais e dez federais, cinco vereadores de Belo Horizonte e representantes de 11 instituições de ensino e pesquisa.
O senador Carlos Viana (PSD), integrante da Comissão de Educação, disse que sua grande preocupação diante do cenário atual “é não retroceder na área, para não afetar a formação dos estudantes”. Na sua avaliação, “o Brasil investe muito em educação, porque 16% do PIB não é pouco”. Diante dos cortes anunciados, ele afirmou que é necessário otimizar os recursos e entender onde e de que forma estão sendo aplicados. “Fiz especialização na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e vi o quanto a universidade tem capacidade de planejar e fazer pesquisa, por isso acredito que a própria universidade possa nos ajudar a entender como aplicar esses recursos", afirmou.
A deputada federal Margarida Salomão (PT) avaliou como “preocupantes os cortes de recursos para o setor, que vêm ocorrendo desde a PEC 95/2015”. Ela anunciou o relançamento da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Federais, no dia 24 de abril, e uma audiência pública no Congresso Nacional, no dia 10, com a presença do ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes. “Precisamos buscar soluções para essa situação inadmissível, que impede as universidades públicas de cumprir sua missão”, afirmou ela, que foi reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Para o deputado estadual João Leite (PSDB), que definiu o convite para o encontro como uma "convocação", é das próprias universidades que sairão as saídas para a crise econômica do Estado e do país. “Estou otimista, porque acredito nas experiências positivas da própria academia para abrir novas possibilidades para a economia mineira. Diante dessa crise na mineração, as escolas federais, como nas regiões do Triângulo, Alto Paranaíba e Jaíba, têm apresentado novas possibilidades com a produção agrícola, de grãos e frutas, para que o Estado não dependa apenas do minério. Esperamos que os parlamentares entendam a importância da educação e da pesquisa nesse contexto”, observou.
Também deputado estadual, o deputado Coronel Henrique (PSL) fez questão de se posicionar como “pesquisador e representante das universidades no parlamento”. “Como pesquisador, vejo os cortes nos investimentos em ciência e tecnologia como um retrocesso. E cortes que já vêm ocorrendo há algum tempo, como os que atingiram a Fapemig. Tenho experiência de pós-graduação em Viçosa e como diretor da Escola de Medicina Veterinária de Valença e acredito no papel criativo das universidades, especialmente na extensão, que chega à sociedade com projetos arrojados", refletiu Coronel Henrique.
A deputada estadual Ana Paula Siqueira (Rede) parabenizou a iniciativa da UFMG e também vê com preocupação a situação financeira das instituições de pesquisa. “Os governos estadual e federal não estão sinalizando para uma situação mais confortável para as universidades. Precisamos, juntos, encontrar respostas”, afirmou.
O deputado federal Reginaldo Lopes (PT) destacou a presença das universidades públicas em 134 municípios mineiros. “Temos que avançar nessa discussão, independentemente de partido, porque a Fapemig tem papel estratégico para o Estado. Uma de nossas lutas é rever a PEC 95, que congela investimentos em educação”, afirmou.
A presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia de Minas, deputada Beatriz Cerqueira (PT), fez um balanço das ações parlamentares realizadas até o momento e qualificou o encontro promovido pela UFMG como um “debate dos mais estratégicos para a sociedade”. Ela propôs uma campanha popular de valorização das ciências, com o objetivo de mostrar à sociedade como o corte de recursos afetará diretamente a vida prática das pessoas. A deputada defendeu ainda a sensibilização para o diálogo por parte do governo estadual, que, segundo ela, não se manifestou, nem mesmo na audiência pública, ocorrida na semana passada.
Relevância
As universidades públicas somam hoje mais de 1,1 milhão de estudantes matriculados nos cursos de graduação em todo o Brasil. Seus 50 hospitais universitários, que formam a maior rede pública do Sistema Único de Saúde, o SUS, ofertam, em média, mais de 23 milhões de consultas e exames especializados por ano.
Nas universidades públicas existem incubadoras de empresas, escritórios de assistência jurídica, centros de atendimento psicológico e dentário e empresas juniores que beneficiam diretamente a população. As ações e iniciativas dessas instituições contribuíram para que o Brasil subisse da 23ª para a 13ª posição no ranking mundial da produção científica.