Tese da UFMG estima que atividades do lar não remuneradas gerariam o equivalente a 10% do PIB nacional

Responsáveis por 85% dos afazeres, mulheres ganhariam mais do que os homens em qualquer faixa de renda

Dos 23 até por volta dos 80 anos de idade, as mulheres brasileiras passam, em média, mais tempo realizando trabalho doméstico para outros membros da família do que para o seu próprio benefício. No caso dos lares mais pobres, a idade de 13 anos é o marco para que a mulher passe a ter esse consumo negativo em relação à sua produção. De modo oposto, os homens são sempre beneficiários das transferências de tempo, independentemente do seu nível de renda.

Esses são alguns dos resultados da investigação empreendida pela demógrafa Jordana Cristina de Jesus, autora da tese de doutorado Trabalho doméstico não remunerado no Brasil: uma análise de produção, consumo e transferência, defendida em junho deste ano, no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG. A pesquisadora utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013 e de 2016.

Partindo do pressuposto de que tempo é recurso, a intenção da pesquisadora foi estimar o quanto as pessoas transferem de tempo, dentro de casa, para outros indivíduos. “É comum a reflexão sobre a transferência de renda, que ocorre quando você, por exemplo, paga a mensalidade  escolar. Mas a abordagem sobre a transferência de tempo, sem fluxo monetário, é recente na literatura. Ela se dá quando a pessoa dedica certo número de horas a tarefas como cozinhar, lavar roupas, botar lixo para fora ou pagar contas, das quais outras pessoas do domicílio irão se beneficiar”, exemplifica a autora.  
De acordo com Jordana, um homem de 30 anos produz, em média, uma hora de trabalho doméstico ao longo do dia, enquanto uma mulher da mesma idade faz quatro vezes mais. Esse índice varia conforme o nível de escolaridade – mas somente entre o público feminino. Segundo a autora, uma brasileira de 25 anos, com até três anos de escolaridade, gasta quase seis horas por dia com afazeres domésticos não remunerados. Aquelas que estudaram por mais de 12 anos realizam menos de duas horas diárias desse tipo de serviço. No caso dos homens, a quantidade de horas nunca varia. “Em geral, o homem executa o serviço doméstico até, no máximo, a demanda de seu próprio consumo”, pontua a autora.

Produção invisível

Jordana projetou uma valoração do trabalho doméstico realizado pelos próprios moradores da casa, tendo como parâmetro o salário mediano pago para alguém que executa essa atividade. A contrapartida financeira, nesse cenário, geraria um montante que equivale a mais de 10% do PIB brasileiro. “Esse número mostra que o trabalho dentro do lar, embora figure como ‘invisível’, tem significativo valor econômico”, observou a pesquisadora.

De acordo com Jordana, se aos salários dos brasileiros fosse somada a contrapartida referente ao trabalho feito em casa, as mulheres de todas as faixas de idade produziriam mais do que os homens. “Responsáveis por 85% do trabalho doméstico total, as mulheres teriam ganhos superiores, mesmo recebendo menos no mercado de trabalho”, calcula.

Prestígio masculino

Como salienta a autora, o serviço doméstico realizado pelos homens é, proporcionalmente, concentrado em atividades não relacionadas à manutenção do lar. “Isso dá vazão à discussão sobre o envolvimento masculino em tarefas mais prestigiadas, como levar os filhos para passear ou para jogar futebol”, observa.

Nesse sentido, Jordana resgata um debate envolvendo maternidade e paternidade. Segundo a demógrafa, existem estudos sobre a discriminação sofrida no emprego pela mulher devido ao pressuposto de que o zelo da mãe para com os filhos prejudicaria seu desempenho no trabalho. De modo oposto, a paternidade é um sinal de maturidade e responsabilidade. “Mas o debate sobre a ‘penalidade da maternidade’ e o ‘prêmio da paternidade’ só existe por causa do trabalho doméstico. Se a articulação dentro de casa fosse igualitária, as mulheres não ficariam em desvantagem no mercado de trabalho”, argumenta.

Como agenda de pesquisa, a autora sugere estudos sobre o tema das transferências intergeracionais no contexto de fecundidade adolescente. “No Brasil, são cada vez mais comuns as famílias multigeracionais, compostas de mães solteiras que vivem com seus pais. Nos países desenvolvidos, já está demonstrada a importância do tempo que os avós gastam no cuidado dos netos para que seus filhos possam trabalhar. É possível investigar, por exemplo, a associação entre a dinâmica doméstica e as variáveis de educação e trabalho de jovens mães”, projeta.  

Tese: Trabalho doméstico não remunerado no Brasil: uma análise de produção, consumo e transferência
Autora: Jordana Cristina de Jesus
Orientadora: Simone Wajnman
Coorientador: Cassio Turra
Defesa: 19 de junho de 2018, no Programa de Pós-graduação em Demografia do Cedeplar-Face

Matheus Espíndola - Boletim UFMG 2.026

Fonte

Assessoria de Imprensa da UFMG