Tese da UFMG resgata proposta artístico-pedagógica da dançarina Marilene Martins

Fundadora do Trans-Forma Centro de Dança Contemporânea, ‘Nena’ tem influenciado gerações de dançarinos

Depois de estudar com Carlos Leite e Klauss Vianna, em Belo Horizonte, e frequentar a primeira faculdade de dança, na Universidade Federal da Bahia, na década de 1960, a mineira Marilene Martins, a Nena, experimentou vários estilos, ziguezagueando pelo Rio de Janeiro, pela Europa e pelos Estados Unidos até retornar à capital mineira. Em 1969, optou pela dança moderna e abriu a primeira escola na cidade, o Trans-Forma Centro de Dança Contemporânea. O inovador, naqueles anos de chumbo, foi fundamentar-se nas diferenças para construir uma proposta artístico-pedagógica que continua influenciando gerações de dançarinos.

O resgate documental dessa proposta, expressa em desenhos e textos anotados em cadernos de Nena e de artistas-professores de sua escola, foi realizado em pesquisa inédita da dançarina e professora da Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG Gabriela Córdova Christófaro, que defendeu tese na própria escola sob a orientação de Mariana de Lima Muniz. A análise crítico-interpretativa de 21 cadernos e manuscritos, cedidos por Lúcia Ferreira e outros artistas que acompanharam Marilene Martins, revela estrutura organizada em desenhos do corpo humano e a escrita do movimento, com detalhamento da contagem de tempo, do deslocamento no espaço e abordagens de rítmica e improvisação. 

“São cadernos guardados há 30 anos, que nem a própria Nena conhecia no conjunto. Um material que precisa ser estudado, pelo modo como foi construído, porque na dança é muito forte a cultura oral, que se perde facilmente. Mas Nena fez esses registros com muita minúcia. Os desenhos do corpo humano ressaltam o sistema esquelético, as articulações, a mobilidade da coluna. E, no texto, ela usa a terminologia da anatomia, que também foi estudada na escola, em livros técnicos da área e em curso oferecido pelo professor da UFMG José Geraldo Dângelo”, relata.

Construção coletiva
A pesquisadora afirma que também é possível perceber, nas anotações, a construção coletiva do trabalho, baseada em propostas originais de Nena, e as sequências criadas pelos artistas formados em sua escola. “Como ela estava sintonizada com o pensamento da dança cênica da década de 1970, com foco na abertura a diferentes corporalidades, a prática da educação somática (relacionada à consciência corporal) foi fundamental para a construção do currículo do Curso Básico de Dança do Trans-Forma, que tinha a duração de cinco anos”, relata Gabriela.

Essa característica de Nena fez toda a diferença para gerações de artistas que continuam fazendo de Belo Horizonte referência no cenário da dança, na avaliação de Gabriela Christófaro. “Nena construiu um ambiente para a experimentação das diferenças. Ela convidava artistas de várias áreas para participarem do cotidiano do Trans-Forma e até de sua própria casa. É uma empreendedora, inserida nas discussões sociais e políticas da cidade”, resume.

Ainda de acordo com Gabriela, a experimentação foi procedimento metodológico importante, porque a proposta da escola não era a busca de um corpo ideal, mas do entendimento do próprio corpo na perspectiva de uma prática artística. “Assim, o bailarino aceitaria o outro como legítimo. E, no diálogo com o diferente, descobriria a própria perspectiva corporal e artística”, diz a pesquisadora. “Aceitar o outro como legítimo é uma forma de preservar a sobrevivência da diferença, aspecto forte no pensamento da Nena.”

No curso básico, que reunia turmas diversificadas, inclusive em relação à idade, os alunos eram convidados a se deslocarem por ambientes técnicos diversos. Gabriela Christófaro observou que as diferenças se estabeleciam como estímulo à continuidade da construção artístico-pedagógica. “Por isso, vejo a Marilene Martins como uma pessoa à frente de seu tempo. E sua proposta deve nos inspirar, especialmente, diante da diversidade que a Universidade propicia. Há um exercício da convivência na alteridade a ser feito na prática artística e docente, sobretudo com a inserção da dança na educação básica.”

Tese: Convivência e alteridade no processo de conhecimento em dança: a abordagem de Marilene Martins no Trans-Forma Centro de Dança Contemporânea
Autora: Gabriela Córdova Christófaro
Orientadora: Mariana de Lima Muniz
Defesa: dezembro de 2018, no Programa de Pós-graduação em Artes

Teresa Sanches

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG

Serviço

Tese resgata proposta artístico-pedagógica da dançarina Marilene Martins