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10 anos da Guerra na Síria é tema de novo episódio do “Outra Estação”

Conflito que já levou à morte de mais de 350 mil pessoas começou com protestos pacíficos e se tornou uma guerra civil

Campo de refugiados na Síria localizado a poucos quilômetros da capital Damasco
Campo de refugiados na Síria localizado a poucos quilômetros da capital Damasco UNRWA I Fotos públicas

A Guerra Civil Síria começou com apenas alguns protestos em março de 2011, parte dos vários levantes populares que atravessaram o Oriente Médio e o norte da África, conhecidos como Primavera Árabe. Mas logo escalou para um conflito com desdobramentos violentos. O novo episódio do Outra Estação retoma esse contexto que levou ao começo do conflito armado na Síria, analisa os principais grupos e países que participaram dele e as consequências dessa guerra civil.

A produção da Rádio UFMG Educativa conversou com os professores Danny Zahreddine, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC-Minas, Carolina Moulin, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, Samuel Feldberg, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e pesquisador do Centro Dayan da Universidade de Tel Aviv, e com Bahiej Massouh, refugiado sírio naturalizado brasileiro que veio para o país em 2014.

Ouça na íntegra o episódio 79 do Outra Estação sobre os 10 anos da Guerra Civil Síria:


O início do conflito

O presidente sírio Bashar al-Assad ascendeu ao poder em 2000, após a morte de seu pai, Hafez al-Assad, que governava o país desde a década de 1970. O regime de Bashar al-Assad era acusado de ser pouco democrático e de priorizar minorias étnicas e religiosas na ocupação de cargos de poder em detrimento da maioria sunita do país. Além disso, entre 2007 e 2010 uma seca severa assolou a Síria, gerando instabilidade social e econômica. Quando a Primavera Árabe se iniciou, essas condições inflamaram parte da população, que tomou as ruas protestando contra a situação política, econômica e social do país.

Segundo Danny Zahredinne, professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC-Minas e líder do grupo de pesquisa Oriente Médio e Magreb da mesma instituição, a Primavera Árabe chegou à Síria "como um sopro de esperança". Ele explica que os sírios começaram a fazer manifestações pacíficas para que acabasse o estado de sítio, que estava ali há décadas, e pedindo acesso à política, mas a repressão policial foi violenta. 

Danny Zahredinne explicou o contexto do início da Guerra da Síria
Danny Zahredinne explicou o contexto do início da Guerra da Síria Acervo pessoal

Principais participantes

Meses após os primeiros protestos, surgiram os primeiros grupos armados, como o Exército Livre da Síria, formado por dissidentes do exército sírio. A emergência destes grupos marcou o começo da fase militar do conflito.  Em 2013, já havia mais de mil grupos rebeldes. Muitos deles pequenos, atuantes apenas em regiões restritas do país e com interesses determinados mais pelo entorno familiar e tribal. Samuel Feldberg, professor convidado da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e pesquisador do Centro Dayan da Universidade de Tel Aviv, avalia que essa grande fragmentação pode ter dificultado que os rebeldes tivessem êxito em retirar Assad do poder.

Do ponto de vista interno, os rebeldes formaram uma rede bastante pulverizada, inconstante, e frequentemente pouco estruturada de grupos, coalizões e alianças, como o já citado Exército Livre da Síria, além da Frente Islâmica, da Frente al-Nusra e das Forças Democráticas Sírias, esta composta de rebeldes curdos, membros de uma etnia que se espalha principalmente pela Turquia, Síria, Irã e Iraque.

Em uma década de guerra, alguns atores externos também tiveram seus próprios papéis. Participaram do conflito nações como Rússia, Irã, e parte do governo libanês em apoio ao governo de al-Assad, bem como Estados Unidos e Israel apoiando os rebeldes.

Em 2014, a entrada do Estado Islâmico no cenário geopolítico da região trouxe um novo ponto de inflexão. O grupo terrorista avançou rapidamente pelo Oriente Médio na tentativa de criar um califado teocrático e rivalizou com vários participantes da Guerra Civil, inclusive combatentes adversários, como grupos rebeldes curdos, a Frente al-Nusra, Estados Unidos, Rússia e o governo sírio.

Samuel Feldberg:
Samuel Feldberg destacou que Síria passou por uma série de golpes de estado nas últimas décadasAcervo pessoal

Quase o fim?

O conflito militar na Síria está praticamente vencido pelo governo, com apenas a província de Idlib, ao norte, sob controle dos rebeldes, e alguns pequenos territórios controlados pelos curdos. Há também uma tentativa de criar uma nova constituição para o país, com a mediação de um conselho da Organização das Nações Unidas (ONU), composto por governo, oposição e sociedade civil da Síria. 

Mas o contexto político é complexo e os países e grupos envolvidos na guerra têm demandas e interesses divergentes. Na avaliação do professor Samuel Feldberg, existe hoje um impasse e boa parte dos envolvidos não está disposta a ceder quase nada. 

Marcas da guerra e da pandemia

Da mesma forma que a tensão política não deve melhorar por um bom tempo, os efeitos da guerra na Síria também serão difíceis de serem resolvidos. A infraestrutura em diversas regiões do país foi duramente afetada pelos bombardeios e tiros e a economia do país está fragilizada.

Essa situação se agravou ainda mais com a pandemia de covid-19. Um relatório de março de 2021 do Comitê Internacional de Resgate, uma organização internacional que trabalha em zonas de conflito, concluiu que apenas 64% dos hospitais e 52% dos centros de atenção básica à saúde na Síria estavam funcionando, enquanto 70% dos profissionais de saúde haviam saído do país desde o começo da guerra civil.

Outra marca triste da guerra na Síria são os milhões de refugiados e deslocados internos. Há 6,6 milhões de refugiados sírios no mundo, dos quais 5,4 milhões estão em quatro países que fazem fronteira com a Síria: Turquia, Líbano, Jordânia e Iraque, segundo dados da ONU. 

O Outra Estação entrevistou Bahiej Massouh, hoje cidadão brasileiro naturalizado Ele é sírio e chegou ao Brasil em 2014 como turista, antes de pedir refúgio. No programa, Bahiej relata a dor de ter visto amigos morrerem e de ter visto a sua cidade, Homs, a terceira maior cidade do Síria, ser castigada pela guerra. 

Bahiej Massouh lembra da conflito em sua terra natal como um
Bahiej Massouh lembra da conflito em sua terra natal como um "filme de terror" Acervo pessoal

Além de refugiados como Bahiej Massouh, a Síria possui milhões de deslocados internos, que são cidadãos que migram dentro do próprio país com o objetivo de escapar de zonas de conflito. Muitos deles se tornam internamente deslocados por não conseguirem sair do seu país de origem, mas são refugiados em potencial, como esclareceu durante o programa Carolina Moulin, professora do Departamento de Ciências Econômicas e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG.

Iniciativa na UFMG

A UFMG participa de uma iniciativa importante de apoio a refugiados e deslocados no Brasil. É a Cátedra Sérgio Vieira de Mello, um projeto do Alto-comissariado das Nações Unidos para os Refugiados (ACNUR) em parceria com várias Instituições de ensino superior brasileiras. A professora Carolina Moulin é coordenadora da Cátedra na UFMG. 

Entre as iniciativas da Cátedra está a primeira seleção na UFMG, agora em 2021, de alunos refugiados, asilados políticos, apátridas, portadores de visto temporário de acolhida humanitária e portadores de autorização de residência para fins de acolhida humanitária. Foram abertas 77 vagas, uma vaga para cada curso de graduação nos campi de Montes Claros e Belo Horizonte. No total, 107 pessoas se inscreveram e 20 delas foram aprovadas. A seleção contou com apoio da Diretoria de Relações Internacionais, da Comissão Permanente do Vestibular da UFMG, da Pró-Reitoria de Graduação e da Cátedra Sérgio Vieira de Mello.

Carolina Moulin:
Carolina Moulin: Cátedra Sérgio Vieira de Mello funciona como rede de apoio para estudantes refugiadosVinícius Matos

Para saber mais

Matéria da BBC Brasil sobre a Primavera Árabe.

Página da ONU News sobre a Guerra na Síria ao longo dos anos

Página da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) sobre a situação de refugiados e deslocados sírios

Relatório Anual 2020 da Cátedra Sérgio Vieira de Mello

Produção

O episódio 79 do Outra Estação teve apresentação e produção de Joabe Andrade, edição de Alicianne Gonçalves e trabalhos técnicos de Breno Rodrigues. 

A coordenação de jornalismo da Rádio UFMG Educativa é de Paula Alkmim. Coordenação de operações, de Judson Porto, e coordenação de programação, de Luiza Glória.

O programa Outra Estação vai ao ar quinzenalmente, às quintas-feiras, 18h, com reprise na sexta, às 7h. Também é possível ouvir os episódios nos aplicativos de podcast, como o Spotify.