Sete anos da tragédia-crime em Mariana: morte do Rio Doce impacta a espiritualidade do povo Krenak
Reportagem da Rádio UFMG Educativa mostra como o rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco, atravessa, ainda hoje, o modo de vida das aldeias às margens do Rio Doce
Neste dia 5 de novembro, o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, que matou 19 pessoas, completa sete anos. Entre diversos impactos socioambientais, foram registrados prejuízos para a flora e fauna de uma das maiores bacias hidrográficas do país e a perda de mais de 11 toneladas de peixes por asfixia. Além disso, a tragédia-crime da Samarco, controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton, do Canadá, também foi responsável pela morte de um dos entes ancestrais do povo Krenak: o Rio Doce, chamado pelos indígenas de Watu. Esse cenário foi apresentado na reportagem da Rádio UFMG Educativa, que trouxe os relatos das líderes Wakrewa Krenak, que é bióloga e professora, e Shirley Krenak, além do doutor em Antropologia pela UFMG Walison Vasconcelos.
![Instituto Shirley Djukurnã Krenak Shirley Krenak: “Tudo que nós tínhamos de mais valioso espiritualmente foi devastado”](https://ufmg.br/thumbor/bS2k3pocp8UfrlwkvkgU4T5pQDM=/50x0:721x1029/352x540/https://ufmg.br/storage/2/7/0/d/270d997164a5a3d554f4c792ba8bca25_16675948791137_1741969858.jpg)
Relação ancestral com o Rio
Ao longo dos últimos séculos, o Rio Doce tem sido a base da espiritualidade e da cultura do povo Krenak. Após a tragédia-crime, apesar de avanços na recuperação da água apontados pelo programa de monitoramento da Fundação Renova, as aldeias às margens do rio têm sido impedidas de realizar a caça, a pesca e muitos de seus rituais sagrados, afetando completamente o modo de vida Krenak. De acordo com a liderança indígena Shirley Krenak, co-fundadora da Articulação Nacional das Guerreiras da Ancestralidade, “tudo que nós tínhamos de mais valioso espiritualmente foi devastado, e agora o povo Krenak busca se fortalecer de forma constante. É muito difícil olhar todos os dias para essa água e não poder tocar no rio, porque ele se encontra morto para nós. Mataram a essência do nosso Watu.”.
Histórico de violências contra o povo Krenak
Apesar de o rompimento da barragem representar o ápice das violências contra o povo Krenak, o cenário da mineração em Minas Gerais vem afetando a relação ancestral dos indígenas com o Rio Doce há mais de quatro séculos. Desde a construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas, em 1904, a ocupação das áreas próximas ao curso d’água por trabalhadores não-indígenas tem entrado em choque com as populações nativas. De acordo com Walison Vasconcelos, antropólogo e doutor em Antropologia pela UFMG, “essa exploração, principalmente de madeira e minério de ferro, produziu atividades que estavam muito fora do cotidiano do povo Krenak. A estrada de ferro afugentou a caça e desenvolveu um medo de praticar seus rituais porque o barulho do transporte os assustava. Houve um impedimento de forma bastante violenta da realização dessa cultura Krenak.”
![Agência Brasil Shirley Krenak:](https://ufmg.br/thumbor/GqxZpEeQgvP-qa29z_YbRkLklBg=/0x0:2054x1370/712x474/https://ufmg.br/storage/3/5/c/1/35c1c1e16e3587e93bf3e31cff71042a_16675943112724_1351940897.jpg)
Danos irreparáveis
Ainda hoje, as aldeias às margens do Rio Doce se encontram em estado emergencial, com o recebimento diário de galões de água via caminhões-pipa. “Eles nos dizem que o Rio vai voltar, mas a espiritualidade, a essência do Watu foi morta. E, mesmo que volte, todo o lençol freático que compõe o rio doce foi afetado, os pescadores pegam os peixes no rio e eles vêm cheios de tumores… Nossas crianças, até hoje, tomam banho nas caixas d’água, porque dentro do rio não pode ser”, relata Shirley Krenak.
Ouça a reportagem de Laura Portugal:
Produção
Esta reportagem foi produzida e apresentada por Laura Portugal, sob orientação de Alessandra Dantas e Luiza Glória. A edição sonora contou com o apoio do jornalista Breno Rodrigues