Pesquisa e Inovação

Absorção das inovações tecnológicas nas periferias é sempre incompleta, diz professor da Face

Eduardo Albuquerque, autor de livro sobre o tema, sustenta que a desigualdade só poderá ser reduzida com a ampliação das forças assimilativas em regiões não centrais do capitalismo mundial

Pesquisador do Cedeplar aponta estratégias para reduzir desigualdades na inovação
Albuquerque, pesquisador do Cedeplar, indica estratégias para reduzir desigualdades na inovação Foto: Bruna Brandão | UFMG

As revoluções tecnológicas que ocorrem mundo afora se materializam de forma desigual. E a desigualdade provoca, nos países periféricos, uma absorção incompleta das inovações porque, nessas nações, as novas tecnologias eclodem enquanto tecnologias anteriores ainda estão começando a ser assimiladas.

Esse processo caracteriza o modo como a Índia, a China, a Rússia e as regiões da África Subsaariana e da América Latina evoluem tecnologicamente. Esse fenômeno é analisado no livro Technological revolutions and the periphery: understanding global development through regional lenses, de autoria do professor Eduardo da Motta e Albuquerque, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), publicado pela prestigiada Editora Springer, baseada na Alemanha. Três exemplares impressos da obra estão disponíveis na biblioteca da Face, no campus Pampulha. 

O Portal UFMG conversou com Albuquerque a respeito do livro e das estratégias que podem ser usadas para diminuir a desigualdade das propagações tecnológicas pelo mundo. Segundo o professor, “a questão-chave para diminuir a desigualdade está na ampliação das forças assimilativas na periferia. Dada a ausência de automatismo e/ou elementos homogeneizadores na propagação da tecnologia desde o centro, a iniciativa na periferia é a variável decisiva".

Na obra Technological revolutions and the periphery: understanding global development through regional lenses, são citadas seis revoluções tecnológicas. Quais são esses marcos evolutivos?
O esquema das seis revoluções tecnológicas apresentado no livro é uma simplificação didática, uma vez que a dinâmica tecnológica da economia capitalista é muito mais turbulenta do que isso. Na verdade, há uma superposição de diversas inovações tecnológicas de diferentes níveis de radicalidade, cuja interação é parte essencial da dinâmica desse sistema complexo. 

Para fácil entendimento, podemos considerar seis revoluções tecnológicas: a mecanização da tecelagem, iniciada em 1771, a máquina a vapor e o desenvolvimento das ferrovias, em 1829, o uso comercial da eletricidade, em 1882, o motor à combustão e o automóvel, em 1928, e o microprocessador, em 1971. A sexta revolução tecnológica, tema mais controverso, sugerimos ter sido deflagrada com a invenção da www [rede mundial de computadores], em 1991. Essa sistematização possibilita visualizar o que seriam as forças expansivas que, a partir do centro, impactam o conjunto da economia global.
 
O senhor elege a Índia, a China, a Rússia, a África Subsaariana e a América Latina como regiões centrais para a análise dos impactos das revoluções tecnológicas. Como se deu essa escolha?
Como explicita o título da obra, a novidade que o livro apresenta é a discussão das revoluções tecnológicas do ponto de vista da periferia do sistema capitalista. Para compreender a difusão das revoluções tecnológicas na periferia, é necessário partir da sua enorme heterogeneidade. A escolha dessas regiões permite a combinação do elemento temporal – as seis revoluções tecnológicas – com o geográfico – as cinco regiões/países. 

Além disso, é importante ressaltar que o impacto da primeira revolução tecnológica (a industrial) na China, na Índia, na África, na Rússia e na América Latina foi enorme e extremamente diferenciado, moldando diferentes estruturas econômicas que, mais tarde, foram repetidamente impactadas pelas revoluções subsequentes, desencadeadas nos países centrais. A observação dessas cinco regiões nos possibilita visualizar a desigualdade da difusão tecnológica que se tornou um elemento da crescente heterogeneidade na periferia do sistema global – uma característica do capitalismo global contemporâneo.

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Albuquerque: diferentes formas de capitalismo se configuram nas periferias 
Foto: Raíssa Cesar | UFMG

Por que a propagação de tecnologias e da inovação se dá de forma desigual no mundo?
As forças expansivas de revolução tecnológica não se propagam de forma automática e homogênea e não operam de forma a estimular o aparecimento de réplicas pelas diversas regiões do planeta. Na verdade, ocorre o contrário, ou seja, não é incomum a existência de mecanismos contrários à difusão das novas tecnologias, o que pode ser exemplificado pelo fato de que, durante a Revolução Industrial, o  Reino Unido proibiu a exportação de máquinas têxteis.

Por isso, a chegada de tecnologias revolucionárias na periferia depende da operação de forças assimilativas criadas na região e de esforços internos para a absorção ativa dessas inovações. Temos que salientar, também, a necessidade de ação política e de construção institucional, pois diferentes regiões/países têm variados sistemas econômicos e arranjos políticos, que determinam as formas de sua inserção na ordem global. 

A construção de sistemas nacionais de inovação pode, didaticamente, sintetizar o que é necessário para a operação das forças assimilativas na periferia – os diferentes ritmos de sua construção na periferia são um componente da explicação da desigualdade da propagação de avanços tecnológicos no mundo.

Que consequências essa propagação tecnológica desigual traz para os países?
Essa desigualdade é resultado de um interplay entre as forças expansivas, geradas no centro, e as forças assimilativas, criadas na periferia. Esse interplay tem sua própria dinâmica, na medida em que diferentes revoluções tecnológicas têm diferentes forças expansivas, e as forças assimilativas devem se transformar para lidar com diferentes características das inovações. Assim, a forma da propagação das revoluções tecnológicas afeta tanto o centro quanto a periferia.

Na periferia, ocorre a permanente repetição de uma absorção incompleta, pois quando os processos tecnológicos relativamente tardios começam a se generalizar, uma nova revolução tecnológica eclode no centro, sendo ponto de partida para um novo processo de assimilação. Assim, há na periferia diferentes combinações entre tecnologias mais recentes e tecnologias anteriores, além de diferentes combinações da polaridade modernização-marginalização. Todo esse processo acaba constituindo diversas variedades de capitalismo na periferia.
 
O livro apresenta algumas estratégias para que a evolução tecnológica e de inovação se dê de maneira mais igual. Como os países centrais e periféricos podem atuar objetivando essa igualdade?
A questão chave para diminuir a desigualdade está na ampliação das forças assimilativas na periferia. Dada a ausência de automatismo e/ou elementos homogeneizadores na propagação da tecnologia desde o centro, a iniciativa na periferia é a variável decisiva. 

Há inúmeras experiências localizadas que foram bem-sucedidas, relacionadas a verdadeiras ilhas de absorção tecnológica criadas em cada uma das regiões analisadas. Há, ainda, experiências bem-sucedidas de processos de catch-up, que é a redução do hiato tecnológico em relação aos países centrais. A absorção, mesmo que tardia e limitada das revoluções tecnológicas anteriores, constitui ponto de partida para novos processos de catch-up, e fracassos em políticas anteriores representam lições importantes para a renovação de políticas públicas. Transformações institucionais derivadas do interplay entre as forças expansivas e assimilativas, como a multiplicação dos fluxos internacionais de conhecimento, também abrem novas oportunidades para países que construíram capacidades de absorção.
 
Em sua conclusão, a obra sugere a necessidade de uma agenda para reformas internacionais. Que tipo de reformas são necessárias?
Esse tema é objeto de elaboração cotidiana de diversas entidades e organizações. Na conclusão do livro, mencionamos que a preocupação fundamental seria o fortalecimento da capacidade de absorção da periferia. Além de investimentos globais nas regiões mais atrasadas, iniciativas que enfraquecem bloqueios à difusão das tecnologias para a periferia também são bem-vindas. Um exemplo seria as mudanças nas legislações de propriedade intelectual, para minorar os efeitos bloqueadores nelas contidos.

Essas reformas não podem deixar de enfrentar temas urgentes, como o aquecimento global, a preparação para o enfrentamento de pandemias ou a contenção de conflitos armados. Todas essas questões são globais por definição, o que demanda esforços que não podem ser limitados a fronteiras nacionais. As reformas globais demandam mais coordenação e cooperação internacionais. 
 

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Foto: Divulgação

Como o debate proposto na obra Technological revolutions and the periphery: understanding global development through regional lenses pode impactar os estudos nesse campo de interesse?
Em primeiro lugar, é importante fortalecermos as linhas atuais de pesquisa que focalizam as peculiaridades do progresso tecnológico na periferia. Em segundo lugar, há múltiplas influências mútuas entre as forças expansivas e assimilativas que se transformam, cuja investigação mais aprofundada é necessária. Em terceiro, a partir de uma visão mais qualificada do interplay entre as forças expansivas e assimilativas, a contribuição da periferia para a dinâmica tecnológica global pode ser reavaliada, pois as forças expansivas são afetadas pelas assimilativas. Finalmente, na medida em que as revoluções tecnológicas transformaram a dinâmica do sistema global, o estudo das seis revoluções anteriores é uma introdução ao estudo das transformações que estão por vir. 

Além dos motivos já citados, a obra destaca como o cenário de fragmentação política em regiões como a África Subsaariana e a América Latina deve ser repensado, pois essa fragmentação bloqueia o desenvolvimento de capacidades de absorção em tempos de profunda internacionalização da dinâmica econômica. Assim, o estudo de políticas públicas, industriais e tecnológicas tem papel relevante para as periferias. 

Luana Macieira