Coberturas especiais

Acadêmicos, jornalistas e legisladores devem se aliar no combate ao ódio nas redes

Nomes de destaque nos três segmentos defenderam o esforço conjunto em evento da Semana do Conhecimento

A certa altura de sua apresentação, no início da tarde de hoje, durante webinar sobre polarização e ódio nas plataformas digitais, o professor Fabrício Benevenuto, do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, ofereceu sua receita para mitigar a disseminação de ataques e informações falsas pelas redes sociais. Para ele, o caminho é a união da academia com a imprensa e o direito visando à conjugação de produção e análise de dados, investigação jornalística e regulamentação.

Não por acaso, o seminário que ele mediou reuniu especialistas que têm-se destacado nos três segmentos: a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, o antropólogo David Nemer, da Universidade de Virgínia (EUA), e o jurista Ricardo Campos, da Universidade J.W. Hoethe, de Frankfurt (Alemanha). O encontro teve a presença também do professor Estevam Las Casas, diretor do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG, anfitrião do evento.

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Fabrício Benevenuto: "empresas não mudam por boa vontade"Raphaella Dias | UFMG

Encarregado do passo inicial da conversa, Benevenuto apresentou fenômenos demonstrados por suas pesquisas, como a predominância de comentários negativos nas postagens nas redes, em todas as áreas, o papel crucial de publicações capazes de dividir as pessoas como instrumento de provocação artificial de discórdia e a capacidade de grupos públicos conectados a redes de ativistas de amplificar a circulação de informação falsa.

O professor do DCC lembrou que os sistemas das grandes plataformas não são desenhados com a preocupação de proteger a qualidade da informação e a integridade do debate. “As empresas disputam mercado, e é interessante que sejam ambiente propício ao ódio e à polarização. E qualquer gesto dessas empresas em outra direção não é por boa vontade, depende da implementação de regras e da pressão da imprensa”, afirmou Benevenuto, que é pesquisador residente do IEAT.

Máquina descentralizada
Patricia Campos Mello exaltou o trabalho de pesquisadores como Benevenuto, cuja produção, segundo ela, é subsídio fundamental para o trabalho dos jornalistas. Na mesma linha do professor, a repórter destacou que a linguagem de ódio gera engajamento e, portanto, mais receita de publicidade. Por isso, iniciativas recentes que provocaram pressão de anunciantes sobre as plataformas levaram a medidas como a eliminação de contas disseminadoras de fake news.

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Patrícia Mello defendeu investigação da atuação das plataformas e comercialização de dados pessoais Raphaella Dias | UFMG

Autora do livro recém-lançado Máquina do ódio – notas de uma repórter sobre fake news e violência digital, Patrícia afirmou que as campanhas deflagradas por essa “máquina” são mais descentralizadas do que se costuma pensar. “A curadoria dessas campanhas depende de um ecossistema formado por grupos públicos que usam robôs, mas principalmente gente de carne e osso disposta a disseminar as informações.”

Vítima, ela própria, de ataques e ameaças motivadas por série de reportagens sobre empresas e pessoas por trás de disparos em massa de fake news, Patrícia Campos Mello salientou que o trabalho da imprensa tem-se concentrado na investigação dos intermediários, aqueles que vendem o serviço do disparo automatizado e massivo de mensagens. E fez uma autocrítica: “Precisamos investir mais, por exemplo, na investigação da atuação das plataformas e de mecanismos como a apropriação, por parte de empresas gigantescas, de dados pessoais capturados em aplicativos e que são vendidos a candidatos e agências de publicidade.”  

Patrícia acrescentou que cientistas, ativistas, veículos de imprensa e jornalistas têm em comum o fato de serem alvos dos “populistas digitais”, que se dedicam a “assassinar reputações e minar nossa credibilidade para emplacar sua visão de mundo”.  

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David Nemer: estudos sobre a desinformação no BrasilRaphaella Dias | UFMG

Três agentes
Autor de pesquisa que já dura três anos sobre a disseminação da desinformação no Brasil, David Nemer percebeu, na campanha presidencial de 2018, a troca, nas conversas de grupos do WhatsApp, dos links de notícia por material produzido especificamente para o aplicativo de mensagens. “O tom das conversas entre familiares e amigos mudava, o que era de se esperar em ano de eleição, mas havia ali algo novo”, conta o antropólogo, que ingressou em quatro grupos bolsonaristas.

Em seu trabalho de etnografia on-line, Nemer identificou nos grupos de WhatsApp três agentes principais: os “influenciadores”, que ofereciam a informação, os membros do “exército” encarregado da distribuição das mensagens e o que ele chama de “brasileiros comuns”, que, motivados pelo antipetismo e pela descrença na mídia tradicional, constituíam campo fértil para a mensagem do bolsonarismo. “Depois da eleição, apareceram os conflitos porque ficaram claras as diferentes agendas, como a liberal, a evangélica e a militar. Os grupos se dividiram e ficaram menores”, conta o pesquisador, que hoje acompanha 75 grupos do aplicativo.

Segundo David Nemer, cujas publicações recentes também rendem ameaças pessoais no Brasil, a tecnologia que amplia o comportamento nocivo nas redes deve ser apropriada também para a busca de soluções para esse problema. “É preciso abordar o assunto de forma transdisciplinar e criar instrumentos de responsabilização das plataformas, que transformaram os dados em uma nova commodity”, afirma o professor, defendendo também que as pessoas que se dedicam à desinformação sejam expostas à boa informação. “Não é caso de se criar mais polarização, a estratégia deve ser conquistar essas pessoas, em vez de rejeitá-las como inimigos.”

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Ricardo Campos: "manipulação tosca que tem impacto gigantesco contra a democracia"Raphaella Dias | UFMG

‘Euforia perigosa’
Ricardo Campos, que é especialista em direito e novas mídias e tem participado ativamente do debate sobre legislação no Brasil, alertou para a “euforia perigosa” que acompanha a defesa da regulação do mundo digital. Segundo ele, é preciso preservar os aspectos positivos das redes sociais digitais e focar no que ameaça a democracia.

De acordo com Campos, as redes sociais vêm tomando o lugar dos meios de comunicação de massa, que sempre foram alvo de preocupação e regulamentação dos Estados democráticos. “No universo digital, ainda predomina a defesa da liberdade de expressão com poucos limites, baseado na visão norte-americana dos primórdios da internet. O direito do autor já está protegido, mas as questões de natureza penal, que se relacionam à dignidade humana, estão juridicamente descobertas”, afirmou.

O professor radicado na Alemanha ressaltou que o cuidado com a dimensão coletiva da comunicação tem sido confrontado por “formas de manipulação toscas, que têm impacto gigantesco contra a democracia”. Ricardo Campos disse que é louvável, por exemplo, no que se refere ao Whatsapp, a garantia de privacidade por meio de sistemas de criptografia, mas defendeu o “esforço em busca de eficácia na responsabilização para coibir crimes”.

A íntegra do webinar está disponível no canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários no YouTube.   

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Evento teve como anfitrião o IEAT-UFMG Raphaella Dias | UFMG

    

    

  

   

Itamar Rigueira Jr.