Institucional

​Além da pandemia: dirigentes da UFMG refletem sobre o presente e 'indagam o futuro’

Sandra Goulart Almeida e reitores que a antecederam discutiram os rumos da Universidade em evento que integra programação do Congresso da Andifes

Sandra Goulart Almeida:
Sandra Goulart Almeida: união em busca de soluçõesRaphaella Dias / UFMG

Na crise provocada pela maior pandemia dos últimos 100 anos, a UFMG deve se abrir às experiências de pessoas que a comandaram em outros momentos e apreender sua visão de futuro. Foi o que defendeu a reitora Sandra Regina Goulart Almeida na abertura do encontro UFMG para além da pandemia: pensar o presente, indagar o futuro, realizado por videoconferência na manhã desta quarta-feira, dia 17. O evento integrou a programação do I Congresso da Andifes, cujas discussões têm como foco o torno do tema Realidade e futuro da universidade federal.

“A história tem muito a dizer sobre o papel fundamental da UFMG e das universidades federais no enfrentamento de outros períodos de crise”, disse Sandra, lembrando que os dirigentes estão, “como sempre, unidos na busca de soluções”. Ela informou que os ex-reitores José Henrique Santos, Vanessa Guimarães e Tomaz Aroldo da Mota Santos não puderam participar do fórum virtual e mandaram mensagens de apoio à iniciativa.

Também impossibilitado de participar ao vivo, Francisco César de Sá Barreto enviou texto que foi lido por Sandra Almeida. Reitor na gestão 1998-2002, ele afirmou que, ao mesmo tempo que provoca mortes e confinamento, destruindo o conceito de cidade, o novo coronavírus pode ser lido como “uma mensagem da natureza, em defesa da necessidade de se preservar a vida do planeta e das pessoas”.

Sá Barreto salientou, em seu texto, que a evolução humana, nos mais diversos campos, acelerada exponencialmente nos últimos tempos, não foi capaz de resolver problemas como a pobreza, preconceitos e múltiplos desequilíbrios. E destacou o papel da educação, “um bem público, direito básico e universal que promove a cidadania e inclui as minorias”. Ao formar pessoas, ressaltou, escolas e universidades ampliam as possibilidades de que os cidadãos “exerçam a paz e o respeito à natureza”.   

Após revelar que experimentou, recentemente, sentimentos de tristeza, frustração e angústia sobre o homem e seu futuro, Sá Barreto afirmou que recuperou “a atitude otimista e a confiança no poder da razão para levar a humanidade na direção correta”. Ao referir-se à UFMG, desejou “longa vida à instituição, que existe nas pessoas e para as pessoas, e é dona de uma trajetória de atuação séria, responsável e justa”.

Resiliência e empatia
Reitora da UFMG de 2002 a 2006, Ana Lúcia Gazzola abriu sua fala prestando solidariedade às famílias das vítimas da Covid-19 e à Universidade, em razão do incêndio que atingiu parte da reserva técnica do Museu de História Natural e Jardim Botânico. A respeito da “tempestade” que atinge o Brasil e o mundo, ela disse que “é preciso atravessá-la com perseverança, resiliência e empatia, construindo novos caminhos para o futuro”. 

É fundamental, segundo Gazzola, que a voz das universidades federais se faça ouvir neste momento que é dos mais graves da história. “As instituições têm legitimidade porque estão apoiadas em valores que são mais do que nunca necessários. O que fizermos e o que não fizermos agora conformará para o futuro as condições de possibilidade da sociedade e da nação. Mudanças de paradigmas que já ocorriam ganham sentido de urgência, e é preciso repensar modelos e estratégias nos campos da educação e das outras formas de interação social”, disse.

Ana Lúcia Gazzola exaltou as diversas ações da UFMG e da rede federal no combate à pandemia, em colaboração com outras instituições e o poder público. “Estamos em sintonia com esse momento, na linha de frente, mesmo com as dificuldades de orçamento e as medidas hostis que as universidades têm enfrentado. Lutamos por uma sociedade marcada por conectividade real, ética e solidariedade.”

Ao lembrar que, no Brasil, somam-se à crise sanitária as crises social, econômica e política, esta última na forma de “graves ameaças à democracia”, Ana Lúcia Gazzola defendeu a criação de um ambiente de respeito aos direitos dos cidadãos, cuidando especialmente das populações mais vulneráveis. “A base de um mundo novo deve ser o respeito ao outro e ao meio ambiente, além de uma cooperação internacional solidária que possibilite superar diferenças que nos apequenam e valorizar a diversidade que nos enriquece”, disse a reitora.

Para Gazzola, a UFMG e as outras universidades federais atuam apoiadas na crença de que “a busca do conhecimento e o uso livre da razão devem ser os alicerces da edificação da sociedade humana”. Ela enfatizou que autonomia é “a condição de possibilidade” das universidades. “Não se produz conhecimento a não ser em liberdade. E produzir conhecimento novo é esperança de intervir no presente e contribuir para o futuro”, finalizou.

Bem intangível
Ronaldo Tadeu Pena (gestão 2006-2010) assinalou que os ideais da tradição universitária no mundo, iniciada há quase mil anos, chegaram às gerações atuais como “bem intangível e inestimável” e que a história dessas instituições se confunde com o senso de independência e altivez. “As contribuições da universidade sempre foram essenciais ao desenvolvimento humano, nos campos da saúde, da ciência, da tecnologia, das humanidades, das artes e da cultura. A ampliação das fronteiras do conhecimento traz benefícios para todos”, afirmou, lamentando em seguida que o momento atual “é raro, talvez único”, no que se refere ao discurso e aos atos de “desrespeito às instituições universitárias”.

Integrante de três gestões da UFMG, como pró-reitor e reitor, Ronaldo Pena lembrou de uma fase recente em que havia recursos para investimento em ideias “excelentes e inovadoras” e em que as universidades federais tiveram total liberdade para decidir como aplicar esses recursos. Foi um tempo também, segundo ele, de ampliação de vagas e de cursos, de inclusão social nas universidades, de criação dos institutos federais e apoio a agências como Capes e CNPq. Sobre as mudanças nesse quadro, nos últimos anos, ele recomendou: “Resistamos todos, como fizeram nossos antepassados em situações difíceis, e vamos continuar pensando no futuro”.

Ao falar de futuro, Ronaldo Pena defendeu que as universidades federais aumentem cada vez mais a proximidade com o cidadão comum, mesmo aqueles que não tiveram a oportunidade de frequentar as comunidades acadêmicas. “O cidadão deve conhecer a importância das universidades, para defendê-las quando for necessário. Devem saber, por exemplo, que alguns dos melhores hospitais do país estão vinculados às universidades federais.”

Na visão de Ronaldo Pena, a participação ativa das universidades federais é condição necessária para o desenvolvimento econômico e o progresso sustentável do Brasil. “Não há motivo válido que impeça o Brasil, e, para obter sucesso, é preciso trabalhar com competência, desprendimento e generosidade, com apoio de um governo lúcido e menos burocracia”, concluiu. 

Em harmonia com a diversidade
“A universidade é um órgão do estado – e não do governo. Seu compromisso é com o conjunto da sociedade. Ela é apartidária, laica e convive em harmonia com a diversidade. Precisa ser autônoma para que possa exercer, sem interferências de grupos de interesse, sua liberdade de debate e de crítica”, disse o professor Clélio Campolina Diniz, reitor da UFMG de 2010 a 2014.

Campolina enfatizou que a universidade deve ser espaço livre para a formação e transmissão do conhecimento, com compromisso humano e social, trabalhando em prol do bem-estar geral. “Uma sociedade livre pressupõe o respeito à singularidade de cada um dos seus membros. Por isso, a UFMG se empenha em formar profissionais não só com capacidade técnica e científica, mas também com noções de cidadania e respeito ao ser humano”, sublinhou Campolina, sobre o que considera “um legado da tradição universitária”.

As universidades brasileiras, ele destacou, evoluíram significativamente em poucas décadas e tiveram grande responsabilidade na ascensão do Brasil à 14ª posição nos rankings de produção científica. Outra conquista diz respeito à adoção de instrumentos de inclusão social, como a seleção pública pelo Enem e pelo sistema de cotas – medidas que ele chamou de “tentativas de superar a marginalização construída ao longo da história”.

Para Campolina, no entanto, esses avanços compõem hoje uma situação “paradoxal”. “O Brasil tem grandes potencialidades para o desenvolvimento econômico e da sociedade, com liberdade e criatividade. Por outro lado, vivemos uma crise muito grave”, disse. Em seu entendimento, o país caminha na contramão dos melhores exemplos mundiais em relação a seu sistema acadêmico. “A postura do ministro da Educação, que deveria ser o guardião do sistema de Ciência e Tecnologia, é de desinteresse. Isso nos traz preocupação e redobra nossa responsabilidade", afirmou o professor da Faculdade de Ciências Econômicas.

No sentido horário, Sandra Goulart Almeida, Ana Lúcia Gazzola, Clélio Campolina, Ronaldo Pena, Jaime Ramírez e a intérprete de Libras Luciene Viana
No sentido horário, Sandra Goulart Almeida, Ana Lúcia Gazzola, Clélio Campolina, Ronaldo Pena, Jaime Ramírez e a intérprete de Libras Luciene Viana Raphaella Dias / UFMG

Compromisso inegociável
Reitor da UFMG entre 2014 e 2018, o professor Jaime Arturo Ramírez elencou “a insistência na liberdade de ensino, a busca do novo e a defesa do caráter público” como princípios que caracterizam a UFMG desde a sua fundação. “A gestão sempre colegiada e transparente, o respeito à diversidade e a valorização das diferenças são alguns de nossos compromissos inegociáveis”, disse o docente.

Jaime Ramírez criticou a atuação do governo federal, que, em sua opinião, “nega o conhecimento e adota políticas obscurantistas”. “A UFMG não é pública somente em virtude da sua vinculação com o Estado, mas também porque não se submete a quaisquer interesses que se oponham à sua identidade, marcada pela lealdade histórica à razão, pelo debate argumentado, pela capacidade de escuta e de pensamento crítico”, sublinhou.

Ramírez também abordou alternativas que podem ser incorporadas à rotina da UFMG durante o período em que se buscará uma volta gradativa à normalidade. Ele ressaltou que o distanciamento social é uma realidade de duração indefinida. Diante desse desafio, a instituição deverá, em seu entendimento, favorecer a maior prevalência de atividades de ensino não presenciais e a adaptação, quando possível, da rotina dos servidores técnico-administrativos para o sistema de home office. “Não sabemos o quanto a pandemia vai durar, nem quando teremos vacina ou quando ela poderá ser administrada em larga escala. Também não sabemos muito sobre a capacidade de imunização de uma pessoa já infectada. Espero que a UFMG atue como ‘um farol’ ao avaliar e indicar as melhores soluções para o ensino e o trabalho remoto”, ponderou.

Muitos segmentos do setor privado, como lembrou Jaime Ramírez, já têm adotado a modalidade de trabalho a distância. Para ele, cabe à Universidade aproveitar a oportunidade de reflexão e apresentar propostas que possam ser incorporadas permanentemente ao seu cotidiano. “Os jovens da nossa instituição e aqueles que ingressarão na UFMG a partir do próximo ano merecem esse debate interno”, defendeu.

O encontro foi transmitido pelo canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) no YouTube, onde também está disponível na íntegra.

Três momentos
O objetivo da primeira edição do Congresso da Andifes é apresentar à sociedade a experiência e as reflexões de cada uma das universidades federais sobre os impactos provocados pela pandemia do novo coronavírus.

A programação do evento foi dividida em três momentos. Na manhã desta quarta, cada universidade promoveu uma síntese dos reflexos da pandemia, medidas de enfrentamento e cenários possíveis de retomada da normalidade em cada instituição.

Nesta tarde, os colégios e fóruns da entidade promovem debates transversais, centrados em cada uma das dimensões de atuação da Andifes – extensão, pesquisa, planejamento, gestão, tecnologias da informação, comunicação, assistência estudantil, entre outros.

Vídeo produzido pela Andifes traz um panorama das ações desenvolvidas pelas Instituições Federais de Ensino (Ifes) no combate à Covid-19. No caso da UFMG, as ações destacadas são o desenvolvimento de teste diagnóstico baseado na metodologia Elisa e de vacina em parceria com a Fiocruz.

Na manhã desta quinta, 18, a partir das 8h30, será apresentada à plenária da Andifes uma síntese das discussões do primeiro dia, com a presença de reitores, pró-reitores e convidados. O evento será encerrado com conferência do filósofo e professor da Unicamp Roberto Romano. Ele falará, a partir das 17h, sobre o impacto da pandemia nas relações humanas e políticas no Brasil.

Itamar Rigueira Jr. e Matheus Espíndola