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Antônia Vitória Aranha recebe Prêmio Magda Soares, da Faculdade de Educação

Iniciativa reconhece os 30 anos dedicados pela professora ao ensino, à pesquisa, à extensão e à gestão universitária

Antônia Vitória Soares Aranha: 30 anos dedicados ao ensino, pesquisa e extensão
Antônia Aranha, na semana passada, em discurso em homenagem ao irmão Idalísio Soares Aranha, morto pela ditadura militarFoto: Jebs Lima | UFMG

Nesta quarta-feira, 2 de outubro, a professora aposentada da Faculdade de Educação Antônia Vitória Soares Aranha será homenageada com o Prêmio Magda Soares, em solenidade no Auditório Neidson Rodrigues, a partir das 19h. Durante o evento, o professor Antônio Nóvoa, primeiro docente a ocupar a Cátedra Magda Soares da Educação Básica, vai ministrar a conferência A pesquisa, a educação e a formação de professores.

António Nóvoa antecipa que vai “estabelecer um diálogo entre os trabalhos da docente homenageada e a necessidade de novas políticas institucionais de formação de professores no âmbito da Universidade, em relação institucionalizada com as escolas de educação básica das redes públicas, assumidas como escolas formadoras".

“O Prêmio Magda Soares, criado em 2015, é uma homenagem aos professores e às professoras aposentadas que se destacaram ao longo de sua trajetória acadêmica nas atividades de pesquisa, ensino e extensão, ou por ter ocupado posições em associações científicas, governamentais e não governamentais da área da educação”, afirma a professora Michele de Sá, coordenadora do Núcleo de Assessoramento à Pesquisa (NAPQ) da Faculdade de Educação.

“A professora Antônia Aranha foi escolhida por atender a todos os critérios, ou seja, ela faz jus ao prêmio por sua vasta experiência na área da Educação com ênfase em Trabalho e Educação, atuando principalmente em temas como formação profissional, mercado de trabalho, subjetividade do trabalhador e gestão educacional”, acrescenta Michele.

Antônia Aranha foi docente por 30 anos na FaE, onde também ocupou os cargos de coordenadora do Centro de Extensão (2000), vice-diretora (2002-2006) e diretora (2006-2010) da unidade. De 2010 a 2014, foi pró-reitora de Graduação e também ocupou outras funções relevantes na Universidade, como a presidência do Conselho Acadêmico da Copeve e da Câmara de Graduação. A docente homenageada foi uma das fundadoras e a primeira coordenadora do Núcleo de Estudos em Educação e Trabalho (NET). Como professora de pós-graduação, orientou 17 dissertações e 16 teses e participou de 57 bancas de defesa de mestrado e 20 de doutorado.

Antônia Aranha formou-se em Química pela UFMG, em 1979, tem mestrado em Educação (1993) pela própria FaE, doutorado pela PUC-SP e residência pós-doutoral pela Uerj. Atualmente, integra o coletivo Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça,Reparação e Democracia, que reúne familiares de mortos e desaparecidos pela ditadura militar.

Em entrevista ao Portal UFMG, a professora fala de sua trajetória acadêmica na Universidade e de suas convicções políticas baseadas em liberdade, democracia e justiça social, que ela afirma ter herdado da família formada por nove irmãos, um deles o estudante de psicologia da UFMG Idalísio Soares Aranha Filho, morto pela ditadura militar aos 24 anos de idade, na Guerrilha do Araguaia  

Conte-nos um pouco sobre sua história de vida, sobre sua origem familiar até a sua opção pela graduação em Química, na UFMG.
Eu sou do Vale do Jequitinhonha, nasci em Rubim, mas minha família mudou-se para Belo Horizonte quando eu tinha acabado de completar sete anos. Lá em Rubim não tinha a oferta do ensino médio, e meu pai fazia muita questão que os filhos estudassem. Então, resolveu se mudar para Belo Horizonte para facilitar nosso acesso aos estudos. Sou de uma família muito especial, ligada às questões políticas, à liberdade e à justiça social. O meu irmão Felipe Aranha fez o Seminário em Araçuaí e foi um dos fundadores do primeiro sindicato dos trabalhadores rurais de Minas. No período da ditatura militar, ele foi muito perseguido e só não foi preso porque houve a intervenção do bispo Dom José Maria Pires, conhecido como Dom Pelé. Com a nossa mudança para Belo Horizonte, meus irmãos, especialmente o Anatório e depois o Idalísio, passaram a participar ativamente do movimento estudantil.  

Minha escolha pela Química se deu de forma meio aleatória. Eu tinha feito o curso de magistério no Instituto de Educação e fui ótima aluna na disciplina, encantei-me pela química. Fiquei até na dúvida se faria química ou enfermagem, mas optei pela química. Não me arrependi. O curso era pesado, fiz o bacharelado, e a tendência seria me fixar no ICEx. Mas, como comecei a dar aulas para o ensino médio, até por questão de sobrevivência, fui me envolvendo cada vez mais com a educação.

Qual sua percepção sobre o contexto atual do país, ainda em luta pelo amadurecimento da democracia e, sobretudo, do esforço das universidades públicas em defender esse direito, que se estende ao direito de acesso à educação superior pública e gratuita? 
Acho que a gente está vivendo uma situação muito delicada, quase no fio da navalha. Se, por um lado, foi muito importante eleger o presidente Lula para evitar que o bolsonarismo e o fascismo se consolidassem no Brasil, a situação ainda é muito delicada. Temos um Congresso muito reacionário e heranças muito complicadas, como as do Banco Central. Então, seja do ponto de vista econômico ou do ponto de vista político, a gente vive no fio da navalha para tentar resgatar e consolidar conquistas importantíssimas, como o Bolsa Família e a Política de Cotas. Por outro lado, precisamos responder aos ataques diretos à democracia, algo que não está acontecendo somente no nosso país, mas também na Europa, com o recente avanço do fascismo, e aqui na América Latina, com exemplos de racionalismos extremos, como do governo Milei, na Argentina, e também no Equador. É preciso muito equilíbrio para não intensificar e empurrar a situação brasileira para o fascismo e, ao mesmo tempo, avançar nas conquistas populares.

Antônia Aranha, em 2012, quando era pró-reitora de Graduação
Antônia Aranha, em 2012, quando era pró-reitora de Graduação Foto: Foca Lisboa | UFMG

Sobre sua chegada à Faculdade de Educação, há 30 anos. Logo que começou como docente, a senhora criou o Núcleo de Estudos sobre Educação e Trabalho (Nete). Como avalia o papel das universidades e sua contribuição na formação de profissionais para o mercado de trabalho?
O trabalho é uma temática que me absorve, à qual me dediquei muito, tanto na criação do Núcleo Educação e Trabalho – fui sua primeira coordenadora –quanto nas minhas pesquisas. Meu doutorado foi sobre modelos de competências na Fiat e, antes disso, já tinha participado de uma pesquisa sobre a mesma temática, na Cemig, logo que entrei para a FaE. Isso é muito caro para mim. Em relação à contribuição na formação profissional, acredito que é preciso desmitificar e não achar que a força de trabalho do país e a inserção profissional se resolvem só com a formação profissional. Claro que ela é fundamental, mas tem outros condicionantes, como a própria questão econômica e a questão das liberdades, o que passa pela atuação dos sindicatos para garantir conquistas para os trabalhadores. São condições decisivas na questão da formação e da inserção profissional. Eu problematizo muito a questão da formação do ponto de vista do que poderíamos chamar de aspectos pedagógicos. O que é mesmo a formação profissional? Ela se dá somente na escola, em outros ambientes ou mesmo nos processos de trabalho?

Antonia Vitória Aranha, em 2006, quando assumiu a direção da Faculdade de Educação
Antonia Vitória Aranha, em 2006, quando assumiu a direção da Faculdade de Educação Foto: Foca Lisboa | UFMG

A senhora atuou também na coordenação do Cenex, foi vice-diretora e diretora da FaE e pró-reitora de Graduação da UFMG. Participou de mudanças importantes nas políticas de ações afirmativas da Universidade, como o bônus, a Lei de Cotas, a adesão da Universidade ao Enem. Fale um pouco sobre a relevância dessas políticas e de seu papel na inclusão e redução das desigualdades de acesso à universidade pública.
Desde que me inseri na Universidade, nunca fui uma pesquisadora tradicional. Entendi que a pesquisa está muito relacionada a outros aspectos da Universidade, entre eles, a questão administrativa, que não é só burocrática, mas deve ser vista num contexto mais amplo, como algo que faz avançar, que delimita e colabora ou não para a concretização de outros aspectos da vida universitária. Dessa forma, fui coordenadora do Nete e, logo que retornei do doutorado na PUC-SP, fui coordenadora do Cenex e do Profae, programa muito importante para minha formação. Foi um programa do Ministério da Saúde, do qual a FaE participou junto com a Escola de Enfermagem para a formação de profissionais da área de enfermagem. Essa experiência foi muito significativa. Viajei o país inteiro para problematizar essa formação e os seus saberes fundamentais, além de refletir sobre o perfil do profissional auxiliar de enfermagem. Esse programa me ajudou a entender que a questão administrativa não é isolada, meramente burocrática, mas está vinculada a outros aspectos muito importantes da vida universitária. Depois fui vice-diretora e, em seguida, diretora da Faculdade. Por fim, fui pró-reitora de Graduação. Sempre tive o entendimento de que a administração é decisiva, complexa e deve ser vista por essa ótica. E assim não descuidei de outros aspectos de minha participação e envolvimento acadêmico. Ainda como pró-reitora, eu me tornei professora titular. Dentro dessa compreensão, não basta estar em cargo administrativo, mas temos que entendê-lo em suas múltiplas dimensões.

Que outros aspectos destacaria?
Como diretora da FaE ajudei a criar, consolidar e institucionalizar dois cursos que julgo de máxima importância para a inclusão na Universidade – a Formação Intercultural para Educadores Indígenas, Fiei, e a Licenciatura do Campo, Lecampo. Esses dois cursos foram oferecidos, inicialmente, como formações temporárias. Aí veio o Reuni, e cada escola definia como se integrar e participar. A FaE poderia ter participado apenas recebendo o que as outras unidades da UFMG definiam, porque o impacto nas licenciaturas foi muito grande. Então, a gente poderia simplesmente ampliar nossas vagas por meio da oferta de licenciaturas tradicionais. Mas decidimos que seria diferente, que a gente iria intensificar nossa participação, consolidando e institucionalizando, tornando permanentes estes dois cursos.

Como pró-reitora da Graduação, participei ativamente da ampliação do Reuni, que exigiu muito da Prograd, porque, para muitos cursos, ampliar vagas significava ampliar número de docentes e de técnico-administrativos e a infraestrutura das unidades e também ficar atento às questões da assistência estudantil. Boa parte dos cursos do Reuni foram criados no turno da noite, horário em que a Universidade tinha deficiência na oferta de restaurantes, cantinas e seções de ensino. Mas entendíamos que esses cursos noturnos não poderiam se tornar subcursos, eles deveriam ter garantia de qualidade. A gestão de que participei foi responsável pela implantação da Lei de Cotas. Antes, já tinha participado ativamente da  implantação do bônus na UFMG, quando era diretora da FaE, na gestão do reitor Ronaldo Pena. Naquela época se discutiu um bônus social, de 10% a mais na pontuação alcançada por alunos de escola pública no vestibular. Já então eu já participava ativamente das ações afirmativas, e então fizemos a contraproposta de que houvesse o bônus racial de 15% para alunos de escolas públicas autodeclarados negros. Assim, o bônus social racial foi aprovado. Depois disso, como pró-reitora, coube a mim e aos meus colaboradores avaliar o impacto desse bônus nos cursos de graduação da UFMG e, posteriormente, implantar a Lei de Cotas. Foram muitos desafios, mas minha atuação administrativa teve um viés muito importante para democratizar o acesso à Universidade e ampliar a presença de alunos pobres. É uma das coisas que mais me honram.

Qual seu sentimento em relação à indicação para receber o Prêmio Magda Soares?
É motivo de muita alegria e emoção receber essa honraria, uma das mais importantes da FaE e, ouso dizer, uma das maiores da Universidade. Magda Soares foi uma grande pesquisadora, uma grande educadora. E receber um prêmio que leva seu nome é o reconhecimento da minha trajetória como professora, gestora e pesquisadora de uma temática muito relevante. Educação e trabalho são dimensões que constroem o ser humano, com todas as suas contradições e complexidades. Esse prêmio é um reconhecimento da minha trajetória e a valorização dessa temática. Só tenho a agradecer, com muita emoção.

Teresa Sanches