Ensino

António Nóvoa defende a escola como local de trabalho para os alunos

Em conferência no auditório da Reitoria, especialista português indicou caminhos para a transformação da educação básica no século 21

António Nóvoa é referência mundial na formação de professores
António Nóvoa é referência mundial na formação de professores Foto: Raphaella Dias | UFMG

Os pilares que podem gerar melhorias na educação foram abordados na conferência Futuros da educação: universidade e escola, ministrada pelo reitor honorário da Universidade de Lisboa e referência mundial na formação de professores, António Nóvoa. A conferência, realizada na tarde desta quarta-feira, 16, no auditório da Reitoria, integrou a agenda do reitor honorário português que, na parte da manhã, havia se reunido com a reitora Sandra Regina Goulart Almeida e com dirigentes de instituições públicas de ensino superior sediadas em Minas Gerais.

Nóvoa iniciou a conferência salientando que o futuro da educação é um tema que preocupa a todos porque a sociedade tem deparado com mudanças tecnológicas que geram um ‘novo normal’. Entretanto, segundo o pesquisador, o ‘novo normal’ é muito semelhante ao ‘antigo normal’, uma vez que “apesar das mudanças digitais, a base da educação não mudou. O que ocorreu foi um aumento da tendência mercantilista e produtivista da educação, além de uma crescente indiferença com a educação básica, que acaba, muitas vezes, sendo deixada de lado.”

O educador afirmou que as universidades não deveriam existir apenas como local onde são ministradas aulas ou realizadas pesquisas. Nóvoa então explicou que é necessário o desenvolvimento de três pilares para guiar a transformação educacional: a educação deve ser vista como bem público; a educação deve se portar como algo aberto e de conhecimento público; e a ciência deve estar ligada à cidadania e ao compromisso público.

“Darcy Ribeiro já dizia que a educação pública é a melhor invenção do mundo, então proteger essa educação é fundamental. Pode parecer simplista, mas é um ponto de partida antes de qualquer reflexão que vise à transformação”

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Nóvoa: estudantes como produtores do conhecimento e sujeitos do processo educacionalFoto: Raphaella Dias | UFMG

Duas imagens
Em um segundo momento da conferência, Nóvoa apresentou duas imagens e estimulou o público a refletir sobre elas. Na primeira, havia uma sala de aula tradicional, com o professor à frente de um quadro-negro e os alunos sentados em fileiras de carteiras, apenas ouvindo o que ele dizia. A segunda imagem trazia uma sala de aula diferente. Nela, os alunos estavam sentados em grupos e trabalhavam em conjunto com o professor. Eles não eram mais ouvintes, e sim produtores de conhecimento e sujeitos do processo educacional.

As imagens, explicou Nóvoa, representam a ideia da escola como um local de trabalho dos alunos, ou seja, um ambiente onde estudam, pesquisam e escrevem. Segundo o pesquisador, a ideia do trabalho deve ser central para a transformação da educação no século 21. "Para isso, novos ambientes educativos devem ser criados”, disse.

António Nóvoa explicou que a visão da educação como local de trabalho foi corroborada em reunião realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no ano passado. O encontro gerou um relatório que traz cinco ideias-chave para o futuro da educação: cooperação pedagógica para criar condições de aprendizagem mútua entre os alunos; convergência dos saberes nos currículos; colaboração na formação dos professores; convivialidade nas escolas; capilaridade, ou seja, a extensão da visão da escola como espaço público de educação.

“Gostaria de frisar duas dessas ideias, que são a convivialidade e a capilaridade. A primeira é essencial porque o ambiente escolar, ao contrário do que muitos têm pregado, não pode ser substituído pelo ambiente familiar, pois este é feito pelos iguais e não possibilita o convívio com o diferente, o que é essencial para o desenvolvimento das pessoas. Já a capilaridade pode ser relacionada ao conceito de ‘cidade educadora’ de Paulo Freire. Trata-se da educação como parte do espaço público”, disse.

Pesquisador explicou os três pilares essenciais para a formação de professores
Nóvoa indicou os três pilares essenciais para a formação de professores Foto: Raphaella Dias | UFMG

Formação de professores
Outro ponto abordado por António Nóvoa durante a conferência foi a importância da formação de professores para a transformação da educação. O professor contou que a primeira preocupação que lhe vem à cabeça é o desuso da palavra ‘professor’, que vem sendo substituída por ‘facilitador’, ‘tutor’ e ‘gestor’. Nóvoa afirmou que esse desuso é um dos indícios da diminuição da presença forte, organizada e institucional da profissão.

Segundo ele, a formação dos professores deve ser universitária, e não em nível médio ou técnico. Além disso, deve estar alicerçada em três pilares principais. Em primeiro lugar, precisa se basear em um conhecimento profissional docente. Em segundo, essa formação deve se desenvolver no seio de um coletivo de professores. Finalmente, ela  deve ocorrer em um espaço institucional próprio.

O primeiro pilar trata do fato de que o professor deve conhecer não somente a disciplina que leciona, como matemática ou português, por exemplo, mas também a docência em si. O segundo pilar trata da existência de um terceiro ator no processo de formação de professores, além do professor da disciplina que o futuro profissional vai lecionar e do professor de técnicas de didática. Esse terceiro ator seria o professor da educação básica, que deve estar no centro da universidade e dentro do espaço de formação.

“Já o terceiro pilar indica a necessidade de um novo lugar na formação de professores. Já existem a instituição de ensino superior e as escolas básicas e secundárias, porém surge a necessidade de um novo espaço institucional para a formação desses profissionais.”

António Nóvoa finalizou a conferência afirmando que o novo modelo para a formação de professores deve, então, estar centrado na sintonia entre comunidades, escolas, universidades, autoridades públicas e associações de professores. “Esse modelo atrairia os jovens para a carreira de professor e valorizaria as licenciaturas, o trabalho colaborativo e as políticas públicas”, concluiu. 

Professores, estudantes, pedagogos e secretários de educação participaram da conferência, que lotou o auditório da Reitoria
Professores, estudantes, pedagogos e secretários de educação participaram da conferência, que lotou o Auditório da Reitoria Foto: Raphaella Dias | UFMG

Luana Macieira