Audiência na Câmara dos Deputados discute ‘confisco’ de recursos das universidades
Reitora Sandra Goulart expôs, nesta quinta-feira, a crise orçamentária que impede as instituições de arcarem com despesas básicas
O novo bloqueio orçamentário que impede as universidades e institutos federais de arcarem com o pagamento de serviços já realizados, como água, luz, telefonia e contratos de profissionais terceirizados, e a Capes de pagar cerca 200 mil bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado foi discutido em audiência pública realizada nesta quinta-feira, 8 de dezembro, na Câmara dos Deputados.
A reunião da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, convocada por requerimento do deputado federal Rogério Correia (PT-MG), contou com dirigentes das universidades, dos institutos federais e de entidades representativas de estudantes e servidores. A reitora Sandra Regina Goulart Almeida representou a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Definindo o bloqueio como um “confisco de recursos das universidades, dos institutos e da Capes”, o deputado Rogério Correia alertou que, se providências não forem tomadas de imediato, o problema se estenderá para o ano que vem. “Do ponto de vista orçamentário, a educação brasileira precisa de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões para funcionar minimamente em 2023”, calculou o deputado, que também integra a Comissão de Educação da Casa.
Em seu pronunciamento, o parlamentar mineiro defendeu a aprovação da PEC do Bolsa Família, também chamada de PEC da Transição, que exclui o programa social do teto de gastos, abrindo espaço no orçamento federal para a execução de outros programas e para a própria área de educação – do ensino infantil até o superior. A PEC, que foi aprovada em dois turnos nesta quarta-feira, dia 7, no Senado Federal, será apreciada na semana que vem na Câmara dos Deputados.
A deputada Rosa Neide (PT-MT) disse que o último bloqueio, efetuado em 1º de dezembro, pegou a comunidade acadêmica brasileira de surpresa. “Esperava-se que ao menos fossem mantidos os recursos disponíveis para honrar os compromissos assumidos”, disse a deputada. A parlamentar, que integra o grupo de transição da área de educação, criticou a forma como o orçamento vem sendo conduzido. “Não há o menor controle por parte do Ministério da Educação. Tudo está centrado no Ministério da Economia”, destacou. “É uma situação gravíssima, com forte impacto na vida das pessoas, que poderão passar o Natal e o Ano-novo sem dinheiro para cumprir minimamente com seus compromissos".
Momento mais difícil
A reitora Sandra Goulart Almeida fez uma contextualização da situação orçamentária. “É o momento mais difícil de nossa história”, disse a reitora, que ressalvou: “Mas não se trata de uma crise das universidades, que vão muito bem. A crise é orçamentária e financeira".
Sandra Goulart afirmou que, nos últimos 13 anos, as universidades ficaram “maiores, melhores e mais inclusivas”. Em relação ao último aspecto, a reitora da UFMG destacou que 50% de seu alunado hoje ingressa pelo sistema de cotas. “São pessoas que precisam de apoio para permanência, o que torna o orçamento, que é equivalente ao de 2008, ainda mais insuficiente”, disse a reitora.
A dirigente classificou como “inédita” a situação imposta pelo bloqueio de 1º de dezembro, que foi efetuado horas depois da liberação dos recursos que haviam sido contingenciados em 28 de novembro. Os bloqueios anteriores impediam novos empenhos, mas permitiam que serviços já realizados fossem pagos. “Dessa vez, tínhamos autorização para pagar, e o recurso financeiro foi recolhido”, informou.
Além de não conseguir pagar contas de água, luz, telefonia e contratos de terceirizados, as universidades ficaram sem dinheiro para pagar bolsas acadêmicas e de assistência estudantil. “No Brasil, 500 mil pessoas dependem da assistência estudantil. Isso impacta toda a sociedade. São pessoas que não têm como comer, pagar moradia e transporte. Pertencem a famílias que ganham até 1,5 salário mínimo. Dependem demais desse recurso”, lamentou a reitora.
“É uma situação insustentável, que vai desembocar no orçamento de 2023, que será 20% menor do que o deste ano. Como começar o ano com esse déficit orçamentário?” questionou a dirigente, lembrando que, no caso da UFMG, esse déficit é de, no mínimo R$ 16 milhões.
A reitora concluiu sua fala com um desabafo. “É inaceitável como as universidades estão sendo tratadas depois de tudo que fizeram pela sociedade. Nossas instituições trabalharam muito na pandemia e, no caso das universidades mineiras, tiveram uma atuação destacada nas tragédias de Mariana e Brumadinho. Nós não apenas formamos pessoas. Também atendemos demandas do poder público e da sociedade. Não se faz isso com instituições que são patrimônio do país”, avaliou.
Encaminhamento
Após a fala de Sandra Goulart, a plateia que lotou duas salas do Anexo II da Câmara dos Deputados se manifestou com gritos de “a educação não é mercadoria”.
No encerramento, o deputado Rogério Correia informou que remeterá ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), cópia do vídeo da audiência e documentos que atestam a difícil situação financeira da educação superior brasileira. Nesta quarta-feira, dia 7, o ministro estipulou prazo de 72 horas para que o governo federal preste informações sobre o decreto que bloqueia os recursos destinados ao pagamento das bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado da Capes. Toffoli é o relator de ação da União Nacional dos Estudantes (UNE), da Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) que pede a liberação dos recursos.
A gravação da audiência está disponível no site da Câmara dos Deputados: