Pesquisa e Inovação

Carne de frango é cultivada em laboratórios do ICB e do Cefet

Tecnologia pode ser adaptada na reprodução de tecido humano para enxertos e como alternativa a testes de medicamentos em animais

Carne cultivada sendo frita no laboratório
Carne em processo de fritura no laboratório Foto: Acervo da pesquisa

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG e do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) isolaram células-tronco do tecido muscular do frango e as reproduziram em laboratório, gerando, em apenas duas semanas, um pequeno pedaço de carne muscular. O estudo é liderado pelas professoras Erika Cristina Jorge e Luciana Andrade, ambas do Departamento de Morfologia do ICB.

“Isolamos o que chamamos de ‘células satélites’, que nada mais são do que células-tronco presentes em todo músculo. Exploramos o potencial dessas células por meio do cultivo, oferecendo a elas os nutrientes necessários para sua proliferação”, explica Érika Jorge. 

Segundo ela, todo o processo de “produção” da carne ocorre sem alteração genética das células. “Quando fazemos academia, pensando na hipertrofia muscular, ou quando nos machucamos, os músculos se proliferam por meio de regeneração. O método que desenvolvemos baseia-se nessa lógica, ou seja, usamos a capacidade natural das células musculares para gerar um novo tecido”, explica Érika Jorge.

Da esquerda para a direita, pesquisadores envolvidas no projeto: Erika  Cristina Jorge e Luciana de Oliveira Andrade, da UFMG, e Aline Bruna da Silva, do Cefet
Da esquerda para a direita: Erika Cristina Jorge e Luciana de Oliveira Andrade, da UFMG, e Aline Bruna da Silva, do Cefet Foto: acervo pessoal 

A produção de carne de frango ainda está em âmbito laboratorial, e a professora destaca que, caso o estudo evolua para o cultivo de carne em larga escala para consumo, o processo terá que ser feito em biorreatores industriais. 

Biomaterial
A participação dos pesquisadores do Cefet foi essencial para o estudo, porque eles desenvolveram o biomaterial que possibilita a proliferação das células musculares. Segundo Erika Jorge, o uso desse biomaterial é inédito, e as células se reproduzem quando colocadas sobre ele.

“Sem o biomaterial desenvolvido no Cefet, as células musculares não crescem a ponto de formar carne em condições de cultura. Alguns grupos estão fazendo pesquisas parecidas ao redor do mundo para o cultivo de carne de boi, e aqui estamos pesquisando apenas a carne de frango. Nossa intenção é desenvolver um alimento que possa ser consumido por pessoas que queiram ingerir proteína de origem animal não resultantes de abate, de desmatamento e da exploração irracional de recursos naturais", anuncia a professora do ICB.

Apesar de considerada segura para a alimentação humana, a carne cultivada pelo grupo do ICB ainda deve demorar para chegar ao mercado, visto que o consumo desse tipo de produto ainda não é regulamentado no Brasil.

Outras aplicações
Além do consumo, a tecnologia desenvolvida na UFMG pode ter outras aplicações, como a geração de tecido humano para enxertia e testes de fármacos em animais. No primeiro caso, são necessárias amostras do tecido muscular do paciente que receberá o enxerto.

Carne cultivada na cultura celular em laboratório
Carne cultivada na cultura celular em laboratório Foto: divulgação

“Esse método pode ser usado nas situações em que a pessoa sofre um acidente ou lesão tão grande que suas células-tronco residentes não conseguem se regenerar sozinhas. No caso de testes de fármacos, podemos reproduzir as células animais e pôr os medicamentos em contato com elas, poupando o animal dos testes mais invasivos”, explica a professora do ICB. 

A pesquisa de cultivo de carne de frango em laboratório é integralmente financiada pelo The Good Food Institute, organização internacional sem fins lucrativos que oferece apoio financeiro a estudos destinados à inovação do setor de proteínas alternativas. O investimento é da ordem de 250 mil dólares. “A primeira carne feita em laboratório foi produzida na Inglaterra, em 2010, e custou cerca de 330 mil dólares. Esse tipo de estudo costuma ser caro, mas pode gerar vários tipos de benefícios para a sociedade”, conclui a professora Erika Jorge.

Luana Macieira