Com nova pró-reitoria, UFMG reforça dimensão transversal da cultura
Aprovada pelo Conselho Universitário, criação da Procult estava prevista no Plano de Desenvolvimento Institucional
Duas décadas depois de sua criação, a Diretoria de Ação Cultural (DAC) mudou de status, transformando-se na Pró-reitoria de Cultura (Procult), conforme resoluções aprovadas pelo Conselho Universitário no último dia 2 de junho e publicadas na edição 2.016 do Boletim. A UFMG torna-se, portanto, uma das quatro universidades brasileiras a contar com uma pró-reitoria exclusiva para a área. Somente as universidades federais de Juiz de Fora (UFJF) e do Cariri (UFCA) e a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) mantinham estruturas semelhantes.
A transformação da DAC ‒ até então órgão assessor da Reitoria ‒ em uma pró-reitoria já estava prevista no Plano de Desenvolvimento Institucional da UFMG (PDI) desde 2013 e era um sonho acalentado há quase 16 anos. O processo de estruturação da mudança foi iniciado há oito anos, o que incluiu uma reforma administrativa e a incorporação da gestão dos espaços culturais vinculados à Reitoria. “A DAC já vinha sendo estruturada para cumprir esse papel”, enfatiza o professor Fernando Mencarelli, vinculado à Escola de Belas Artes (EBA). Ele está à frente da DAC desde 2019, depois de ter sido diretor adjunto no período de 2014 a 2015 e coordenador do Campus Cultural UFMG em Tiradentes, em 2018. Agora, assume o cargo de pró-reitor de Cultura.
Uma das primeiras medidas a serem tomadas pela nova pró-reitoria será a criação do Conselho de Política Cultural, de caráter consultivo, que vai assessorar a elaboração da Política Cultural da UFMG e de um Plano Plurianual de Cultura, por meio de consulta pública, assim como na sua execução. A Procult dará continuidade ao Fórum UFMG de Cultura, realizado desde 2014, caracterizado pela permanente interlocução com a comunidade ‒ em 2021, por exemplo, foi realizado ciclo de 13 fóruns temáticos preparatórios para a elaboração do Plano de Cultura.
A pró-reitora adjunta Mônica Ribeiro, também professora da EBA, lembra que no ano passado foi realizado o primeiro mapeamento cultural da UFMG, cujos resultados devem ser apresentados no início de julho. “Tivemos uma participação expressiva da comunidade acadêmica, e os resultados são muito interessantes. Eles indicam forte presença de estudos dos saberes tradicionais, indígenas e de matriz africana, muitas atividades artísticas e a participação expressiva de estudantes se reconhecendo como agentes culturais”, antecipa.
Segundo ela, o mapa deve ser considerado como o “retrato de um instante” produzido pelas pessoas e grupos que se reconheceram como agentes culturais em determinado momento. “Trata-se de um mapa que reflete um contínuo processo de construção e precisa, portanto, ser atualizado e alimentado. É imprescindível para a construção de uma política pública de cultura na Universidade”, defende a professora.
Ecossistema capilarizado
A dimensão cultural se funde à própria história da constituição da UFMG como Universidade. Um marco importante dessa interseção remonta à incorporação, há 60 anos, do Conservatório Mineiro de Música, instalado na Avenida Afonso Pena, com grande influência na vida cultural de Belo Horizonte. O espaço sediou a Escola de Música até 1997, quando a unidade foi transferida para o campus Pampulha. Hoje, o antigo edifício tombado como patrimônio arquitetônico pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) integra a complexa rede de espaços de cultura agora sob gestão da Procult.
Além do Conservatório UFMG, integram a rede o Centro Cultural, o Espaço do Conhecimento e o Campus Cultural UFMG em Tiradentes, onde está instalado o Museu Casa Padre Toledo, bem cultural construído no século 18 que recebeu 20 mil visitantes em 2019.
Segundo Mencarelli, um novo ambiente será inaugurado em breve no prédio da Biblioteca Central, no campus Pampulha. Lá será instalado espaço destinado ao acervo artístico da Universidade ‒ conjunto que reúne 1,7 mil obras hoje distribuídas em várias unidades, das quais cerca de 300 estão sob a guarda da Procult ‒, com reserva técnica aberta à visitação pública. “Além dos espaços culturais vinculados à Reitoria por meio da Procult, a UFMG tem um ecossistema cultural muito rico e capilarizado, que será diretamente beneficiado por uma política cultural definida de forma participativa e continuamente atualizada”, afirma.
Além da programação contínua de seus espaços culturais, a Procult realiza programas, projetos e eventos artístico-culturais, como o Festival de Inverno, o Festival de Verão, a Feira do Jequitinhonha e o Circuito Cultural, com programação nos campi Pampulha, Saúde e Montes Claros. Também promove ações formativas, como a Formação Transversal em Culturas em Movimento e Processos Criativos. Durante a pandemia, as atividades culturais tiveram continuidade no ambiente virtual e atingiram a marca de 500 mil acessos e 1,5 milhão de pessoas alcançadas nas redes sociais digitais ao longo de 2021.
A reitora Sandra Regina Goulart Almeida afirma que a criação da Procult reflete o entendimento segundo o qual a cultura é uma dimensão transversal na UFMG, parte integrante do processo de formação dos estudantes que está na base do compromisso institucional da Universidade com a sociedade. "A universidade tem um compromisso com a educação, a ciência e a cultura. Nós a entendemos como uma instituição cultural de grande relevância para nossa cidade, nosso estado e nosso país. Nesse sentido, a transversalidade da cultura está presente em todas as áreas do conhecimento ‒ ela é, em si, conhecimento", afirma Sandra Goulart.
Na avaliação da reitora, a UFMG dá um passo importante na validação da cultura como campo de conhecimento, fundamental na formação cidadã de seus estudantes e de toda a comunidade que a envolve, como direito fundamental assegurado na Constituição de 1988. “A cultura atravessa vários desafios em que a universidade contemporânea se coloca e que são colocados para ela”, afirma.
Para o pró-reitor Fernando Mencarelli, esse ‘atravessamento’ também se expressa na relação com outros agentes culturais da comunidade, como associações e projetos comunitários, na presença em diferentes territórios, não só urbanos, mas também junto às culturas mais periféricas, no interior de Minas Gerais e do Brasil. “Outro aspecto fundamental é a transversalidade pensada na perspectiva pluriepistêmica. Entendemos que, no campo cultural, isso se manifesta na presença cada vez maior de outras formas de conhecimento. As culturas indígenas, afrodiaspóricas, todo esse campo que adentrou a universidade por meio dos saberes tradicionais, além dos saberes artísticos, têm locus privilegiado no campo da cultura”, destaca.
Mônica Ribeiro destaca a menção explícita à valorização dos saberes artístico-culturais nas normas gerais da graduação e da pós-graduação e na Política de Inovação da UFMG, que propõe, no PDI de 2018, a extensão de suas ações para áreas relacionadas à cultura, às artes e às humanidades. Ela recorda, ainda, que em 2002 o Ministério da Educação passou a exigir 200 horas de atividades acadêmico-científico-culturais (AACC) nas licenciaturas. “Existe uma valorização da participação dos estudantes nas mais diversas atividades culturais, para além daqueles conteúdos trabalhados no currículo”, justifica ela. A pró-reitora adjunta menciona também a resolução complementar de 2014 do Conselho Universitário, que incluiu as atividades artísticas no rol de atuação dos docentes, além de pesquisa, ensino, orientação e administração.
Protagonismo reconhecido
O protagonismo da UFMG na área da cultura tem alcançado reconhecimento internacional. Em 2020, a experiência de gestão cultural da Instituição foi apresentada no Encontro Nacional Universidade e Cultura, de Portugal e, em 2021, na reunião de cúpula da União Europeia University & Culture European Summit. Ainda no ano passado, a Universidade recebeu a distinção da Associação das Universidades do Grupo Montevidéu (AUGM) por boas práticas de cooperação com governos em três categorias, incluindo a gestão cultural, pela organização do Festival de Inverno.
No âmbito nacional, a UFMG mantém relações estreitas com instâncias da gestão pública da cultura, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Iepha, em nível estadual. A Universidade tem assento nos conselhos estaduais de Política Cultural e de Patrimônio Cultural e no Conselho Municipal de Política Cultural de Belo Horizonte, além de estabelecer convênios com várias prefeituras municipais, como a da própria capital, de Contagem, Tiradentes ‒ sede do campus cultural da Universidade ‒ e de municípios do Vale do Jequitinhonha, onde desenvolve o Programa Polo Jequitinhonha. A UFMG ocupa, ainda, a vice-presidência do Fórum Nacional de Gestão Cultural das Instituições de Ensino Superior (Forcult) e integra a rede de gestores de cultura das instituições públicas de ensino superior de Minas Gerais.
“Com a criação da Procult, a UFMG dá um passo institucional muito importante e se soma a um movimento nacional de fortalecimento da gestão cultural nas instituições públicas de ensino superior, particularmente relevante no atual momento de desmonte das políticas públicas de cultura que se dá, principalmente, no plano federal”, pontua Fernando Mencarelli.