Críticas e proposições serão incorporadas aos documentos finais da Cres
Coordenadores enfatizam que espírito da conferência é democrático; evento vai gerar declaração e livro
Mesas-redondas, fóruns e simpósios marcaram a agenda da Conferência Regional de Educação Superior (Cres 2018). Em cada uma das atividades, iniciadas na última segunda-feira (11/06), houve observações, comentários e críticas dos mais diversos atores e setores da sociedade. De acordo com a coordenação da Cres, todas essas contribuições serão incorporadas aos documentos finais da Conferência, que se realiza nesta semana, na Universidade Nacional de Córdoba, Argentina.
“Para nós, as críticas são fundamentais. Vamos incorporar as sugestões e proposições que surgiram em cada mesa, em cada simpósio, em cada fórum. Vamos trabalhar sobre esse conteúdo e, em seguida, publicaremos um livro com todas as proposições”, explica Francisco Tamarit, coordenador geral da Cres.
Três documentos serão produzidos ao final e após o evento. Hoje, quinta-feira (14), haverá a divulgação da declaração, que traduz o espírito da Conferência. A leitura do documento ocorrerá durante o ato de encerramento, a partir das 15h. O texto será divulgado em sua integralidade durante a cerimônia. Além da declaração, haverá outras duas publicações. A primeira conterá as recomendações da Cres, espécie de plano de ação, e a segunda reunirá as proposições reunidas ao longo de toda a Conferência.
Sistematização
“Os aportes são parte constitutiva das proposições temáticas. Estão todos registrados e anotados. Vamos absorver as críticas e observações, trabalharemos para catalogar todo esse material e depois vamos divulgá-las”, complementa o diretor do Instituto da Unesco para a Educação Superior para a América Latina e Caribe (Iesalc) e coordenador da Cres 2018, Pedro Henriquez Guajardo.
De acordo com os coordenadores da Conferência, o trabalho de sistematização deve ser concluído em dois ou três meses. As equipes de trabalho vão se debruçar sobre o conjunto de contribuições para catalogá-las e organizá-las, atividade que vai gerar a edição de um livro.
“As críticas e contribuições são muito bem-vindas. A Cres é democrática. Creio que demonstramos ao longo desses dias o quanto a participação é parte da vocação da Conferência. Temos demonstrado que é preciso abandonar o mito da iluminação acadêmica”, afirma Guajardo.
Visão dos participantes
Para o reitor da Universidad Indígena Boliviana Quechua Casimiro Huanca, Mário Fuentes Teran, a Cres se mostrou uma oportunidade especial para os povos indígenas. Para ele, é importante que as universidades clássicas, as instituições convencionais, abram suas portas para os povos indígenas. “Mas há outro ponto fundamental: se entramos indígenas, queremos sair indígenas. Não queremos o branqueamento das mentalidades, porque queremos sair e nos envolver com as comunidades para o debate. Estamos nos manifestando com toda força, com todas as energias, para que sejamos parte da declaração da Cres 2018”, afirma.
O coordenador de pedagogia da Universidad Campesina Indígena, em Red, México, Sergio Hernandez, ressalta que a educação superior na América Latina está baseada num modelo europeu, medieval, e não se questiona essa opção. Para ele, é “algo já estabelecido, já dado e que tem que prosseguir”. Porém, é fundamental, segundo Hernandez, que experiências como a Universidad Campesina sejam valorizadas e apoiadas. “Somos uma universidade em que alguns princípios se transformam. Em 1918, aqui em Córdoba, se falou de extensão. Nós falamos de uma universidade estendida. Não fazemos extensão porque nos estendemos até os atores concretos da nossa região. Não é um modelo catedrático. É um modelo de diálogo”, destaca.
A estudante Josefa Sannes, da Universidad La Republica Uruguay, considera que toda a discussão da Cres foi muito relevante, mas faz uma crítica relacionada à necessidade de participação mais igualitária entre gêneros. “A maioria é de homens. Os debates sobre gênero e feminismo foram muito vagos. O machismo está dentro das faculdades, muitas vezes nos dá medo, e não há uma indicação de como agir nessas situações. Muitas mulheres até trocam de curso ou desistem de estudar, e isso dificulta suas carreiras. Esse assunto precisava ter sido tratado com mais profundidade na Conferência”, afirma.
Girard Vernaza, reitor da Universidad Técnica Luís Vargas Torres, do Equador, ressalta que “o mundo é diverso e plural, existem muitos grupos sociais e nenhum grupo pode estar à margem”. Mas ele teme pela construção de propostas segmentadas, isoladas. “Queremos trabalhar com uma educação superior séria e responsável, que atenda os grupos sociais e aprenda sobre eles em todos os contextos. Não me parece que devemos pensar em criar, por exemplo, universidades exclusivas para negros ou para indígenas. Se fazemos assim, estamos excluindo, discriminando uns em benefício de outros. O exercício da Cres deve ser inverso: toda a diversidade pode estar unida com suas diferenças, contribuindo para o desenvolvimento da região e do mundo”, explica.
'Direito a ter direito'
Ontem (quarta, 13), por volta do meio dia, um grupo de cerca de 300 pessoas, a grande maioria mulheres, fez uma manifestação de aproximadamente uma hora em frente ao Pabellón Argentina, espaço que recebe atividades da Cres. A mobilização foi a favor do aborto legal. Projeto de lei nesse sentido foi aprovado na manhã desta quinta-feira por 129 votos contra 125. Agora, ele será submetido ao Senado.
Para uma das manifestantes, a professora Luciana Echevarría, foi um dia histórico de mobilização em todo o país. “O aborto legal é um direito das mulheres. Não é só uma questão de saúde pública, de justiça social, trata-se do direito humano, democrático, de decidir sobre o destino do próprio corpo. Um direito a ter direito”, afirma Echevarría, ativista do Movimento dos Trabalhadores Socialistas (MST).
Pré-candidata às eleições primárias argentinas, em agosto de 2017, para a Câmara dos Deputados e para o Senado (Paso, Primarias Abiertas Simultáneas y Obligatorias), ela destaca que a escolha por realizar uma manifestação durante a Cres 2018 não foi à toa. “As universidades, sobretudo as públicas, são fundamentais para a luta pelos direitos. Elas precisam se pronunciar a favor dos direitos democráticos e contra o patriarcado. E o Movimento em 1918, aqui em Córdoba, foi exemplo para todo o mundo”, destacou.