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UFMG sedia congresso brasileiro que discute estratégias para aumentar a cobertura vacinal

Mais de 600 especialistas vão debater, nos dias 21 e 22 de novembro, as causas da queda dos índices de imunização coletiva e os riscos de ressurgimento de doenças até então controladas

Fernanda Penido Matozinhos (jaleco azul escuro), na vacinação contra a covid-19
Fernanda Penido Matozinhos vacina a filha Lara contra a covid-19 Foto: Divulgação | Escola de Enfermagem da UFMG

O Brasil tem um dos mais completos programas de imunização do mundo, com a oferta de 19 vacinas que cobrem mais de 40 doenças, o que possibilitou ao país alcançar a redução progressiva das taxas de incidência e óbitos por doenças preveníveis por vacinação, como o sarampo, a poliomielite e a coqueluche. Contudo, a redução das taxas de cobertura vacinal, nos últimos anos, compromete a imunidade coletiva e provoca o risco de ressurgimento de doenças até então controladas ou erradicadas no país.

Com o objetivo de discutir estratégias para reversão desse cenário, 650 pessoas, entre representantes do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde, da Fiocruz, dos conselhos municipais de saúde e do Conselho de Secretários Municipais de Saúde, e também pesquisadores, professores e estudantes vão se reunir no Congresso brasileiro: defesa da vacinação – desafios e estratégias, que será realizado nesta terça, 21, e na quarta, 22, no Auditório Nobre do Centro de Atividades Didáticas 1 (CAD 1), no campus Pampulha da UFMG.

A queda na cobertura vacinal é resultado de um processo complexo, impactado por fatores sociais, culturais, ambientais, políticos e econômicos, que podem ter se agravado com a pandemia de covid-19, aumentando, assim, o risco de circulação, no Brasil, de doenças preveníveis por vacinação, conforme explica a professora Fernanda Penido Matozinhos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Vacinação (Nupesv), da Escola de Enfermagem da UFMG, e organizadora do congresso.

“Em geral, a queda da cobertura vacinal é influenciada por diversos fatores, como a precarização do Sistema Único de Saúde (SUS), a inconstância na disponibilidade de imunobiológicos nos serviços de Atenção Primária à Saúde, a implantação do novo sistema de informação em imunização (SI-PNI), a introdução, em curto período de tempo, de diversas vacinas no calendário vacinal, além dos movimentos antivacina e dos fatores culturais e sociais que afetam a aceitação da vacinação”, enumera a pesquisadora.

Minas Gerais, que apresenta índice de cobertura vacinal próximo ao do período pré-pandemia, segundo o subsecretário de vigilância em saúde do Estado, Eduardo Campos Prodoscimi, acompanha o país no enfrentamento dos diferentes desafios.

“O governo de Minas tem buscado incrementar o pacto com os municípios em prol do aumento da cobertura vacinal e redução da diferença entre as atuais coberturas vacinais e as metas preconizadas pelo PNI. Os desafios passam pela oferta de informação qualificada para a população, para combater a desinformação e as fake news, bem como gerar dados íntegros e fidedignos para que os gestores municipais tenham condições de traçar estratégias eficientes para aumentar a cobertura vacinal”, afirma o subsecretário. 

Segundo ele, a parceria com a Universidade, desde 2021, tem gerado resultados positivos nesse sentido, e, a curto e médio prazo, espera-se que o estado disponha de dados sobre a cobertura vacinal de todas as faixas etárias.

Pesquisa-ação
Em 2021, a pesquisa Estratégias para o aumento de coberturas vacinais em crianças menores de dois anos e adolescentes no estado de Minas Gerais, Brasil: uma pesquisa-ação revelou que mais de 80% de 212 municípios estudados estavam classificados como de “alto e muito alto risco” para a transmissão de doenças preveníveis por vacinas em crianças até dois anos de idade. A pesquisa está sendo desenvolvida pelo Nupesv, em parceria com a Superintendência de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde de Minas Gerais (SES-MG).

No ano seguinte, 2022, após as intervenções implementadas, reduziu-se essa classificação de “alto e muito alto risco” para 68,40% dos 212 municípios envolvidos. A professora Fernanda Matozinhos explica que a pesquisa-ação – que, em 2023, alcançou o público adolescente – possibilita compreender as práticas vacinais dos profissionais que realizam as ações de imunização e contribui com a organização das salas de vacina e com o aprimoramento da logística. E ainda promove a capacitação de recursos humanos, a melhoria dos processos de trabalho de imunização e a sensibilização dos profissionais e gestores municipais para incentivar parcerias estratégicas para a reconquista da cobertura vacinal.

Na avaliação de Eduardo Prodoscimi, diferentes estratégias são necessárias para alcançar as metas do PNI, como facilitar o acesso da população de trabalhadores e de estudantes aos imunizantes, por meio de vacinação fora das unidades de saúde, como praças e eventos, aderir ao programa de bonificação que premia municípios que alcançarem 80% de escolas e creches e à chamada para aquisição dos vacimóveis (vans adaptadas para vacinação).

Experiências exitosas
Durante o congresso desta semana, que é um desdobramento dessa parceria, serão apresentadas e premiadas as melhores experiências de oito municípios mineiros direcionadas ao aumento da cobertura vacinal.

O público, originário de 130 municípios mineiros e de outros 14 estados, poderá acompanhar mesas de debates e exposição de dezenas de trabalhos científicos. "O congresso é uma iniciativa fundamental para envolver diversos públicos no compartilhamento de ideias e experiências e na busca de estratégias de mobilização que pautem a sociedade sobre o grande pacto em prol da cobertura vacinal", afirma Eduardo Prodoscimi. 

Na conferência de abertura, às 10h30, o diretor do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde, Eder Gatti, vai traçar um panorama da iniciativa, que completa 50 anos, e apresentar o cenário de imunização em Minas Gerais.

Antes disso, às 9h, participam da mesa de abertura a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, a presidente do Conselho de Saúde de Minas Gerais, Lourdes Machado, a diretora da Escola de Enfermagem da UFMG, professora Sônia Maria Soares, a coordenadora do evento, professora Fernanda Penido Matozinhos, o chefe do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem, professor Ed Wilson Rodrigues Vieira, e a coordenadora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UFMG, professora Kleyde Ventura de Souza.

Observatório de Pesquisa e Estudos em Vacinação
Fernanda Matozinhos adianta que, durante o congresso, também ocorrerá o lançamento do Observatório de Pesquisa e Estudos em Vacinação (Opesv), que vai ampliar o escopo de atuação do Nupesv. A mudança foi aprovada pela Câmara Departamental e Congregação da Escola de Enfermagem, pela Pró-reitoria de Pesquisa da UFMG e pelo CNPq.

“A ideia é que o Observatório favoreça avanços inéditos sobre a análise dos determinantes socioecológicos associados à cobertura vacinal, o que possibilitará fornecer as evidências científicas necessárias ao contínuo aperfeiçoamento do PNI, incluir maior abrangência de indivíduos e contribuir para a generalização de resultados, o que despertará grande interesse para a pesquisa e para a área da Enfermagem e outras áreas do conhecimento” afirma.

A professora, que desde 2016 desenvolve pesquisas sobre a temática no Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Saúde Pública, conta que faltavam pesquisas na área, o que a motivou a criar o Nupesv, em 2019. Desde então, o Núcleo desenvolve estudos colaborativos com a Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), em Portugal, com o Ministério da Saúde e com a Secretaria de Saúde de Minas Gerais, e com gestores e profissionais enfermeiros de instituições públicas e privadas em saúde dos centros de Saúde Guarani e Nova Vista e dos hospitais Sofia Feldman, Risoleta Tolentino Neves, Júlia Kubitschek, IAG Saúde e Santa Rita.

“Nosso objetivo é analisar os determinantes socioecológicos associados à cobertura vacinal e estabelecer um plano de ação, visando melhorar os indicadores durante distintos ciclos de vida (crianças, adolescentes, gestantes e idosos). Vamos contemplar estudos que se valham do uso de bases de dados nacionais e internacionais e  que investiguem a associação entre as variáveis em análises bivariadas, estratificadas e em modelos multivariados, incluindo a modelagem multinível e a distribuição espacial, além de revisão sistemática de estudos com metanálise, estudos de métodos mistos (considerando-se o referencial definido para a pesquisa da hesitação) e a ação-intervenção”, relata Fernanda Matozinhos.

Equipe do Nupesv/Escola de Enfermagem da UFMG
Equipe do Nupesv, da  Escola de Enfermagem da UFMG Foto: Divulgação Escola de Enfermagem/UFMG

A pesquisadora acrescenta que o Observatório ampliará a proposta de trabalho do Nupesv, especialmente no que diz respeito à formação de recursos humanos, à articulação interinstitucional e à transferência de conhecimento para a sociedade, com base na discussão dos dados com os profissionais e gestores de saúde e da geração de evidências científicas robustas sobre a temática.

“Inúmeras são as atribuições da equipe multidisciplinar no contexto da vacinação, em especial do profissional enfermeiro. E, atualmente, precisamos de uma comunicação forte, correta e científica com a população que seja capaz de extrapolar o meio acadêmico e profissional. Uma comunicação efetiva, que precisa passar por novos moldes de narrativa para fazer o enfrentamento da desinformação. Esse é, sem dúvida, mais um importantíssimo papel dos profissionais na vacinação”, conclui a coordenadora.

Teresa Sanches