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Diáspora científica: 'Outra estação' mostra por que jovens doutores têm deixado o Brasil

Fomento vem caindo desde 2014; pesquisadores buscam melhores condições de trabalho em países como Suécia e Hong Kong

Aline Roque em trabalho de laboratório. A pesquisadora decidiu buscar melhores condições de estudo e trabalho fora do Brasil
Aline Roque em trabalho de laboratório: pesquisadora decidiu buscar melhores condições de estudo e trabalho fora do Brasil Arquivo pessoal

O episódio 88 do programa Outra estação, da Rádio UFMG Educativa, aborda as principais dificuldades enfrentadas por quem trabalha ou pretende trabalhar como cientista no Brasil. A reportagem destaca que os investimentos federais em ciência e tecnologia vêm-se reduzindo na última década, tendência que dificulta e, em alguns casos, impossibilita a realização de pesquisas científicas. Por causa disso, alguns estudantes e profissionais buscam melhores condições de trabalho em outros países. O fenômeno conhecido como “fuga de cérebros” é um dos assuntos do programa.

O Outra estação entrevistou Aline Roque, graduada em Engenharia Civil pela UFMG e mestre em Engenharia Geotécnica pela Universidade de São Paulo (USP). Aline explica por que decidiu cursar um doutorado em Hong Kong, no continente asiático, e por que planeja permanecer lá mesmo após concluir sua tese. Outro personagem da reportagem é Antônio Horta Ribeiro, graduado, mestre e doutor em engenharia elétrica pela UFMG. Desde 2021, Ribeiro trabalha como pesquisador em uma universidade na Suécia, sem planos de retornar ao Brasil. Assim como Aline, ele também critica a desvalorização da carreira científica no país natal.

O cenário de desestímulo ao trabalho em ciência e tecnologia também é abordado por outros três entrevistados: Mauro Teixeira, vice-presidente da regional Minas e Centro-Oeste da Academia Brasileira de Ciências e professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG, Flávia Calé, presidenta da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), e Ana Maria Carneiro, coordenadora do Laboratório de Estudos de Educação Superior e do Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação, ambas vinculadas à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Queda dos recursos, menos empregos, mais doutores
O primeiro bloco do programa apresenta dados que mostram a redução dos investimentos federais na área de ciência e tecnologia. Levando-se em conta todos os gastos do governo federal no setor, os investimentos aumentaram de forma quase contínua de 2003 a 2013, mas começaram a cair em 2014, o que se agravou nos anos seguintes. O total foi de R$ 17,2 bilhões em 2020, frente aos R$ 19 bilhões aplicados em 2009, em valores corrigidos pela inflação e informados em nota técnica produzida por Fernanda De Negri, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério da Economia.

Por outro lado, a quantidade de títulos de doutorado concedidos anualmente no Brasil vem crescendo pelo menos desde 1996 – a exceção foi uma pequena redução entre 2009 e 2010. É o que mostra levantamento baseado em dados oficiais feito pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Parte dos jovens doutores tem dificuldades para conseguir emprego não apenas em decorrência dos baixos investimentos públicos, mas também por que são poucas as opções de trabalho no setor privado.

O primeiro bloco destaca, ainda, a situação dos estudantes de pós-graduação. Grande parte deles não consegue bolsas de estudo. Outros estudam com bolsas financiadas pelas duas principais agências de fomento, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que não reajustam seus valores desde 2013.

Emigração

Depois de cursar graduação, mestrado e doutorado na UFMG, Antônio Horta Ribeiro assumiu um posto de pesquisador na Suécia, onde o rapaz avalia que a carreira científica é mais valorizada
Depois de cursar graduação, mestrado e doutorado na UFMG, Antônio Horta Ribeiro assumiu um posto de pesquisador na SuéciaArquivo pessoal

O segundo bloco do Outra estação aborda o fato de o baixo investimento em ciência e tecnologia ser frequentemente apontado como causa da crescente migração de pesquisadores brasileiros para outros países. Essa evasão é qualificada pela expressão “fuga de cérebros”. Porém, o uso desse termo nem sempre é adequado, como explica a professora Ana Maria Carneiro, que desde 2017 estuda o fenômeno que ela classifica como diáspora brasileira de ciência, tecnologia e inovação. A “fuga de cérebros” ocorreria apenas quando os integrantes dessa diáspora, uma vez instalados em outros países, não tivessem interesse em contribuir com o Brasil.

Ana Maria Carneiro e outros entrevistados mencionam informações indicativas de que a emigração de pesquisadores vem aumentando. Os especialistas também discorrem sobre ações necessárias para estimular esses profissionais a permanecer no Brasil ou, no caso dos colegas que decidem emigrar, a colaborar com a produção científica brasileira.

Para saber mais

Nota técnica Políticas públicas para ciência e tecnologia no Brasil, produzida pela economista Fernanda De Negri (Ipea)

Levantamento da Fapesp sobre a quantidade de títulos de doutorado concedidos anualmente no Brasil

Abaixo-assinado lançado pela ANPG em favor do reajuste das bolsas de pós-graduação

Edição mais recente, publicada em 2021, do Relatório de Ciência da Unesco

Produção
O episódio 88 do Outra estação é apresentado por Alicianne Gonçalves. A produção é de Amélia Gomes e Tiago de Holanda, também responsável pela edição. Os trabalhos técnicos são de Cláudio Zazá. A coordenação interina de jornalismo da Rádio UFMG Educativa é de Alicianne Gonçalves, e Guilherme Amintas é o coordenador interino de programação.

Em sua segunda temporada, o programa vai ao ar quinzenalmente, às quintas-feiras, às 18h, com reprise às sextas, às 7h. Os episódios também podem ser ouvidos nos aplicativos de podcast, como o Spotify.