Institucional

'É preciso que as pessoas conheçam a trajetória das ações afirmativas na UFMG', diz Nilma Lino

A professora participou hoje do encontro de lançamento de livro que celebra 20 anos de ações na Universidade

Licínia Correa, Nilma Lino Gomes, Sandra Regina Goulart Almeida, Dandara Tonantzin e Rodrigo Ednilson de Jesus
Licínia Correa, Nilma Lino Gomes, Sandra Goulart Almeida, Dandara Tonantzin e Rodrigo Ednilson de Jesus Foto: Foca Lisboa | UFMG

Na década de 2000, a professora emérita Nilma Lino Gomes foi protagonista do debate sobre ações afirmativas na UFMG. Hoje, em evento que comemorou duas décadas do Programa Ações Afirmativas, Acessibilidade e Inclusão e em que foi lançado livro com pesquisa sobre o tema, ela enfatizou a importância da socialização dos resultados do estudo, “para que as pessoas conheçam a trajetória das ações afirmativas e entendam como a UFMG se tornou referência também nessa área”.

O livro Ações afirmativas na UFMG: por que sim? contém o relatório da pesquisa coordenada, na Universidade, pelo professor da Faculdade de Educação Rodrigo Ednilson de Jesus. O relatório é um recorte da pesquisa nacional Avaliação das políticas de ação afirmativa no ensino superior no Brasil: resultados e desafios futuros, organizada pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior (Lepes) da UFRJ e pela Ação Educativa.

"Não estamos mais onde estávamos, mas não estamos, ainda, onde queremos estar." Ao citar Martin Luther King, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida reconhece que a UFMG ainda tem um “longo caminho pela frente” no campo das ações afirmativas. Ela falou da importância do estudo e de sua ampla divulgação: “Esse relatório vai chegar aos membros do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão e do Conselho Universitário, mas queremos que ele chegue também a toda a comunidade universitária. Entendemos que temas importantes como esse devem continuar sendo debatidos, até que se consolidem como políticas públicas”, afirmou.

Nilma Lino Gomes também enfatizou a necessidade da socialização da pesquisa, “para que as pessoas conheçam essa trajetória e entendam como a UFMG se tornou referência também nessa área”.

Nilma Lino:
Nilma Lino: "a universidade precisa estar sensível ao sofrimento das pessoas" Foto: Foca Lisboa | UFMG

Para Nilma, que foi reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e liderou o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, no governo Dilma Rousseff, “é importante destacar que as ações afirmativas tiveram sua origem nos movimentos sociais e existem desde bem antes das cotas, que são apenas uma das modalidades de ações afirmativas”. Segundo a professora, que continua atuando como voluntária na Faculdade de Educação, foi com o Movimento Negro que as cotas raciais também vieram para a arena política, antecedidas pelas cotas para pessoas com deficiência.

Desigualdade estrutural
Ao rememorar a trajetória dos debates na UFMG, em entrevista ao professor Rodrigo Ednilson – incluída no livro lançado hoje –, Nilma Lino citou o primeiro grande evento institucional de que participou na Universidade, “no tempo em que ainda se falava em cotas étnicas, em vez de cotas raciais. Depois desse evento, o meu primeiro artigo no Boletim UFMG alavancou o debate. O título era Ações afirmativas, por que não?. E hoje, com a pesquisa que está sendo divulgada, temos a resposta àquela pergunta: ações afirmativas, porque sim”.

A professora acrescentou que “é preciso entender que as ações afirmativas são um modo de correção das desigualdades estruturais da sociedade, como o racismo – esse fenômeno que nos obriga a tomar posição, a sair do lugar de conforto e a adotar medidas para que o Estado brasileiro deixe a neutralidade e resolva diversas desigualdades que afetam 56% da população”.  

10 lições
De duas décadas de ações afirmativas na UFMG e 10 anos da Lei de Cotas (completados em 2022), segundo Nilma Lino, ficaram 10 principais lições: as cotas são a ação mais radical das ações afirmativas e também representam parte da luta por equidade no ensino superior; o movimento alargou a luta e ampliou o olhar para as cobranças tanto políticas, no Ministério da Educação, quanto práticas, nas instituições de ensino superior; a luta pela democracia foi aperfeiçoada, com discussão sobre o que é direito e o que é privilégio; a adoção da Lei de Cotas deu mais visibilidade ao que devem ser a pesquisa, a extensão e a própria assistência estudantil, diante da corporeidade e das experiências dos cotistas; o debate sobre direitos e deveres do acesso, assim como a exigência de recursos dignos e urgentes para a permanência, a pesquisa, a extensão e a internacionalização, foi aprimorado; a educação deixou de ser a principal bandeira de luta, e foram levantadas também a bandeira da cultura, do esporte, da saúde, do trabalho, do acesso ao apoio jurídico; foram incluídas as ações afirmativas nos concursos públicos e consolidou-se a importância das bancas de heteroidentificação, com destaque para a pressão dos coletivos de estudantes; a representatividade estudantil é mais diversa nas chapas progressistas; a diversidade está chegando à gestão das instituições (um exemplo é a chapa de candidatos negros à reitoria da UFRJ); por fim, foram aprovadas as cotas para a política partidária, com aprovação da reserva de 30% de vagas para candidatas mulheres e, desde 2020, para candidatos negros.  

“As ações afirmativas vão continuar fazendo parte da gramática política e acadêmica, com tensões e conflitos, próprios da sociedade democrática”, concluiu.

A deputada federal pelo PT/MG Dandara Tonantzin
Deputada Dandara Tonantzin: diagnósticos urgentesFoto: Foca Lisboa | UFMG

Diagnóstico e diretrizes nacionais
A deputada federal Dandara Tonantzin (PT/MG) observou que, após uma década da Lei de Cotas, “fica a urgência de estudos e diagnósticos – interrompidos nos últimos seis anos – que subsidiem a política de ações afirmativas, para que se possa avançar nos dados sobre o número de cotistas, número de cotistas bolsistas, valor do orçamento necessário para a política de assistência, enfim, diretrizes que balizem as ações afirmativas no país”. Dandara é pedagoga formada pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestre em Educação pela UFMG.

Dandara lembrou que 44% das instituições federais não possuem bancas de heteroidentificação para avaliação dos estudantes cotistas, segundo Censo Escola de 2020. “Precisamos de diretrizes baseadas em estudos regulares, para que contemos com dados sistematizados e possamos avançar cada vez mais”, ela ressaltou.  

A pró-reitora de Assuntos Estudantis, Licinia Maria Correa,  acrescentou que é muito importante deixar claro que a desigualdade racial não se resolve com as cotas sociais, uma vez que as cotas raciais incluem também os povos indígenas. “Estar sensível ao sofrimento do outro é deixar de pairar sobre o bem e o mal, mas cuidar do reconhecimento e pertencimento das diversas corporeidades presentes na universidade, que exigem uma assistência de suporte, tanto na graduação quanto na pós-graduação”, observou.

Teresa Sanches