Em livro, professor da UFMG propõe nova abordagem filosófica para a pandemia
Em coautoria com filósofo catalão, Andityas Matos, da Faculdade de Direito, defende que a crise representa chance de superar sistema que não protege a vida
![Bruno Cecim / Agência Pará / Fotos Públicas / CC BY-NC 2.0 Ciclista solitário trafega em avenida de Belém, no Pará:](https://ufmg.br/thumbor/W8fqp2iSYULQXAdzuEnOsYtMNcM=/0x0:801x535/712x474/https://ufmg.br/storage/b/7/0/e/b70e840edc8014dc4a3f0bc3724b990c_15896314181368_507816052.jpg)
Bruno Cecim / Agência Pará / Fotos Públicas / CC BY-NC 2.0
Pensadores como Michel Foucault e Giorgio Agamben recorrem à ideia de biopolítica para explicar como a vida humana, no mundo contemporâneo, é objeto de controle imediato pela política, que faz a gestão e o disciplinamento dos corpos, com objetivo de torná-los dóceis e produtivos. Ao pensar sobre a pandemia de Covid-19, os filósofos e professores Andityas Soares de Moura Costa Matos, da Faculdade de Direito da UFMG, e Francis García Collado, da Universidade de Girona, na Espanha, propõem a aplicação de conceitos como biopotência e biorresistência, vislumbrando possibilidades de transformação criadas pelo novo coronavírus, “essa intrusão total e incomensurável na rotina do planeta”.
Matos e Collado acabam de publicar na Espanha o livro El virus como filosofía. La filosofía como virus – Reflexiones de emergencia sobre la pandemia de covid-19, produzido pela Edicions Bellaterra, uma das editoras espanholas mais importantes nas áreas de filosofia e ciências humanas.
![Arquivo pessoal Andityas Matos:](https://ufmg.br/thumbor/tmxSCenN52x2WZ2Jg392puTalSY=/0x8:322x500/352x540/https://ufmg.br/storage/2/1/c/0/21c09ae173e3d3c161d4f3c4e51b5d30_15895774996159_154222057.jpg)
“Uma das nossas intenções é chamar a atenção para o fato de que esta é uma ótima chance, talvez a última, de repensarmos nossa forma de vida, imposta por um sistema político-econômico mundial descomprometido com a proteção efetiva da vida e suas inúmeras potencialidades”, diz Andityas Matos.
O professor reconhece que a pandemia tem dimensões muito negativas, como as mortes e o confinamento, mas enfatiza que ela traz a possibilidade de se reconhecer o caráter incontrolável da vida. “A doença pode quebrar o destino que nos parece posto e mostra que há saída, há outras opções para as sociedades humanas”, diz. “Não temos que pensar em voltar à normalidade. A normalidade a que querem retornar alguns é a da extrema exploração e da desigualdade. A pandemia se revela como um ‘choque filosófico’ que afirma a potência – muitas vezes destrutiva – da vida, capaz de extrapolar as imposições da política e da economia.”
‘Vida à espera de ser vivida’
Com base em sua visão da situação espanhola na pandemia, Francis García Collado afirma que a perspectiva é da precarização crescente do trabalho, que atinge fortemente também os profissionais de saúde, e que, no campo político, esquerda e direita “oferecem um espetáculo lastimável que põe em evidência, mais uma vez, que o que não há é democracia”. Ele lembra que um estado de emergência foi disfarçado pelo decreto de um estado de alarme, que suspendeu princípios constitucionais como livre circulação, privacidade e expressão, só passíveis de suspensão por estado de exceção ou estado de sítio.
![Arquivo pessoal Francis Collado:](https://ufmg.br/thumbor/CL_jJmSfMRusPGCpIYR1CQQREhU=/0x0:1677x2190/1677x2190/https://ufmg.br/storage/2/0/6/9/20699f390614fb1b255f4f2dfe3130d9_15895779108838_1642913931.png)
Segundo o filósofo catalão, está-se diante de uma mudança de paradigma. “Ganham força novos critérios que, em nome da saúde, vão suprimir liberdades e marcar os novos modos de relação produtiva “em tempos do biocapital”. “Essa ressignificação da realidade só pode ser contraposta por uma resposta agenciadora de novas subjetividades. A postura responsável não é o negacionismo ante a gravidade objetiva do vírus. É necessário o confinamento, mas não como solução única”, diz Collado, que conversou por e-mail com o Portal UFMG.
Ainda de acordo com o coautor do livro, a situação atual deriva de políticas que, durante décadas, desconsideraram os cientistas. “As decisões dos últimos meses não são de especialistas carentes de ideologia, mas de bombeiros dispostos a apagar um incêndio”, afirma Collado. “Devemos nos afastar do vírus como filosofia e nos cercar de uma filosofia como vírus, que inunde nosso dia a dia, dando mais sentido à vida individual, que está à espera de ser vivida, que à vida biológica, presa em um confinamento agora necessário.”
Para o professor da Universidade de Girona, a vida e a política deverão sair reforçadas dessa situação, "ou nos restará o autoritarismo centrado na vida e no político como formas de controle e submissão carregadas de palavras boas, ainda que vazias”.
![Editions Bellaterra ..](https://ufmg.br/thumbor/Wa3n_rbJIjF3CkTCRvpsHC5XUh0=/65x98:1625x2488/352x540/https://ufmg.br/storage/c/2/0/4/c2047c5b24ebbc79e610bdfe412bdbb9_15895775638956_1598520626.png)
Editions Bellaterra
Novo esforço conceitual
Andityas Matos e Francis Collado escreveram o volume motivados também pela insatisfação com as abordagens sobre a Covid-19 publicadas por vários filósofos contemporâneos. “Eles tentaram encaixar a pandemia em categorias que utilizam há anos ou décadas em sua produção. Para nós, não era suficiente. Era preciso um novo esforço conceitual”, conta o professor da UFMG, lembrando uma coincidência interessante: ele e Collado lançaram, em fevereiro de 2020, outro livro em coautoria – Más allá de la biopolítica: biopotencia, bioarztquía, bioemergencia (Documenta Universitária) –, que introduziu os conceitos que seriam fundamentais para a nova abordagem em relação à pandemia.
Andityas trabalha na tradução para o português de El virus como fiilosofía. La filosofía como vírus, que ainda não tem data de lançamento no Brasil.
Livro: El virus como filosofía. La filosofía como virus – Reflexiones de emergencia sobre la pandemia de covid-19
Edicions Bellaterra
94 páginas / 5 euros (versão em pdf)