Pesquisa e Inovação

Escolas particulares vendem 50% mais ultraprocessados do que alimentos saudáveis

Pesquisa da Escola de Enfermagem da UFMG e de outras 23 instituições de ensino superior públicas analisou quase 3 mil cantinas e ambulantes em todas as capitais

Cantina de escola particular:
Cantina de escola particular: estudo vai subsidiar propostas para a oferta de alimentos adequadosFoto: Banco de imagens do Estudo Caeb

Nas cantinas de escolas particulares no Brasil, alimentos ultraprocessados e preparações culinárias baseadas nesses alimentos (AUPP) são aproximadamente 50% mais comercializados do que os in natura, minimamente processados, processados e preparações culinárias baseadas nesses alimentos (AIMPP). No comércio ambulante, essa diferença é ainda mais acentuada, chegando a 117%. É o que revela o estudo pioneiro Comercialização de alimentos em escolas brasileiras (Caeb), coordenado por um grupo de pesquisadores vinculados a seis universidades públicas brasileiras, entre as quais, a UFMG.

O grupo avaliou aspectos relacionados à comercialização de alimentos e bebidas em 2.241 cantinas escolares e por 699 ambulantes no entorno de escolas privadas de ensino fundamental e médio nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. Os resultados chamam a atenção para a excessiva oferta de AUPP para crianças e adolescentes.

Nas cantinas, o refrigerante é o produto mais consumido, com expressivos 61,80%; na sequência, estão o salgado assado com recheio ultraprocessado (47,88%), bombom ou chocolate (37,97%) e salgadinhos de pacote (37,48%). Os ambulantes, por sua vez, vendem mais refrigerante (46,2%), guloseimas (29,6%), salgadinhos de pacote (21,5%) e pipoca de pacote (19%).

Dos alimentos in natura, minimamente processados ou processados e preparações baseadas nesses alimentos, os mais consumidos nas cantinas são a água (79,70%), sucos naturais de fruta (70,54%), bolos de preparação culinária (59,43%), salgado assado sem recheio ultraprocessado (53,27%) e sucos 100% integrais em caixinha, lata ou garrafa (37,57%). A água também foi a mais vendida por ambulantes no entorno de escolas particulares, seguida do café (12,2%), do bolo de preparação culinária (11,6%) e do suco natural de fruta (11,3%).

Papel crucial das escolas
Para a coleta de informações com ambulantes e gestores de cantinas, foi distribuído um questionário que contemplou questões separadas em três seções: informações da cantina ou do ambulante (identificação e caracterização); comercialização, variedade, tamanho, valor do menor preço e estratégia de venda (promoção/combo) dos alimentos, bebidas e preparações culinárias; presença de publicidade dos alimentos e bebidas.

A Escola de Enfermagem da UFMG e outras 23 instituições de ensino superior públicas brasileiras participam do levantamento. Uma das coordenadoras do estudo, a professora da UFMG Larissa Loures Mendes enfatiza que o ambiente alimentar escolar no Brasil desempenha um papel crucial na formação de hábitos e preferências alimentares entre crianças e adolescentes e que a qualidade dos alimentos disponíveis nas escolas influencia diretamente a saúde e o bem-estar dos estudantes. Ela enfatiza que há um contraste entre os ambientes alimentares das escolas públicas e privadas.

Larissa Loures:
Larissa Loures: ambiente das escolas privadas é obesogênicoFoto: acervo pessoal

“As escolas públicas têm um papel destacado nesse contexto, pois a maioria apresenta ambientes que promovem alimentação adequada e saudável por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que oferta refeições alinhadas com as recomendações das versões atuais dos guias alimentares brasileiros”, afirma a professora. Esse programa, segundo ela, visa garantir a segurança alimentar e nutricional, promovendo uma alimentação adequada e saudável, e também é um importante instrumento para o desenvolvimento biopsicossocial dos estudantes. “As escolas privadas, por sua vez, apresentam frequentemente um ambiente alimentar mais obesogênico, com maior disponibilidade de produtos ultraprocessados e menos opções saudáveis”, ressalta a professora Larissa Loures.

Refeições
O estudo Comercialização de alimentos em escolas brasileiras revela que quase a totalidade das cantinas das escolas particulares (92,54%) comercializa lanches e que parte delas oferece café da manhã (22,13% ) e almoço (23,82%). Mais da metade das cantinas em Boa Vista, Distrito Federal, Porto Alegre e Vitória comercializam a primeira refeição do dia. E mais da metade das de Belo Horizonte, Distrito Federal e Vitória ofertam o almoço. Apenas 5,48% das cantinas no país oferecem jantar – as maiores frequências foram encontradas em Campo Grande (29,3%), Vitória (26,67%) e São Paulo (24,80%).

No conjunto das 26 capitais e o Distrito Federal, os pesquisadores verificaram que cerca de um quinto das cantinas (20,16%) oferecem refeição (comida). Apenas no Distrito Federal (59,22%) e em Belo Horizonte (51,32%) foi observado que mais da metade das cantinas oferecem refeição (comida).

Larissa Loures comenta que, nessas escolas, apenas 26,95% das cantinas desenvolvem ações que incentivem a alimentação saudável. “Nas análises estratificadas, identificamos que apenas em Belo Horizonte, Campo Grande, Manaus, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, Salvador e São Paulo mais da metade das cantinas desenvolve ações que incentivem a alimentação saudável.”

Publicidade e nutricionista
Os pesquisadores constataram também que 36,09% das cantinas utilizam pelo menos uma estratégia de publicidade de alimentos in natura ou minimamente processados comercializados, e 37,38%, de publicidade de alimentos ultraprocessados.

No comércio ambulante no entorno de escolas particulares, a exposição de publicidade (banner/cartaz do fornecedor, banner/cartaz do ambulante, vestimenta, réplica do produto, cardápio, embalagem, painel/televisão, folder, displays e brindes) vinculada a alimentos minimamente processados ou processados e alimentos ultraprocessados foi de 86,8% e 72,7%, respectivamente.

Considerando o conjunto das 26 capitais e o Distrito Federal, pouco mais da metade das cantinas (50,55%) tem nutricionista. Nas análises estratificadas por cidades, observou-se o mesmo cenário, com exceção de Aracaju, Belém, Boa Vista, Cuiabá, Goiânia, Macapá, Maceió, Porto Velho, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro e Salvador, em que menos da metade das cantinas tem nutricionista. Larissa enfatiza que a presença de nutricionistas nas escolas privadas diminui a quantidade de ultraprocessados comercializados. “Isso foi constatado no estudo, já que as capitais em que esses profissionais de saúde atuam nas escolas tiveram melhor desempenho no índice de saudabilidade calculado pela pesquisa", ela diz.

Propostas
O projeto Caeb reúne informações sobre a comercialização de alimentos e bebidas em cantinas e lanchonetes de escolas privadas e também do entorno dessas unidades de ensino, com a finalidade de embasar a criação de propostas que contribuam para escolhas alimentares mais saudáveis pelos alunos.

A pesquisa foi realizada em parceria com o instituto Vox Populi. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o trabalho conta com o apoio da ACT Promoção da Saúde, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), do Instituto Ibirapitanga e do Instituto Desiderata.

As escolas foram selecionadas por sorteio, e a participação na pesquisa ocorreu com a livre concordância do proprietário ou do gestor da cantina e dos comerciantes ambulantes. Foram coletadas informações sobre preço, disponibilidade e qualidade das bebidas e alimentos comercializados. Os estabelecimentos participantes receberão, gratuitamente, um diagnóstico sobre a situação da sua atividade de comércio de alimentos e bebidas nas escolas. "Essas informações também serão tratadas de modo confidencial e serão compartilhadas apenas com os gestores dos comércios, que são as pessoas que responderam à pesquisa”, informa Larissa Loures.

De acordo com a professora da Escola de Enfermagem, o diagnóstico inclui um esquema de fácil visualização que mostra o percentual de alimentos in natura, minimamente processados e ultraprocessados oferecidos pelos estabelecimentos. "A devolutiva indica os pontos críticos desse comércio e fornece dicas de como melhorar o negócio, tornando-o mais alinhado às últimas recomendações para uma alimentação adequada e saudável. Por fim, o participante da pesquisa receberá um guia prático, em formato de e-book, para a implementação de uma cantina saudável", esclarece.

Assessoria de Comunicação da Escola de Enfermagem