Eustáquia Sousa recebe título de professora emérita
Comunidade da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional homenageou a docente, que tem vínculos também com a FaE
“A vida de Eustáquia com a Educação Física se desvela em experiências que configuram uma obra de arte oferecida ao nosso deleite”, disse, emocionado, o professor Tarcísio Mauro Vago, ex-aluno de Eustáquia Salvadora de Sousa e responsável pela saudação à professora, que recebeu hoje (quarta, 19), da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, o título de professora emérita.
Eustáquia tem vínculos muito fortes também com a Faculdade de Educação (FaE). Segundo a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, ela dedicou-se intensamente, ao longo de toda a sua carreira, à importante tarefa de formação dos futuros professores no campo da educação física, à pós-graduação e à gestão acadêmica.
Formada em Educação Física em 1970, na primeira turma do curso da UFMG, Eustáquia voltou como docente da Faculdade de Educação. “A possibilidade de dialogar com professores de todas as áreas do saber, no Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino, foi extremamente desafiadora e enriquecedora e me possibilitou fundamentar a prática pedagógica e avançar no conhecimento”, disse a professora.
Uma experiência rememorada por Eustáquia Sousa foi a participação na organização de eventos esportivos marcantes no cenário mineiro, como a Olimpíada Universitária Global e os Jogos Universitários Brasileiros. Nesse período (1970 a 1983), ela lembrou, também engajou-se intensamente nas entidades que congregam professores de educação física, nos âmbitos regional e nacional.
Ela destacou também o Projeto Metropolitano, com escolas estaduais de Belo Horizonte, e a elaboração de propostas curriculares para Minas Gerais. “A Educação Física era assumida como atividade esportiva e recreativa, destituída de fundamentação científica. Foi preciso mobilizar-nos, e esse movimento culminou no seu reconhecimento como área do conhecimento”, disse a nova emérita.
Escola pública
Eustáquia Sousa cursou mestrado em Ciência do Movimento Humano, na Universidade Federal de Santa Maria, e doutorado em Educação, na Unicamp. “O fato de ter minha formação apoiada pela Capes ampliou muito meu compromisso com a escola pública brasileira”, enfatizou. Com o título de doutora, passou a integrar grupos de estudos na FaE, sobre formação de professores e ensino da educação física e lazer. Ela ressaltou também o engajamento no Grupo de Pesquisas sobre História da Mulher, “lugar privilegiado de estudos e debates sobre gênero e educação física” e mencionou ainda pesquisas sobre história da educação e condição e formação docente e o Projeto Veredas, que propiciou formação superior a milhares de professores do estado.
Outro capítulo marcante em sua trajetória foi sua participação no campo do lazer, como coautora das primeiras pesquisas e docente do primeiro curso de especialização nesse campo. Eustáquia relatou ainda a construção coletiva de uma proposta inovadora de trabalho sobre a educação física desenvolvida com os alunos de terceiro grau da UFMG.
Eustáquia Sousa citou o Centro de Estudos sobre Memória da Educação Física, do Esporte e do Lazer (Cemef). “Agradeço a homenagem da equipe técnica do centro e o privilégio de ter meus documentos pessoais (escritos, orais e iconográficos) organizados, preservados e reunidos numa coleção específica, que está à disposição da sociedade”, afirmou.
Ao longo de todo o discurso, a nova professora emérita da EEFFTO, segundo a receebr o título na Escola – destacou, muitas vezes nominalmente, a parceria de alunos, colegas docentes, servidores e representantes do poder público e da sociedade. “Mérito não é atributo individual, ele se constrói coletivamente”, ela disse. Tomando como referência um texto da professora Magda Becker Soares, emérita da Faculdade de Educação, Eustáquia disse que “eméritos são os colegas professores, os funcionários, que nos dão condições de lecionar e pesquisar, gestores, que enfrentam dificuldades imensuráveis com entusiasmo e firmeza, e alunos de graduação e pós-graduação da Universidade, que nos desafiam permanentemente e preservam em nós a juventude e a fé no futuro.”
Histórias entrelaçadas
Tarcísio Vago começou sua saudação pelas origens familiares de Eustáquia, nascida em Coromandel, Minas Gerais, em uma família de 12 irmãos. Contou que ela fez seus primeiros estudos em casa e trabalhou na escola para ajudar nas mensalidades. Lembrou sua atuação, ainda bem jovem, como orientadora de mulheres em Monte Carmelo, onde uma escola leva seu nome.
“As histórias de Eustáquia Sousa e da Educação Física se entrelaçam e produzem uma à outra”, disse Tarcísio, que propôs relatar a trajetória da mestra em uma “sinfonia”. O primeiro movimento, marcado pela “humana docência”, é o da professora de Educação Física em escolas públicas. O segundo, de “expansão de novas harmonias”, é o da professora da UFMG: Tarcísio, que foi seu aluno, revisitou cadernos, recordou atividades, reproduziu registros especiais de suas aulas.
Para chegar ao terceiro movimento, Tarcísio Vago, que foi o primeiro orientando de mestrado de Eustáquia, ressaltou que ela produziu a sétima dissertação de mestrado em Educação Física no Brasil, foi a terceira mulher a defender um trabalho de mestrado na área e a primeira a tratar do ensino de Educação Física na escola. Segundo o orador, a tese de doutorado defendida na Unicamp “é, 25 anos depois, um clássico da historiografia da Educação Física” e foi um marco para o início da produção do conhecimento nesse campo.
As atividades de Eustáquia Sousa após a saída da UFMG compõem o quarto movimento da sinfonia: ela elaborou referências curriculares, ajudou a conceber o curso de Educação Física na PUC Minas e integrou o grupo que propôs o ordenamento legal para a Educação Física que tem lugar na escola.
Segundo Tarcísio Vago, Eustáquia “foi desafiada, reinventou-se, assumiu seu protagonismo e ousou ela mesma pôr em dúvida seus conhecimentos, abandonando o enganoso conforto que a posição de professora da UFMG poderia lhe dar”. Sua história, ele afirmou, “foi uma defesa diária da UFMG: em sala de aula, na produção de conhecimento, na orientação de alunos e na luta por uma universidade indispensável”.
O diretor da Escola, Gustavo Côrtes, afirmou que a trajetória da professora emérita “é impressionante em todos os aspectos, mas especialmente no aspecto humano”. Segundo ele, o trabalho de Eustáquia abriu as portas para a produção de conhecimento na área da Educação Física, especialmente pautada na licenciatura. E lembrou o interesse dela pelas questões de gênero: “Quando ninguém discutia desigualdades entre meninos e meninas nas aulas de educação física, você nos mostrou com competência que precisávamos pesquisar e refletir sobre isso”, disse, dirigindo-se à homenageada. Para o vice-diretor da Faculdade de Educação, Wagner Auarek, Eustáquia Sousa “marcou a formação de gerações de professores para a escola básica e deixou na FaE lições de solidariedade, respeito e ética".
Sandra Goulart Almeida destacou que Eustáquia é uma das poucas mulheres a integrar o rol das professoras eméritas da UFMG. “As mulheres correspondem a menos de 30% daqueles que receberam a honraria. Hoje, mais de metade dos estudantes que entram na Universidade são mulheres, mas elas são poucas nos cargos de destaque”, enfatizou a reitora.
Sandra disse que a professora Eustáquia Sousa “é uma mulher de fibra, desbravadora, capaz de servir de modelo para tantas mulheres em busca de emancipação, liberdade e igualdade de condições”.
Se por um lado, continuou Sandra, os tempos são de incertezas e retrocessos na agenda de demandas de grupos originalmente excluídos de participação plena na sociedade, hoje muitas mulheres se identificam com a pauta de defesa dos direitos humanos e de igualdade entre homens e mulheres. “Esse ideal igualitário deve guiar a missão de uma universidade pública comprometida com a inclusão e a diversidade, como queremos que seja a nossa UFMG.”
Segundo a reitora, cabe a todos resistir ao que possa ameaçar esses valores. “Defender a educação e a universidade pública num momento em que ela sofre ataques nos campos material e simbólico significa defender a autonomia universitária, a laicidade, o Estado de Direito, a liberdade de pesquisa e de cátedra e o pensamento crítico”, disse Sandra Goulart Almeida, que convidou a professora Eustáquia a “permanecer presente e ajudar-nos a defender os valores que nos definem como instituição e como comunidade universitária e construir o país fraterno e solidário que desejamos para nós e para as gerações vindouras”.