Pesquisa e Inovação

Grupo do ICB vai receber R$ 1 milhão para investigar microambiente tumoral

Recursos vieram do Instituto Serrapilheira, agência privada que financiará outros 11 projetos no país

Alexander Birbrair (à direita) com seu grupo de pesquisadores no ICB
Alexander Birbrair (à direita) com seu grupo de pesquisadores no ICB Raphaela Dias / UFMG

O professor Alexander Birbrair, do Departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), é um dos 12 pesquisadores brasileiros contemplados com aporte de R$ 1 milhão, em edital do Instituto Serrapilheira. Anunciados nesta sexta-feira, dia 17, os ganhadores foram selecionados entre os 65 pesquisadores de todo o país que receberam R$ 100 mil em 2018, na primeira fase da 1ª Chamada Pública de Pesquisa Científica do Instituto. Eles terão três anos para dar continuidade às pesquisas iniciadas no ano passado.

Na primeira etapa da investigação, Birbrair explorou o microambiente onde crescem os tumores e revelou a presença e a importância do sistema nervoso periférico nesse microambiente, o que poderá, no futuro, ampliar as possibilidades de tratar o câncer. “Descobrimos que os nervos estão presentes e afetam a progressão do tumor. Nos próximos três anos, vamos investigar como eles atuam exatamente dentro do tumor, quais os mecanismos celulares e moleculares envolvidos, além de tentar elaborar um tipo de terapia baseada nessa descoberta”, sintetiza o professor.

Investigação de ponta
Sediado no Rio de Janeiro, o Serrapilheira é instituição privada organizada sob a forma de associação civil e sem fins lucrativos que vem aplicando recursos no estímulo a grupos de pesquisa, para “encorajar grupos jovens, ousados e criativos a desenvolver investigação de ponta”. No lançamento da chamada, seu diretor-presidente, Hugo Aguilaniu, destacou que o instituto não tem preferência por ciência pura ou aplicada “nem deixará de apoiar projetos de pesquisa arriscados, nos quais o pesquisador audacioso nem sempre será bem-sucedido”.

Essa liberdade para inovar é o diferencial dos editais de fomento do Serrapilheira, na avaliação de Birbrair e de Roberto Figueiredo, professor da Escola de Engenharia da UFMG, que também recebeu R$ 100 mil na primeira fase da chamada. Para ambos, a agilidade na compra de insumos e a liberdade para contratar serviços – como testes em laboratórios internacionais ou a montagem de uma máquina – às vezes podem fazer mais diferença em uma pesquisa do que a quantidade de recursos disponíveis.

O Instituto Serrapilheira opera com recursos oriundos de fundo patrimonial constituído por doação de Branca e João Moreira Salles, no valor de R$ 350 milhões. A instituição, que nasceu em 2014 e foi oficialmente lançada em março de 2017, busca atuar de forma complementar às agências de fomento dos governos federal e estaduais.

“Recursos privados nunca substituirão o investimento público em ciência”

A satisfação de ter sua pesquisa escolhida por revisores nacionais e internacionais para receber o aporte financeiro do Instituto Serrapilheira não ameniza a decepção do professor Alexander Birbrair com os cortes de recursos públicos para a educação e ciência anunciados pelo governo federal. 

"É preciso criar uma consciência – que não seja abalada por qualquer governo – de que ciência não é gasto, é investimento. Investir em ciência é planejar, pensar no futuro", defende o professor, nesta entrevista ao Portal UFMG.

É possível prever até onde sua pesquisa pode chegar com esse novo aporte?
Sou um professor recém-concursado, cheguei à UFMG [ele fez doutorado e residência pós-doutoral nos EUA] há menos de três anos. Tirei dinheiro do bolso para construir uma parede em uma sala de aula prática, meus alunos pintaram e montamos um laboratório. Com os R$ 100 mil da primeira fase da chamada, equipamos um laboratório com microscópios e lupas e comprei reagentes, para a pesquisa avançar. Cientificamente, o que fizemos com esses recursos? Descobrimos que os nervos estão presentes e são importantes dentro dos tumores. Percebemos que essas inervações não são passivas dentro dos tumores, mas exercem papéis proativos durante a progressão do câncer.

Tendo compreendido a função de cada componente do microambiente tumoral, será possível desenhar drogas farmacológicas capazes de executar o bloqueio do crescimento do tumor. Agora teremos condições de trabalhar com perguntas mais complexas, com o intuito de identificar os mecanismos por meio dos quais o crescimento do tumor é regulado pelo sistema nervoso periférico e criar maneiras de manipulá-lo para inibir o desenvolvimento tumoral. (Leia mais)

Alexander Birbrair:
Alexander Birbrair: inervações têm papel ativo na progressão do câncerRaphaella Dias / UFMG

O resultado da chamada chegou em um momento grave, com contingenciamento e cortes de verbas públicas...
Eu voltei para ficar, cheguei ao Brasil com a intenção de trabalhar aqui pelos próximos 30, 40 anos, no minimo, e é um orgulho estar em casa. Sou extremamente otimista, tenho muita motivação e, em geral, diante de qualquer situação, sempre acredito que é possível superar as dificuldades. Mas, neste momento, estou abalado, surgiram dúvidas em minha cabeça, pois a vida de muitos cientistas está sendo afetada, assim como o futuro do país.

Alguns estados brasileiros não estão conseguindo financiar as pesquisas, mesmo aquelas que já tinham sido aprovadas em editais, como Rio de Janeiro e Minas Gerais. As pessoas concorrem aos editais, é difícil ganhar, e mesmo ganhando não estão recebendo o recurso. Meu grupo reunia quase 20 pessoas, e algumas já foram embora porque perdemos bolsas da Capes. Tenho uma aluna excelente cuja bolsa do CNPq pode ser cortada em agosto. Pesquisas do meu grupo já foram selecionadas em alguns outros editais (do CNPq e da Fapemig) e, até agora, os recursos não foram repassados. Na Fapemig, os projetos com outros colaboradores que formam as redes mineiras deveriam ter recebido R$ 1,5 milhão cada, e não chegou nem um centavo.

É preciso criar uma consciência – que não seja abalada por qualquer governo – de que ciência não é gasto, é investimento. Investir em ciência é planejar, pensar no futuro. Não queremos que daqui a duas ou três décadas o Brasil seja totalmente dependente e precise comprar tudo de países, que vão impor o preço que quiserem.

A iniciativa do Instituto Serrapilheira traz esperança?
É importantíssima a iniciativa do Serrapilheira, sobretudo por operar de forma diferente, dando liberdade aos pesquisadores e sem cobrar necessariamente um produto, como poderiam fazer algumas empresas.

No entanto, jamais o financiamento privado poderá substituir o público. Não existe nenhum país no mundo, nem EUA, nem Israel, nem na Europa, em que o financiamento privado seja maior do que o público. Pela lógica do financiamento privado, ninguém investiria, por exemplo, em pesquisa de matemática ou em temas não aplicáveis. E qual o problema disso? É que hoje em dia não existiriam coisas como celulares e computadores se não houvesse investimento em matemática. Investir em pesquisa básica é responsabilidade do Estado, da mesma forma que é preciso investir em educação e em saúde para não se ter um país de analfabetos e sem médicos. São coisas essenciais. Não queremos um país que não investe em seu futuro. É aceitável que as pessoas tenham suas convicções políticas, mas é inaceitável que não se queira o melhor para o futuro do país. Existem outras pesquisas que, acredito, sejam até muito mais importantes do que a nossa. E por que a nossa é a que vai receber recursos, e outras, não? Por que precisamos tomar essas decisões, excluir pesquisas excelentes? Isso deve ser repensado.

Trajetória
Alexander Birbrair, de 32 anos, nasceu na antiga União Soviética e aos três anos mudou-se para Israel com os pais, Marina Sobolevsky e Lev Birbrair, que são pesquisadores na área de matemática. Quatro anos depois, sua família migrou para o Brasil, tendo morado também na Espanha.

Antes de ingressar na UFMG, em 2016, Birbrair desenvolveu pesquisas por quase dez anos nos Estados Unidos, onde fez doutorado em Neurociências (Wake Forest University, Carolina do Norte), e residência pós-doutoral em Biologia Celular (Albert Einstein College of Medicine, Nova York). Graduado em Biomedicina pela Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia, é pesquisador visitante na Columbia University, em Nova York, e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências e da Global Young Academy. Tem experiência nas áreas de Biologia e Genética Molecular, Farmacologia, Fisiologia, Patologia, Biotecnologia e Biologia Celular.

Ana Rita Araújo