Institucional

Cançado Trindade reitera obrigação universal do desarmamento nuclear

Ao receber título de Doutor Honoris Causa, juiz reafirma sua confiança na conquista da paz com justiça, sob orientação da consciência humana

Reitora Sandra Goulart Almeida confere a Cançado Trindade título concedido pelo Conselho Universitário
Reitora Sandra Goulart Almeida entrega a Cançado Trindade título concedido pelo Conselho Universitário Foca Lisboa / UFMG

Na solenidade em que recebeu o mais alto título honorífico da UFMG – Doutor Honoris Causa – na noite desta terça-feira, 24, o juiz Antônio Augusto Cançado Trindade assinalou que, diante de um “mundo perigosíssimo, ante a ameaça inclusive de destruição de toda a humanidade”, é fundamental seguir alimentando a fé e a esperança. 

Membro da Corte Internacional de Justiça (Tribunal da Haia), principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU), para o qual foi reeleito em novembro passado, Cançado Trindade reiterou a confiança de que sua visão universalista e humanista para a construção de um mundo com paz e mais justiça continue a ser cultivada pelas novas gerações de estudiosos do Direito. 

Na conferência A consciência sobre a vontade: os tribunais internacionais e a humanização do Direito Internacional, o jurista rememorou aspectos marcantes da luta que tem travado no cenário internacional pela defesa dos direitos humanos, desde que se graduou na UFMG em 1971. “Meus esforços não foram em vão”, afirmou, lembrando a assinatura, em 20 de setembro do ano passado, do Tratado de Proibição de Armas Nucleares, aprovado pela ONU. Contudo, a pauta de direitos pelos quais Trindade se empenha é bem mais ampla.

Reitora: esperança por um futuro digno de ser sonhado
Reitora: esperança por um futuro digno de ser sonhado Foca Lisboa / UFMG

Como destacou a reitora Sandra Goulart Almeida, “todos os seus muitos feitos são símbolos que remetem a um trabalho de dias, meses, anos; a uma vida, enfim, dedicada à causa da justiça em sua vertente civilizatória, depositária da esperança por um futuro digno de ser sonhado: a luta pelos direitos humanos”.

Na saudação que fez ao homenageado, o diretor da Faculdade de Direito, Fernando Gonzaga Jayme, destacou a coerência e a coragem de Cançado Trindade ao manifestar votos dissidentes em diversas situações, como quando defendeu, em 2012, na Corte Internacional de Justiça, afastar a imunidade jurisdicional da Alemanha para reconhecer o direito de cidadãos italianos e gregos a buscar as reparações pelos crimes de guerra cometidos pelos nazistas.

Fernando Jayme também revelou outras características do professor Cançado Trindade, em quem “o encantamento antecede o currículo e o humano precede o humanista”. Também ressaltou “a simpatia, a escuta respeitosa, o sorriso fácil, a gentileza, a generosidade, a lealdade e a simplicidade”. Em sua opinião, o relevo da obra de Trindade se constata pelas marcas concretas do que efetivamente realizou. "Como costuma sempre dizer, ele se empenha nas tarefas impossíveis. E o melhor, transforma o impossível em realidade", enfatiza o diretor da Faculdade de Direito.

Humanidades
O homenageado reiterou sua convicção de que é a partir da consciência dos direitos humanos que se há de evitar e combater o uso indevido do poder das tecnologias e o das comunicações em função dos interesses de uns poucos e não do bem comum.

Ao defender que se reconheça o primado dessa consciência sobre a vontade, bem como o dos valores universais, Antônio Augusto Cançado Trindade denunciou que “o mito do ‘progresso’ – transformado em dogma a partir do século 19, na mesma época da expansão do juspositivismo – dissociado das humanidades só aumentou o perigo da violência desenfreada, proporcionando os meios para a destruição mundial”.

Para Cançado Trindade, “os seres humanos não aprenderam as lições do passado”. Mas afirmou que, “ao invés de nos desesperarmos”, é preciso concentrar a atenção nos esforços desenvolvidos no sentido de protegê-los “de si mesmos, de seu ímpeto de destruição e autodestruição”, para evitar a repetição de atrocidades. “Há que se buscar o acesso à verdade, cultivar a memória das vítimas e honrá-las com a realização da justiça”, disse.

A busca pela realização da justiça, aliás, é traço que define toda a trajetória do juiz, brasileiro cuja passagem pela Corte Interamericana de Direitos Humanos foi tão marcante que se denomina o período em que lá atuou (1994 a 2008) como a “Corte Cançado Trindade”, como informa Gonzaga Jayme.

Fernando Jayme: o humano precede o humanista
Fernando Jayme: o humano precede o humanista Foca Lisboa / UFMG

Segundo o diretor da Faculdade de Direito, foi a época de maior projeção da jurisprudência da Corte como emancipadora do ser humano frente ao Estado, em um momento bastante conturbado na história política do continente. “Sabe-se lá se a Corte hoje desfrutaria do mesmo prestígio e confiabilidade não fossem a sua energia, firmeza de propósito, tenacidade e coragem”, ponderou Gonzaga Jayme. Cançado Trindade presidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos por dois mandatos.

A reitora Sandra Goulart Almeida enumerou atributos do homenageado, como talento, coragem, determinação e “uma esperança genuinamente firme, para dedicar o melhor de todos os seus esforços, ao longo de toda a carreira, oferecendo o trabalho de sua vida a uma causa que transcende a época presente”.

Causa que, segundo a professora, “se confunde com a utopia fundacional da nossa ideia de civilização – uma sociedade de pessoas livres, de seres humanos que possam usufruir da herança material e cultural que nos é legada por nosso passado comum e que possam expandir, ao infinito, a noção do humano como atributo inalienável de cada mulher e de cada homem que vierem a nascer sobre este planeta”.

Sessão solene

Maurício Freire executa peça em homenagem a Cançado Trindade
Maurício Freire executa peça em homenagem a Cançado Trindade Foca Lisboa / UFMG

Em seus 90 anos de história, a UFMG outorgou seu maior título honorífico a apenas 24 personalidades, já incluindo o professor Antônio Augusto Cançado Trindade. O evento foi realizado no auditório da Faculdade de Direito, em sessão pública e solene do Conselho Universitário.

De acordo com o texto do diploma entregue a Cançado Trindade pela reitora Sandra Goulart Almeida, a outorga do título se dá em reconhecimento “pela frutuosa e construtiva atuação profissional na proteção dos direitos humanos e pela sua vasta e proeminente obra acadêmica dedicada ao direito internacional dos direitos humanos".

Cançado Trindade foi homenageado também com a peça Bachiana nº 5, de Villa-Lobos, executada pelo professor Maurício Freire, da Escola de Música.

A mesa foi composta pelo homenageado, pela reitora Sandra Goulart Almeida,  pelo vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira, pelo professor Fernando Gonzaga Jayme e pelo advogado geral do estado, Onofre Alves Batista Jr., representando o governador Fernando Pimentel.

Trajetória

Cançado Trindade
Cançado Trindade Foca Lisboa / UFMG

Professor emérito de Direito Internacional da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Augusto Cançado Trindade é também professor honorário de Direito Internacional da Universidade de Utrecht (Países Baixos) e membro honorário da Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde obteve doutorado – sua tese, Desenvolvimentos na regra de esgotamento dos recursos internos em direito internacional, defendida em 1977, foi agraciada com o Prêmio Yorke.

Ele detém o título de Doutor Honoris Causa em universidades de países em distintos continentes, como Chile, Peru, Paraguai, Argentina, Grécia, Espanha e Índia. Foi professor de Direito Internacional na Academia Diplomática Rio Branco (Brasil).

Tem atuado como professor convidado e professor visitante em universidades de diversos países da Europa, das Américas e da Ásia, e como docente nos cursos anuais de Direito Internacional organizados pela Comissão Jurídica Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA), bem como nas sessões anuais de estudo do Instituto Internacional de Direitos Humanos (França), instituição na qual é titular da cadeira Fondation Roi Baudouin, e na Academia de Direito Internacional Humanitário.

Na eleição para integrar o Tribunal da Haia, obteve a maior votação já recebida por um magistrado na história da instituição. Na Corte Interamericana de Direitos Humanos, é hoje reconhecido internacionalmente por fortalecer a proteção dos direitos da pessoa humana.

Ex-consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, é membro titular do Institut de Droit International e do Curatorium da Academia de Direito Internacional da Haia (onde representa toda a América Latina). É membro das academias Mineira e Brasileira de Letras Jurídicas.

De acordo com Fernando Gonzaga Jayme, Cançado Trindade é autor de mais de meio milhar de artigos acadêmicos e pareceres jurídicos, mais de meia centena de livros e inumeráveis conferências realizadas em todos os quadrantes do mundo. Recebeu, em 2002, o prêmio Pontes de Miranda, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, com a obra intitulada O Direito Internacional em um mundo em transformação.

Entrevistados:
Sandra Goulart Almeida, reitora da UFMG;
Fernando Gonzaga Jayme, diretor da Faculdade de Direito da UFMG;
Antônio Augusto Cançado Trindade, membro da Corte Internacional de Justiça da ONU

Produção: Otávio Alves
Reportagem: Jessika Viveiros
Imagens: Antônio Soares
Edição de imagens: Marcia Botelho