Pesquisa e Inovação

Isolamento compromete memória social de camundongos

Estudo mostra que a solidão provoca mudanças neuroquímicas no cérebro dos animais

Camundongo em túnel, ambiente que estimula formação de neurônios
Camundongo em túnel, ambiente que estimula formação de neurônios Foca Lisboa / UFMG

Alterações orgânicas – anatômicas e funcionais – podem ser observadas em animais mantidos em isolamento, demonstra pesquisa desenvolvida pela professora Grace Schenatto Pereira Moraes, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas. Roedores isolados por uma semana sofreram mudanças neuroquímicas no cérebro, como diminuição da produção de serotonina e de dopamina em áreas importantes para o processamento de emoções, e redução do volume do bulbo olfatório, área cerebral que processa os odores.

Os animais também apresentaram quadros de depressão, ansiedade e problemas de memória, particularmente na chamada memória social, de reconhecimento dos semelhantes. “Assim como os humanos, camundongos são seres sociáveis, que precisam do convívio para ter saúde mental e um estado emocional adequado”, explica a pesquisadora. O estudo Solidão não é uma boa companhia foi apresentado ao público no mês passado, durante a mostra Inova Minas, promovida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

Um dos trabalhos desenvolvidos pela equipe de Grace Schenatto mostrou que, para manter a memória social por 24 horas, é necessário que o bulbo olfatório dos roedores “converse” com o hipocampo, área-chave para o armazenamento de memórias. “Esse diálogo, medido por meio da atividade elétrica dessas áreas, fica prejudicado no animal isolado”, comenta a professora. Enquanto humanos usam muito a fisionomia e a voz para identificar pessoas, roedores utilizam um repertório de cheiros, pois cada um tem sua identidade olfativa. À medida que ficam isolados, vão perdendo a capacidade de reter essa memória.

Segundo a pesquisadora, artigo publicado pelo grupo da professora Kay Tye, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), de onde acaba de voltar de estágio sabático de um ano, mostrou que apenas 24 horas de isolamento social são suficientes para modificar a plasticidade neural em uma população de neurônios dopaminérgicos do núcleo dorsal da rafe. Esses neurônios produzem e liberam o neurotransmissor dopamina, pelo menos em duas áreas do cérebro importantes para a diferenciação de estímulos positivos e negativos. “Defendeu-se, nesse trabalho, que esses neurônios são fortes candidatos a ser os detectores da ausência de estímulo social. Entretanto, ainda são necessárias mais pesquisas para desvendar as bases biológicas do isolamento social e da solidão em humanos”, enfatiza.

Ambiente enriquecido

Os efeitos do isolamento são amenizados quando o indivíduo é mantido em ambiente enriquecido com elementos capazes de provocar estímulos sensoriais, o que, para roedores, podem ser objetos e túneis. “Nos animais, percebe-se que o ambiente enriquecido estimula o processo de neurogênese (formação de novos neurônios) no bulbo olfatório e no hipocampo, áreas fundamentais para a memória social”, relata a professora do ICB.

Em humanos, o enriquecimento poderia ser obtido por meio de atividades como ouvir música, tocar um instrumento, realizar exercícios físicos, fazer uma leitura ou desenvolver habilidades manuais como no artesanato e na culinária. A professora ressalta que o meio influencia fortemente o funcionamento do sistema nervoso do cérebro, com implicações que podem não se manifestar de imediato, mas terão importância ao longo do tempo. Ela cita pesquisa longitudinal realizada na Universidade de Harvard (Estados Unidos), segundo a qual pessoas idosas que mantiveram suas relações sociais – vida social ativa, amizades mais duradouras e intenso convívio com a família – apresentavam-se mais saudáveis.

Grace
Grace Schenatto pesquisa estratégias para reduzir os efeitos da solidão nos animaisFoca Lisboa / UFMG

Interação

Os efeitos do isolamento são mais facilmente mensuráveis em modelos animais do que em humanos, sobretudo em razão do componente subjetivo, pois uma pessoa pode estar cercada de outras e, ainda assim, sentir-se sozinha, explica a professora, que cursou pós-doutorado em biologia molecular da memória no Centre for the Cellular Basis of Behaviour do King’s College London (Reino Unido) e em neurociências, na área de modulação optogenética de circuitos neurais, no MIT (Estados Unidos).

Lembrando que quadros de depressão e transtornos de ansiedade têm relação direta com o isolamento social, a professora pretende fazer simulações que comparem a interação presencial – o toque, o abraço e conversas diretas – com o contato realizado pelas redes sociais. “Acreditamos que o contato mediado por redes sociais seja insuficiente para manter os estímulos cerebrais”, diz.

Com relação às possíveis repercussões do estudo com roedores isolados, Grace Schenatto chama a atenção para o alto índice de doenças mentais, como transtornos de ansiedade e de pânico, quadros depressivos e estresse. “Nesse cenário, todas as pesquisas que desvendem a base biológica desses transtornos e que busquem tratamentos são importantes, porque é fundamental entender o que acontece com o cérebro e desenvolver alternativas que amenizem os efeitos do isolamento.”

Dedicada à pesquisa básica, Grace Schenatto comenta que a participação na feira Inova Minas levou o grupo de seu laboratório a refletir sobre possíveis aplicações práticas. “Chegamos a pensar que esse tipo de pesquisa pode oferecer subsídios para enriquecimento ambiental em empresas em que as atividades sejam rotineiras e automatizadas. Seria possível, por exemplo, oferecer horários específicos para interação de pessoas e atividades de estímulos sensoriais”, sugere a pesquisadora.

Ana Rita Araújo / Boletim 1994