João Carlos Salles: 'Universidade é lugar da aposta e da surpresa'
Filósofo e reitor da UFBA participou nesta quinta do ciclo de conferências 'Tempos presentes'
“A universidade não é um projeto burocrático. Além de não ser uma empresa, não é uma repartição pública qualquer, embora venha sendo assim tratada”, afirmou o professor de Filosofia e reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), João Carlos Salles, a respeito das recorrentes medidas de controle federal sobre as instituições de ensino superior, levadas a cabo, em seu entendimento, “em nome de um suposto zelo pelo interesse público que não compreende a especificidade da vida acadêmica e os prazos da universidade”.
João Carlos Salles participou, na manhã desta quinta-feira, 11, do segundo evento do ciclo de conferências Tempos presentes, que recebe pensadores vinculados à UFMG e a outras instituições do Brasil e do exterior, com o objetivo de abordar questões contemporâneas relacionadas a academia, política, sociedade e comunicação.
Salles lembrou o recente episódio ocorrido na instituição baiana em que um pesquisador foi considerado suspeito de fraude por ter adquirido freezers horizontais para a consecução de seu estudo, quando havia sido concedido recurso para a aquisição de freezers verticais. “Deveria ser tratada com naturalidade a readaptação de um projeto em decorrência da constatação de que os pontos de partida eram equivocados. A universidade não é o lugar só da verdade e da rotina, mas da aposta, que inclui o erro, a invenção e a surpresa. O insucesso também é formador, é uma vitória acadêmica”, observou.
Para João Salles, a universidade é uma obra em andamento, que "se mostra em seu fazer-se”. Sua autonomia, portanto, deve conter o pressuposto de um “projeto flexível”. “Isso exige responsabilidade por seus próprios atos, que devem resultar de exercício deliberativo próprio e da renovação de seus laços com a sociedade”, comentou.
Aura autêntica
A democracia, segundo o reitor, deve produzir uma “aura autêntica” para a universidade, por meio da qual é autorizada a pluralidade de vozes e o respeito às diferenças, de modo a afastar quaisquer manifestações totalitárias. “Temos um compromisso estratégico com a produção de uma comunicação desimpedida, à qual podemos associar a produção de conhecimento com a formação de pessoas voltadas ao interesse pela emancipação, e não pela simples dominação da natureza ou da sociedade”, observou.
O filósofo destacou também que é muito positivo o reconhecimento de “um misto de formas de exercício democrático no tecido da universidade”. “O gestor deve guardar, em sua condução dos processos de deliberação, a memória dos interesses, as perspectivas e a diversidade entre ritmos e lugares”, refletiu.
Trajetória
João Carlos Salles é licenciado em Filosofia (1985) e mestre em Ciências Sociais (1992) pela UFBA, além de doutor em Filosofia (1999) pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É reitor da UFBA desde agosto de 2014 e presidente da Sociedade Interamericana de Filosofia (SIF) desde 2013.
Entre outros livros, publicou A gramática das cores em Wittgenstein (2002); O retrato do vermelho e outros ensaios (2006); O cético e o enxadrista: significação e experiência em Wittgenstein (2012); Filosofia, política e universidade (2016); A cláusula zero do conhecimento: estudos sobre Wittgenstein e Ernest Sosa (2017); e Análise & gramática: mais estudos sobre Ernest Sosa e Wittgenstein (2018).