Legado global de Paulo Freire será discutido em congresso internacional
Vinte e um anos após a morte do pedagogo, evento mostra que seus pensamentos seguem atuais
![Facebook Instituto Paulo Freire Pedagogo pernambucano tem seu legado como tema de congresso internacional.](https://ufmg.br/thumbor/QiK2FTZSbyl0Sun163mrxKu5Kh0=/28x0:490x309/712x474/https://ufmg.br/storage/1/4/c/6/14c62bc27fe1da958f697a269d9c36ea_15248417503457_981675922.jpg)
Teórico brasileiro mais conhecido mundialmente na área de ciências humanas, Paulo Freire será tema de congresso internacional de 28 de abril a 1º de maio, no campus Pampulha. Com o tema Formação de educadores, diversidade e compromisso social, a extensa programação do evento inclui 21 minicursos e oficinas, nove rodas de conversa e 85 mesas-redondas, além de exibição de curtas e apresentações culturais.
O 2º Congresso Internacional Paulo Freire: O legado global, cuja primeira edição foi realizada em 2012, na Nova Zelândia, contará com a participação de pesquisadores de todos os continentes.
As atividades serão realizadas no Centro de Atividades Didáticas de Ciências Naturais (CAD 1) a partir das 13h deste sábado, 28. As inscrições ainda estão abertas e também podem ser feitas no local, no primeiro dia do evento. A programação completa está disponível no site do congresso.
Pensamento de Freire canaliza a realidade dos oprimidos
![TV UFMG O professor emérito Miguel Arroyo fará o seminário de abertura do congresso.](https://ufmg.br/thumbor/dDAaQuxBHuAKDc_Si_g3g4MNryc=/0x0:1083x724/712x474/https://ufmg.br/storage/7/a/d/a/7ada20f561c3905155dbbb799d5fb6cb_15248418916441_558638668.jpg)
O livro Pedagogia do oprimido, principal obra de Paulo Freire, é o terceiro livro mais citado no mundo em trabalhos acadêmicos das ciências humanas. Mesmo após 21 anos de sua morte, os pensamentos difundidos pelo patrono da educação brasileira seguem reconhecidos e valorizados mundialmente.
Em entrevista ao Portal UFMG, o professor emérito Miguel Arroyo, que fará a conferência de abertura do congresso, destaca a influência de Paulo Freire no século 21 e o legado global deixado pelo pedagogo.
Como o sr. avalia a influência da obra de Paulo Freire, construída no século passado, em pleno século 21?
Podemos nos perguntar: por que, nesses tempos de golpe político, social e judicial, voltarmo-nos para Paulo Freire? Porque estamos em tempos de violências e de opressões políticas muito parecidas com as opressões que levaram Paulo Freire a escrever a Pedagogia do oprimido nos anos 1960.
Estamos em novos tempos de opressão e, consequentemente, somos obrigados, não só como educadores, mas como pessoas que trabalham com direitos humanos, a perguntarmo-nos o que significam esses processos de opressão tão brutais, tão repetidos em nossa história. A Pedagogia do oprimido continua de extrema atualidade. Estamos em tempos em que os oprimidos resistem, e esse é um dos traços mais fortes do pensamento de Paulo Freire: reconhecer os oprimidos como sujeitos de sua libertação. Eles resistem e, resistindo, se libertam.
Há, então, uma similaridade com a época em que Paulo Freire construiu seu pensamento?
Sim, ele escreve a Pedagogia do oprimido em um momento em que os ativistas lutavam por direitos, diante de ditaduras e golpes não só aqui, mas em toda a América Latina. Sua análise diz não só da realidade brasileira, mas de todos os oprimidos – da luta dos camponeses, indígenas, quilombolas, colonizados. Seu pensamento canaliza a realidade dos oprimidos do mundo, aqueles oprimidos da colonização, os sem terra, os sem teto. Esse é o grande legado do Paulo Freire, e seu pensamento foi muito identificado fora do Brasil. E em um momento em que estamos com a volta de ditaduras e de opressões em todos os lugares, o pensamento volta.
Quais os traços mais marcantes desse legado?
Paulo Freire rejeita o paradigma pedagógico hegemônico que vê os oprimidos como inumanos, irracionais, incultos, sem consciência, sem valores. Ele os reconhece como sujeitos de cultura, saberes, valores, identidade, conhecimentos. Ele desconstrói o pensamento pedagógico que os tratou como conscientizáveis e racionalizáveis. Paulo diz que eles já são humanos, já são racionais, já têm consciência, já têm saberes.
O que são esses processos de desumanização?
Estamos enfrentando brutais processos de desumanização quando se destroem os direitos do trabalho, se acaba com a reforma política, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, se reprime quem luta por direitos.
Paulo Freire chega a falar que um dos processos mais sérios dos oprimidos é que eles têm suas humanidades roubadas. Insiste nisso: roubar do ser humano sua condição de humano é o processo mais brutal. Milhões de brasileiros na pobreza, na miséria, mulheres e jovens negros mortos – essas pessoas estão sendo roubadas de suas humanidades e de suas vidas. Vidas exterminadas de militantes que lutam por direitos. Estamos em um momento muito duro, e é bom trazer Paulo Freire para entender esses processos e fortalecer as lutas dos oprimidos e dos ameaçados de extermínio.
Nita Freire
A jornalista Vanessa Bugre, da rádio UFMG Educativa (104,5 FM), entrevistou a viúva de Paulo Freire, Ana Maria Araújo Freire, doutora em educação pela PUC de São Paulo. Na conversa, Nita Freire fala da obra e da vida do pedagogo. Ouça a reportagem: